Entrevista com Mani Carneiro

O Entrementes entrevistou o músico pernambucano Mani Carneiro, que nos apresenta um interessantíssimo amálgama de sons distintos, com sopros, tambores e tons eletrônicos, que se juntam à sua MPB, tornando a mesma ricamente peculiar.
Tudo isso pode ser conferido em seu novo single “Esta Flor”, que ainda conta com a participação de sua conterrânea Alessandra Leão.

Mani trocou ideias com o Entrementes:

1- Sua arte mostra muita personalidade e lirismo… fale um pouco para nós sobre as influências de sua música, os nomes que te inspiraram em sua caminhada musical.

Salve! É um prazer falar com vocês! Costumo dizer que meus Beatles são John, Paul, Caetano e Gil (rs)… porque no fundo esses caras sintetizam “quase” tudo que foi feito de música até o século XX. Quando falo desses quatro, falo de todas as suas influências e dos artistas de sua geração também. Isso tudo me influenciou, mas isso varia muito, porque antes de ser músico eu já era muito amante da música e eterno curioso. Também sou um cara que atravessou para o século XXI, então o que faço bebe de uma fonte muito larga, as vezes até confusa, que vai de Caymmi a Radiohead, de Cesária Évora à Bjork, Luis Gonzaga a Efterklang ou Beethoven a Kraftwerk…que passa muito pelo violão também, pois é meu instrumento principal de composição, dentro do que já foi feito no violão brasileiro na música popular (e até onde eu possa contribuir), mas também sou fascinado por sintetizadores, “noises” e música  experimental, pop ou eletrônica.  Agora mesmo enquanto escrevo, ouço Dirty Projectors… Procuro fazer quando sinto. Eu gosto da incerteza do que ouço e vejo, que me levam ao indefinido do que faço!

2- Contando seu tempo com a banda As Parêa, já são duas décadas de  carreira… o que mudou no mercado fonográfico neste tempo? E as mudanças foram para melhor ou pior, para  os músicos?

Comecei a tocar em público antes, mas meu primeiro show autoral foi no ano 2000. Entrei para As Parêa 1 ano depois e cá estou quase 20 anos depois. Caramba, explanar 20 anos de mercado da música é um desafio e tanto. Há um ponto curioso: comecei minha carreira mais ou menos 10 anos antes de termos YouTube. E agora estamos falando mais ou menos 10 anos depois dele. O mercado da música sempre foi volátil, de mudanças constantes, mas digamos que nos últimos 20 anos mudou como nunca antes.
Por isso talvez seja importante refletir e podemos destacar ao menos 2 aspectos especiais: fundamentalmente mudaram, de maneira intensa, os meios de produção e acessibilidade. Acho que num caminho sem volta. Temos tecnologia avançada e compacta possibilitando cada vez mais a produção independente e divulgações em massa na grande rede que é a internet. Temos e teremos sempre prós e contras. Hoje você é mais dono do seu trabalho e sua arte, seu pensamento… porém é você que arca com todos os custos e tem centenas de milhões de concorrentes no novo, imenso e ainda indefinido mercado pós streaming. Ainda é bem difícil, sempre foi. Uma coisa que não mudou no Brasil é que aqui o mercado parece sempre mais desorganizado. Temos muitos artistas e bons (mas são muitos mesmo) de um lado. Do outro lado temos um país imenso, com público gigantesco apaixonado por música de todo o tipo (o que é um “ouro” pra qualquer mercado organizado). E no meio, quem faz a ponte entre esses lados? Esse é o ponto. Ainda temos poucos produtores pensando o mercado e a cadeia produtiva comparado ao tamanho desse país e a quantidade de pessoas a alcançar. Produtores somando e fazendo planejamento de carreira, ligando esses artistas a palcos e, consequentemente, ao seu público, fazendo – e ajudando a fazer – todo esse território e também este imenso público em potencial serem convertidos em números e renda, lidando com todo tipo de artistas (como muitos escritórios fazem lá fora) e não apenas com o grande que já dá retorno rápido… Ao mesmo tempo, quantos de nós artistas conseguem ser produtores, empresários e ainda artistas, com capacidade e velocidade de reverter investimentos e lidar com o dia a dia de vendas, marketing, gerenciamento e agenda?
Entende? É duro chegar a seu público quando há poucas pontes, pensamento de equipe, pouca produção especializada numa construção “constante, gradativa e progressiva”. Então lidamos ainda com uma rede de lançamentos incríveis, de gente super talentosa que quase não faz shows que se paguem em todos os custos a ponto de se viver disso. Há sim uma turma boa com bons festivais, que consegue levar números de artistas distintos e público, mas ainda fala muito pra tribos segmentadas e acabam sendo poucos festivais, pelo tamanho que esse país tem… etc. Temos muitos com boa vontade tentando acertar e começando do zero, produzindo com o artista do lado numa “colab”, só que isso tem tantos riscos e toma mais tempo ainda até amadurecer quando não se tem capital de giro e dentro de um mercado desorganizado, com poucas pontes… Ufa… Haja amor! Enfim, é muito longa, profunda e multifacetada a discussão sobre mercado de música. Acabei me alongando. Ainda cabe então aos músicos seguirem independentes e gestores de sua própria “empresa”, desde o cara mais só ao mais enturmado ou contratado por gravadoras de maiores estruturas. Liberdade é uma boa palavra. Hoje há mais liberdade no fazer música. Mas ainda é difícil viver disso. Vale a pena? Vale. Depende do que você quer da música. Se for “apenas dinheiro ou fama”…opa, cuidado! Um xadrez a se resolver e bem jogado!

3-  “Esta Flor” traz um dueto poético com Alessandra Leão, que também tem inquestionável talento. Como foi essa parceria com ela? E ainda com o vencedor do Grammy Bruno Giorg, na masterização?

Conheço Alessandra desde 2006, temos vários amigos em comum.  Trocamos ideias aqui e ali ao longo dos anos e sempre admirei seu trabalho. Escutei muito seus discos “Brinquedo de Tambor” e “Dois Cordões” nos últimos anos. Quando compus “Esta Flor” em 2011, saiu de uma vez letra e melodia que gravei correndo no celular e anos depois ao colocar violão senti que teria uma onda de tambores ali. Me veio Alessandra na cabeça imediatamente, que por coincidência estava há um tempo desenvolvendo um trabalho com ilús junto com Maurício Badé e Abuhl Júnior, então 3 baita percussionistas e também pernambucanos. Aí o universo fez o resto. Eu a convidei, ela topou e chamou a galera pra somar. No meio do caminho percebi que uma voz feminina ali no meio fazendo um contraponto e interlocução ao que eu dizia na letra teria super a ver, tanto no contexto emocional quanto estético. Ela concordou e fluiu… A presença dela e de sua voz, como a de seus companheiros, deram um brilho e magia incontestáveis para a canção. Um prazer imenso e sorte para mim. O Bruno Giorgi, eu acompanho sua evolução há um bom também. Não nos conhecíamos até o convidar para finalizar o áudio. Meu irmão, que também se chama Bruno, é diretor de palco e o conhece há anos, então decidimos juntos numa única  conversa,  que B. Giorgi seria a pessoa certa. Sou fã do que ele faz na música e de sua paixão pelo que faz. Um cara jovem e já com uma boa estrada e prêmios mais que merecidos. Chamei ele e foi super rápido e prazeroso o trabalho. Possivelmente faremos mais…

4- Ainda sobre o single, a letra do mesmo é sublime… poderia nos falar um pouco sobre ela? Falar de amor no mundo cheio de ódio de hoje em dia não deve ser fácil.

Obrigado! A letra descarregou-se em minha cabeça e ouvidos, eu precisava correr pra gravar antes mesmo de anotá-la. Ajustei poucas coisas depois e logo percebi que se tratava de algo profundamente simples, direto e ao mesmo tempo poético. Inspirada numa rosa que guardei dentro de uma carta que nunca foi enviada, pensei/intuí essa letra como se fosse a própria carta escrita. Ao perceber o estado da flor, vi que representava muito de como são as relações entre as pessoas e como o amor atravessa os tempos como os que vivemos atualmente. Aquela simples rosa amassada, com sua cor ainda firme apesar do maltrato, se mostrou um símbolo de resistência mesmo. Singeleza e força convivendo, assim como é o amor. Perceba, não estou falando só do amor romântico, mas de algo maior que nos cerca e nos liga a tudo e a todos. Esse algo maior que nos une e nos comove quando é estartado por alguém ou algo, nos projeta pra algo tão superior e de cura… Acho que justamente em tempos obscuros como os de hoje é que é fundamental, e até mais fácil, falar de algo luminoso. Sem esquecermos nossas dores e indignações e lutas, mas ainda mantendo um elo com a cura através da força e resiliência do amor, mesmo quando “amassado”. É da própria natureza. Um seguir em frente!

5- Considera as redes sociais e internet em geral importantes para a divulgação de sua música? Como está sendo a recepção de seu novo trabalho?

Sou um artista independente, até aqui não assinei com gravadoras, não sou recordista de streamings, pelo contrário, tenho entrado pouco a pouco nesse universo, mas hoje sou ouvido de Montevideo a Tóquio. Minha primeira turnê na Europa foi a partir de um pré-lançamento de um material na internet em 2011, que depois veio a se concretizar no meu primeiro solo, oficialmente lançado em 2015, o “Ecoou”. Muito desse trabalho com resultados colhidos da internet e suas redes sociais, quando ainda eram mais sociais que “bolhas” segmentadas por algoritmos. Hoje 37% da música mundial é consumida digitalmente e na China pessoas carentes pedem “dinheiro” com “QR Code”… Olhem só. É o futuro chegando cada vez mais rápido. Para artistas como eu, que não necessariamente atendem a um padrão de consumo imediatista do mainstream, é uma grande saída buscar na velocidade desse novo mundo quase que metade vivido digitalmente, uma comunicação maior com outros públicos e buscar resolver o desafio de alcançá-los fisicamente. Tenho tido bons resultados e de crescimentos constantes vindo das redes. “Esta Flor” veio como resposta a esse meu movimento de lançar, desde maio de 2017, doses fragmentadas do que vai constituir meu próximo “CD”. Esse single novo com participação de Alessandra Leão foi o mais bem sucedido até agora, em número de crítica e quantidade de novo público. Acho que justamente por pertencer a um montante destes lançamentos. Faz parte de um contexto de construção estética.
É também, até agora, a música minha que mais entrou em playlists.

6- Como avalia a trajetória de sua carreira? Acha que já conquistou tudo ou o melhor ainda está por vir?

Trajetória irregular e de crescimento e aprendizado constantes. Meu próximo CD será o quarto lançado, porém será apenas o segundo em carreira solo. Para um compositor de mais de 300 canções, eu diria que estou só começando. Como a gente se entusiasma muito e se renova a cada novo lançamento, é natural esperar que o melhor seja sempre o que está por vir, pois a produção nunca para! Como digo em “Realidez”, música que abre o meu primeiro solo: “(…) a coragem que a neblina em frente dá, já rega as flores que eu criei pra mim (…)”

7- Deixo aberto este espaço para que possas falar algo que eu não tenha perguntado, que gostarias que quem nos acompanha pudesse saber, ou mesmo um recado aos fãs de sua arte:

Só agradecer mesmo a vocês pelo bom papo e convidar os leitores a entrarem no link:
http://smarturl.it/ManiCarneiroEstaFlor
E escolherem uma das plataformas para mergulhar no meu multiverso sonoro, com sua curiosidade, buscando minhas outras músicas disponíveis! Será um prazer encontrá-los. Um grande abraço a todos!!

Este foi nosso aprazível papo com Mani Carneiro, um grande artista brasileiro, que merece todo o reconhecimento!
Conectando ideias, conectando o melhor da música brasileira!

DALTO FIDENCIO
nils satis nisi optimum

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