FASCISMO

Ele sempre abria a janela.

Abrir a janela era o ritual da vida. Da vida dele. Um pouco de sol. Um ar. Novo ar. Deste outro dia. Que vinha e era. O outro, agora. O dia. Novo. Ele não. Era velho. Não tanto na carne que ainda vibrava, mas na alma que gemia angustiada.

Abrir a janela para o mundo e esperar deste… Um mundo. Novo? Não, sabia da ingenuidade e da impossibilidade do novo. O novo não existia totalmente. O que existia era a diferença. As modificações. As transformações. As possibilidades todas …para quem se vulnerabiliza para todas elas. As possibilidades.

Mas o que via da janela…dia após dia. Eraa pedra enorme na qual cada corpo se transformava. Pesados e presos. Acorrentados aos seus pequenos medos. Sequestrados por seus ínfimos interesses. Obesos por suas frustrações. E todos inocentemente ridículos.

E não era presunção. Nem se achava ou se percebia melhor. Apenas entendia aqueles corpos endurecidos. Olhos pequenos de ver só a si mesmos. Nunca viam o outro, no máximo percebiam suas semelhanças, suas igualdades mesquinhas, suas conformações vis e também suas mediocridades.

Sim. Uniam-se através de uma mediocridade que parecia lhes dar poder. E deste poder atacavam e destruíam toda e qualquer possibilidade de diferença.

E era por isso que fechava rapidamente a sua janela. Um pouco de sol, um ventinho. E se escondia da grande raiva. O mundo era preocupante.

Os corpos na rua gritavam palavras de ordem. Deus, família, pátria… e batiam e agrediam tudo o que …para eles… não se enquadrassem  em suas ideias.

Era sozinho. E isso o confortava. Tinha medo pelos outros. Um medo que gelava seus ossos. E era nesse momento que ele tentava sorrir. Um sorriso contra todo o absurdo do mundo.

Via seus amigos entregando e denunciando outras pessoas que não pensassem como eles. Pra conversar, diziam, acreditavam. E os outros. Aqueles indicados. Já não mais. A inexistência na barbárie.

Pelas frestas observava grupos perseguindo, batendo e até matando outros corpos. Motivo? Sexualidade e cor. Tudo que não se encaixasse nos parâmetros estabelecidos…devia ser destruído.

Ouvia mulheres choramingando e gritando pelas frinchas das casas e das vergonhas nos olhos masculinos que se desviavam.

Um pouco de sol e um ventinho.

Raras vezes ia ao mercado. Cerveja pra enganar o cérebro, embriagar o resto da alma.

Pedra algumas vezes eramlançadas em sua janela. Respondia com silêncio. E medo.

Silêncio e medo… muita gente já não estava. Não eram. Apagados. Fugidos. Presos. Torturados todos. Na carne e na alma.

Um arrependimento terrível percorria os olhos tristes da grande maioria. Salários que não vinham. Dívidas monolíticas.

Certa vez pela fresta da janela viuque queimavam livros. Fogueira enorme.

Juntou todos os que tinha em casa. Fez um grande círculo com eles. Gasolina. Na carne e na alma. Fogo.

Queriam o fogo. Dar-lhes-ia então o fogo.

…agora era apenas fumaça… corpos entrelaçados da literatura… que se esgueiravam para longe daquele horror.

Sobre Ronie Von Rosa Martins 27 Artigos
É mestre em Educação pelo Instituto Federal de Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense (2012), especialista em Literatura Contemporânea Brasileira pela Universidade Federal de Pelotas(2002) e também especialista em Linguagens Verbais e visuais e suas Tecnologias pelo IFSul-Pel.(2008). Atua como professor na rede Estadual da cidade de Cerrito e na rede municipal da cidade de Pedro Osório, Rio grande do Sul. Tem experiência nas áreas de Literatura e Formação de professores, com ênfase na articulação entre Literatura e filosofias da diferença.

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