Ingênuo

Por Milton T. Mendonça

Era tempo de mudança, sua vida caminhava por veredas desconhecidas e perigosas, não era prudente continuar daquela maneira. Lá fora, o mar agitado trazia lembranças de dias melhores, mas o sacolejar do barco não deixava que se aventurasse em recordações, o obrigando a ficar atento para não perder o equilíbrio. Postado ao lado da cabine observava o piloto manejar o leme com destreza fugindo dos recifes, antes de adentrar ao porto da ilha, àquela hora, adormecida.

O barco se encostou suavemente ao madeirame e Osório pulou a amurada amarrando firme o casco incrustado de craca, permitindo que os passageiros desembarcassem em segurança. Agradeceu o comandante com palavras grosseiras de marinheiro experiente, que espiou pela janela da cabine, retribuindo com uma gargalhada sonora. Despediu-se subindo as escadas e caminhou pela rua de pedra se dirigindo ao pequeno hotel na entrada da cidade.

O quarto no segundo andar com a janela voltada para o continente o manteve em pé, absorto, observando as luzes atravessarem o canal salpicando a água com cores tristes. Lembrou-se de sua solidão.

Respirou fundo saindo do torpor e jogou sua bagagem em cima da cama. Abriu o alforje e derramou seu conteúdo com cuidado, descobrindo uma centena de moedas de ouro, algumas pedras preciosa e um retrato. Pegou o retrato e o levou próximo à lâmpada. Observou a morena de longos cabelos encaracolados que dançava com um jovem soldado no ritmo da orquestra, ao fundo. Ela sorria como criança mostrando os belos dentes enquanto o rapaz mirava seu colo audaciosamente. Os olhos de ambos brilhavam de paixão.

O sol se esparramou no quarto, na manhã seguinte, fazendo o rapaz pular da cama cheio de energia. Pouco tempo depois circulava pelas ruas estreitas com a fotografia, em busca da linda mulher. No almoço já havia percorrido a cidade toda e nada encontrara. Alugou um cavalo e partiu confiante pela única estrada existente, cavalgando ligeiro os dez quilômetros que o separava do povoado mais próximo. Entrou na praça apeou da montaria a amarrando junto ao bebedouro. Perambulou pela aldeia em busca de alguém que a conhecesse.

Ao virar uma das inúmeras ruas do vilarejo, se deparou com a vendedora e sua banca de frutas e legumes, estacionada na calçada. Parou desanimado e mostrou pela milésima vez o que levava na mão. A moça desconfiada, a princípio, foi finalmente seduzida pelo seu desespero, indicando onde encontrá-la: um pequeno sítio as margens do maior lago da ilha, ao norte, antes do penhasco que o separava do mar.

Àquela noite dormira no barracão do ferreiro e na manhã seguinte partira ao raiar do dia, ansioso por encontrar a mulher que traria um significado à sua vida. Forçara o animal na estrada precária, subindo a galope a serra que separava as duas metades da ilha. Chegou ao cume e olhou ao longe, enxergando o enorme lago, que bloqueado pela imensa pedra escarpada, criava condição para sua existência, deixando de se perder no mar.
Esporeou o quadrúpede descendo em disparada até alcançar a planície, encontrando alguns lavradores que, encurvados, trabalhavam a terra. Ao vê-los parou e perguntou ao mais próximo:
– Bom dia, sabe onde posso encontrar essa senhora? – mostrou o retrato que foi passado de mão em mão.
O silêncio hostil cruzou o ar como uma descarga elétrica, ele arrumou as pistolas na cintura mostrando uma tranqüilidade que não sentia, as deixando ver, por todos.
– O que o senhor deseja com ela? – alguém perguntou.
– Trago uma notícia de morte.
– Siga em frente, é a entrada com um arco de bromélias.

Despediu-se forçando o galope, se distanciando dos homens. Depois de alguns minutos de cavalgada encontrou a entrada e chamou alto:
– Ô de casa!
A porta se abriu e ela surgiu diante dos seus olhos. Seu coração saltou quase o derrubando, sentiu empalidecer.
– Pois não? – perguntou.
– Procuro a moça desta fotografia – respondeu a entregando, tentando manter o sangue frio.
– Sim, sou eu! – exclamou espantada – o que deseja?
– Venho da parte de seu noivo.
– Lourenço?! Aconteceu alguma coisa com ele? – as lágrimas surgiram incontroláveis enquanto suas mãos se contorciam aflitas.

Impressionado com o sofrimento que testemunhava, sua memória voltou no tempo, o fazendo recordar do soldado que encontrara na noite da bebedeira e do convite – “um assalto”- dissera. O motivo: a noiva!

Mostrara-lhe sua fotografia: apaixonara-se a primeira vista.

Passaram a noite conversando sobre ela e o que pretendia fazer na ilha, com o dinheiro roubado.

O plano era bom, ficaram de tocaia e quando os soldados chegaram trazendo o tesouro capturado em campanha, que seria levado para a capital para financiar novas guerras, eles os surpreenderam. Viu quando o último homem, que estava a um passo a frente, apontou sua arma para as costas de Lourenço. Poderia tê-lo salvo, mas esperou os dois tiros certeiros serem disparados antes de derruba-lo com a baioneta.

Desceu do cavalo e se ajoelhou aos pés de Josephine:
– Infelizmente, senhora, ele está morto. Mas quero que saiba que estou aqui para protegê-la e amá-la como ele o faria. Foi meu amigo e sua memória me é muito cara. Juntos o celebraremos para sempre. Levantou-se, passou o braço sobre seus ombros e a levou para dentro, fechando a porta atras de si.

12-02-2017

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