
Data de leitura: 23-02-2025 a 03-03-2025 Nome: Luísa FRESTA
Ficha de leitura
Título: FOLHETIM
Autor: César Augusto de Carvalho[1]
Editora: LARANJA ORIGINAL ©
Coleção/ Edição: rosa manga
Ano de publicação: 2024
Género literário: Contos
Número de páginas: 238
Resumo:
Depois de CURTO-CIRCUITO[2] (haicais) e LADO B[3] (contos), descubro este novo volume de contos de um autor que tenho vindo a explorar e que me cativou desde os primeiros textos pelo caráter etéreo, enigmático, policial e vagamente surrealista das suas narrativas.
FOLHETIM é o título de uma narrativa que partilha o nome com este livro de onze contos, três deles no registo de autoficção, como sublinhado pelo próprio autor. Em todo o caso, mesmo aqueles que serão ficção pura (se é que isso existe) terão aqui e ali pinceladas de apontamentos autobiográficos, na minha interpretação. Sempre com uma prosa muito fluída e elegante, permeada por diálogos bastante convincentes, ora irónicos, ora crus, César Augusto de Carvalho apresenta-nos cenários bem construídos onde o quotidiano se mistura com a fantasia, porque os polos do sonho e da realidade se tocam continuamente.
O meus contos favoritos são sem dúvida FLIPANDO EM PARATY, que abre o livro, e A AMEAÇA DE QUEM, não porque os outros não sejam inquestionavelmente envolventes, mas porque estes dois trabalham temas que me são especialmente caros como leitora: os relacionamentos, a decadência, o génio criativo, a cultura empresarial, as cedências em nome do coletivo e a sedução encantatória básica e carnal, que não encontra qualquer explicação racional. A AMEAÇA DE QUEM convoca ainda ambientes policiais, o insólito e a atmosfera asfixiante que envolve o escritor, trazendo as suas personagens para o quotidiano, ameaçadoras, incoerentes, inesperadas e insistentes, e fazendo bascular a paz criativa para o inferno descontrolado em que o escritor se torna refém dos seus escritos. FLIPANDO EM PARATY traz-me ainda parágrafos inteiros de fina ironia e o fascínio que exercem sobre nós as novas palavras com as quais temos de conviver em pacífica rebeldia.
De resto, personagens, situações, locais e diálogos marcantes, não faltam nestas páginas: o escritor-cronista, decadente e desencantado – que me traz à memória outra soturna figura, também escritor, o docente autodestrutivo e alcoólico de EL ÚLTIMO LOBO (de László Krasznahorkai) – e a indizível Tigresa, mulher-vulto envolta em mistério, de FLIPANDO EM PARATY, tanto como o próprio ambiente da cidade durante o festival literário; o temerário e obcecado antropólogo Tiago Fontes, o velho padre de RITUAL e o “vilarejo no alto de uma montanha, nas cordilheiras dos Cárpatos”; a tentadora mulher de branco de O BEIJO e o próprio culminar da narrativa…; assim como os diálogos e o ritmo cinematográfico de FOLHETIM ou a intriga policial de NO UMBIGO DO SONHO.
Algumas passagens, pela sua intensidade, nitidez ou fluidez, colam-se ao leitor e permanecem dias a fio na memória. São imagens potentes cheias de sombras, humidade, ruídos e brilhos:
“(…) Com essas lembranças reavivadas, Genésio terminou o cigarro, levantou-se e apoiou-se no parapeito. Ouviu gritos que vinham da casa do vizinho. Chamaria a mulher para ouvir a briga, não estivesse ela tão ressentida. Continuou no parapeito, em silêncio. Viu o suposto traficante obrigar a mulher a entrar no carro, viu o carro sair da garagem, passar em frente a seu prédio e, ao fazer a curva, uma luz piscar no seu interior seguido de um estampido.(…)”
P.162 (FOLHETIM)
César Augusto de Carvalho confirma-se como um fascinante e original contista, totalmente desprendido de modas efémeras, cujas narrativas, neste livro, sobressaem sobretudo pelo caráter inesperado e pelo encadeamento sólido das palavras e dos parágrafos, dos momentos e dos movimentos, com inúmeras ramificações e perspetivas, de forma que nada sobre nem falte, sem bolhas de ar nem tempos mortos, como um guião de cinema de uma série de ação, mistério ou policial.
[1] Biografia do autor: “Sociólogo e historiador, o escritor e poeta Cesar Augusto de Carvalho publicou seus livros de poemas Proesia, lançado em 2014, edição independente, e Lavras ao Vento, pá, em 2017, pela Editora Benfazeja. Em 2008 lançou, pela editora Unesp, Viagem ao Mundo Alternativo: a Contracultura nos Anos 80, um relato de viagem ao mundo das comunidades alternativas.
De 2010 a 2014 roteirizou e dirigiu o programa Estação Raul, veiculado pela rádio UEL FM 107,9 de Londrina, PR, dedicado à vida e obra de Raul Seixas, dando origem ao seu livro Toca Raul e ao CD Conversas na Estação, novela ficcional, cuja história de amor é permeada pela temática raulseixista (…).”
Fonte: PATUÁ
Nota: confrontar também com a biografia do autor que consta da badana do livro.
[2] Veja também a resenha desta obra no blogue O Gazzeta: https://ogazzeta.blogspot.com/2023/07/curto-circuito-de-cesar-augusto-de.html?q=curto-circuito
[3] Veja também a resenha desta obra no blogue O Gazzeta: https://ogazzeta.blogspot.com/2024/02/lado-b-de-cesar-augusto-de-carvalho.html?q=curto-circuito
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