Por Raul Tartarotti
Por vezes a perseverança nos toma de assalto quando menos esperamos, e por conta de cada sombra que cruza nas esquinas, o que mais necessitamos, é um alento de alguém que nos ama, ou talvez muita garra em nossas mãos, como alguns fortes apaziguam em seus próprios ouvidos. Quem tem medo do enfrentamento fica a deriva, à frente dessa fila, dura e pedregosa, estão os altivos e preparados pelo tempo, por seus antepassados, mas também por suas escolhas a qualquer tom, escrevendo em suas mentes, batidas dores acumuladas, que se desmancham no empurrão diário.
Os filósofos dizem que pra conhecer um ser humano é preciso conhecer sua physis, reconhecer que elementos nele estão misturados, levando em conta as estações do ano, os ventos, onde vive e o que come. No Japão, além do início dos jogos olímpicos de Tóquio 2020, diariamente por trás da paciência resignada nos vagões lotados no metrô, há um conceito que move a décadas a sociedade japonesa, que a define como um povo diferenciado. Todo esforço daquela gente pra manter a ordem externa tem nome: “Gaman”. Resumidamente é a ideia em que os indivíduos devem exercitar a paciência e a perseverança, ao enfrentarem situações inesperadas ou difíceis, pelo bem do outro. Quantas vezes você se deparou com as dores do coletivo, e mudou de rumo pra carregar em seus ombros um peso que amassa o corpo alheio? David Slater, professor de antropologia e diretor do Instituto de Cultura Comparada da Universidade Sophia de Tóquio, descreve “Gaman” como a forma como os indivíduos desenvolvem dentro de si, a capacidade de perseverar e tolerar coisas inesperadas ou ruins, difíceis de superar.
É um gesto de transvaloração dos valores superiores da cultura, que dependem, em boa medida, da capacidade do tratamento e do alcance civilizatório de uma terapia dos afetos. O treinamento começa cedo, as crianças aprendem pelo exemplo dos pais, e desde o ensino fundamental, também têm contato com os conceitos de paciência e resiliência, que fazem parte do currículo escolar.
O “Gaman” tem origem nos ensinamentos budistas sobre perseverança. Foi aprimorado durante o boom econômico do pós-guerra no Japão, quando o trabalho passou a ser visto como elemento de construção da nação, significando sacrificar o tempo com a família por longas horas no escritório. Esse hábito, workaholic, nada saudável para uma existência com qualidade, quase desfaz a boa ideia de focar a vida na construção da família a partir do esforço e dedicação no convívio com os seus. O cerne dessa conduta está na fixação de quanto você vai contribuir e dedicar sua bela rotina tranquila, e seu tempo caro, em prol dos outros que te permeiam. Todo ritual inclui uma representação dos acontecimentos, bem como do processo a ser influenciado por essa magia, e a lei do retorno, está inclusa nesse processo, lá na frente você colherá o fruto da semente plantada e regada bem antes, quando ainda é possível respirar e caminhar sozinho.
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