Escolhas e contingências
Manhã do primeiro domingo de 2024. Muito calor. Cá estou no Parque Vicentina Aranha. Sem atividades no local, o silêncio é aconchegante. Mais aconchegante ainda é a sombra de uma árvore onde me acomodo num banco de madeira. Ao meu lado, e sem pedir licença, um bando de galinhas d’angola cisca ruidosamente tudo o que acha pelo chão.
Estou a ler o caderno de Cultura do jornal O Estado de S. Paulo. Dentre boas matérias, destaco a coluna do historiador Leandro Karnal. O título é “Contingências”. Tema interessante para este início de ano, quando as pessoas definem seus projetos e anseios que esperam concretizar nos próximos 12 meses.
Mas, a vida não é uma linha reta. Por mais claros e bem planejados que sejam os projetos, nem sempre sua realização é líquida e certa. Ou, ainda há o risco do resultado final não ser o inicialmente idealizado, pela necessidade de mudanças de percurso. Fatores conjunturais não previstos podem interferir e abortar o que se esperava. .
A esse respeito, Karnal alude a um conceito filosófico chamado “contingência”: “Há sempre um princípio de imprevisibilidade nos dias à frente. O futuro será um tecido delicado entre nossas decisões e o complexo acaso do Universo.
Mais adiante o historiador afirma: “Nossos esforços podem aumentar a chance matemática, mas jamais estabelecem causalidade absoluta e exata. O problema aqui não é acreditar em destino ou Divina Providência. Mesmo que ambos existam, são incognoscíveis para nós.”
Em resumo, podemos relacionar tudo isso à antiga ideia de livre arbítrio e destino determinante (ou karma), tão cara às filosofias esotéricas e religiões orientais. Os seres humanos caminham entre os dois.
A vida nos ensina que não temos controle absoluto sobre o rumo das coisas. As incertezas fazem parte do nosso cotidiano. Nossas escolhas podem esbarrar em contingências. A esse respeito o filósofo Zigmunt Bauman também deu o seu “pitaco”: “Escolho chamar de modernidade líquida a crescente convicção de que a mudança é algo permanente e a incerteza é a única certeza”.
Tão absorto estava, elucubrando sobre o assunto, que nem dei conta de que as galinhas d’angola não estavam mais ali. Nem nos despedimos.
Por Gilberto Silos
Texto maravilhoso, Gilberto!
Mas vou me ater as galinhas d’angola do Vicentina, que também tenho um texto que não postei…acho que agora, vou postar.