Há mais de ano são os dois, pai e mãe, na inexistência. Amalgamados, de frente para a serra, jazendo ou sendo luz lá do outro lado.
Os livros do pai poeta. Tá lá meu velho, de certa forma, insepulto no porta-malas do carro. Cada filho ficou com um tanto de livros dele, para doar a quem merecesse. Ou guardar, havendo espaço.
Meu Fiat preto virou carro fúnebre. Eu pra baixo e pra cima, levando meu pai para passear depois de morto. Tem meses os livros comigo, falta coragem para me desfazer. Doando, estaria abdicando do meu pai.
Dizia sempre o velho, antes da gente ir pra estrada: passe de 80 não. Melhor chegar dez minutos mais tarde, mas chegar. Deu sono, para num posto, toma um café, masca chiclete com vidro aberto.
Meu pai, monólito humano. Mastro de festa da roça, olha que linda essa borrada polaroid de idos tempos. Ser junino, São João, Seu João. Meu pai, você não existe. E não é porque morreu. Mesmo que pra nunca mais, João permanece insepulto. Como seus livros no porta-malas do meu carro.
Esta é uma obra de ficção
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