HQ – Conan, o Bárbaro
“Conan, o Bárbaro”
Realmente, não tenho dados concretos para me apoiar, mas dando uma olhada nos títulos disponíveis no mercado – e partindo do princípio de que as editoras não multiplicam revistas de personagens deficitários – parece correto concluir que os maiores sucessos de quadrinhos no Brasil, hoje (excetuando-se os quadrinhos infantis) são Conan, seguido pelo Homem Aranha e pelos X-Men. Conan foi criado nos anos 30 pelo escritor texano Robert H. Howard, para o pulp Weird tales (algo como “histórias bizarras”). Weird tales foi uma revista única dentro do cenário pulp da época, onde a tendência em uma divisão acirrada em gêneros rígidos (haviam revistas de ficção científica, faroeste e mistério com temática e estilos muito bem definidos por editores quase onipotentes), exatamente por não professar nenhum tipo de ficção em especial. Publicando fantasia heróica, ficção científica e terror indiscriminadamente (ou mesmo histórias que assemelhavam recursos desses tres campos, como a obra de H.P. Lovecraft), Weird tales parecia aceitar tudo que fosse exagerado, bizarro, fora do comum. Howard publicou 18 aventuras e muitas outras, esboçadas ou completas, foram e vêm sendo encontradas pelos executores de seu espólio. As aventuras de Conan e a própria ação do universo onde suas peripécias ocorrem – a Era Hiboriana – demonstram que Howard era um homem de grande cultura e profundo conhecedor de geografia, além das histórias, religiões, mitologias e literaturas dos povos primitivos da Europa. Asia e norte da Africa.
“Ciméria,terra de trevas e noite eterna”
Uma das citações favoritas do bárbaro – “Cimeria, terra de trevas e noite eterna” – é na verdade, o resumo de um trecho da Odisséia, de Homero. De fato, as principais características da Ciméria criada pelo autor americano parecem ter sido plasmadas a partir de uma breve referência feita pelo herói grego Ulisses, que diz ter passado por um lugar “onde estão situadas a região e a cidade dos cimérios, que a bruma e as nuvens encobrem, sem que jamais o sol, em sua fulgurante carreira, os visite com seus raios, nem quando avança para o céu constelado, nem quando baixa de novo a terra; uma noite maldita estende-se sobre esses miseráveis mortais.”Além do poeta grego, tudo indica que Howard era um leitor ávido do Velho Testamento e um homem com grande compreensão da mente pagã: a Era Hiboriana é um mundo radicalmente dividido entre povo, religiões e raças, um lugar onde os filhos da tribo vizinha dificilmente mereceriam o status de seres humanos. Essa é uma situação que parece bem de acordo com as ideias dominantes na Europa antes que o conceito cristão de que “somos todos filhos do mesmo Deus” emergisse – conceito, diga-se de passagem, muito mais citado, que praticado, mesmo hoje em dia. Boa parte do racismo que, ás vezes, parece inerente ao “gigante bárbaro do norte”, vem exatamente dessa ambientação ideológica que constitui um dos traços mais marcantes do “realismo” épico de Conan, e que pouco tem em comum com os heróis puros e idealizados da fantasia medieval, por exemplo.
As aventuras de Conan
As aventuras de Conan ainda são literatura popular, isto é, histórias baseadas numa fórmula batida (herói enfrenta vilão, salva garota seminua, mata monstro) com desfecho previsível. conteúdo escapista e sem pretensões literárias. Mas, até aí, as telenovelas, que na boa parte da mídia vem tratando como “obras de arte”, também são assim. Agora, por que Conan ainda faz sucesso? Tentando descobrir isso, o falecido escritor de ficção científica Isaac Asimov disse algo como: ”Quem nunca sonhou em manusear uma espada de vinte kilos, como se fosse uma pluma, uma garota escultural nos braços, pronto para destroçar todas as ameaças e dificuldades?” Ele via Conan como o arquetipo de herói anti-intelectual por excelência, o tipo ignorante, por falta de neurônios, recorre aos músculos. Seguindo essa linha de raciocínio, haveria dentro de cada um de nós, um resquício de medo e desconfiança em relação à tecnologia e à vida civilizada – todos nós sentimos ameaçados pelo mundo cada vez mais sutil e de difícil compreensão que nos cerca, e pouco confortáveis com as restrições que a civilização impôs a nossos comportamentos. Daí nossos desejos inconscientes de vingança, seriam satisfeitos graças a leitura dos feitos de Conan. Já outro escritor, L.Sprague De Camp, grande amigo de Isaac Asimov, e um dos maiores apóstolos do trabalho de Bob Howard, tinha uma visão um pouco mais benévola do mesmo fenômeno. Dizia De Camp: “dentre todos os gêneros de ficção, o que oferece o mais puro entretenimento é a fantasia heróica, o conto de feitiçaria e espadachins, situado num mundo fictício – seja este nosso planeta num passado remoto, no futuro distante ou em outro mundo, outra dimensão – onde a magia funciona e todos os preconceitos – e, no caso dos quadrinhos com um bom argumento.
Jorge Hata
HISTORIADOR E COLUNISTA na HATA QUADRINHOS
https://www.linkedin.com/pulse/conan-o-b%C3%A1rbaro-parte-i-de-iii-remember-jorge-hata-/
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