Júlia e Sophia
Adriana da Costa Teles
Apanhou a pasta azul. Os trabalhos, no geral, vinham apenas grampeados ou presos por um clipe. Aquele não. Justamente por ser diferente, havia ficado na base da pilha. É que o papelão ajudava a dar sustentação na hora de carregá-la. E isso significava que era o último. Finalmente vislumbrava o fim. Gostava de dar aulas, mas tinha que admitir: a correção das provas e dos trabalhos era maçante. Abriu a pasta. Vamos lá: o último! Viu que o trabalho vinha acompanhado de uma carta…
Caro professor,
A proposta (eu sei) era a de escrever um trabalho dissertativo. Quero que saiba que tentei. Tentei de verdade. Talvez por me sentir pressionada pelo tempo, não consegui. Sabe quando a gente fica olhando para a tela do computador e… nada?! Foi assim. Durante dias. Eu me sentia cheia de ideias. E elas ficavam feito loucas para lá e para cá dentro da minha cabeça, sem encontrar meios de se organizarem em algo que tivesse algum sentido. Aconteceu, no entanto, que me deparei com uma série no youtube que falava sobre sítios arqueológicos. Um dos episódios era sobre Jerash. O senhor conhece? Fica na Jordânia… Não é distante de Jerusalém. Jesus teria feito um de seus milagres lá… E aí eu fiquei pensando no tema do trabalho. Na poesia e no teatro antigos, que eu acho maravilhosos. O senhor bem sabe! E também em algumas leituras que tenho feito para as outras disciplinas. Sabe, professor, às vezes acho que a gente vive uma grande ficção, como os personagens criados pelos escritores. Não estamos mergulhados em narrativas coletivas as mais variadas, criadas em contextos históricos, culturais e sociais específicos? O senhor me entende? Me sinto, por vezes, um títere à mercê de condições exteriores a mim e que, de algum modo, me definem, sem que eu tenha qualquer controle sobre elas. É como se eu fosse uma personagem em um teatro gigantesco. E eu acho que a ficção me ajuda nesse processo de elaboração contínua do qual não consigo escapar… Bom… Aí nasceu o texto que vem a seguir. Eu realmente espero que o senhor considere. Não quero fazer o papel de repetente em sua disciplina no semestre que vem… Hahahaha… Obrigada!
***
Júlia e Sophia brincavam de se esconder atrás dos pilares muito altos de pedra clara. Estavam nas redondezas do Teatro e riam felizes e displicentes. Sem encenações. O sol quente, o calor escaldante do deserto, as túnicas soltas, o ar correndo entre elas e os seus corpos, a risada fácil. Pararam quando ouviram o barulho das carruagens se aproximando. Era o som ritmado das patas fortes e cheias de vigor dos cavalos, que, contra o caminho pavimentado por pedras, faziam um barulho perturbador. Elas não faziam ideia, mas aquele impacto contínuo imprimiria marcas na superfície que atravessariam séculos. Afastaram-se, colocando-se rentes aos pilares, agora sem risadas, apenas os resquícios da diversão ainda marcavam suas faces. Esperaram que os homens se fossem, o barulho inundando os seus ouvidos, fazendo-as esquecerem da brincadeira que as animava tanto instantes antes. Iam buscar água e deveriam retornar logo para casa. Caminharam resolutas ao destino para o qual haviam sido enviadas. Sem a água não poderiam cozinhar. E se demorassem, atrasariam o trabalho no tear. Iam de mãos dadas, na plenitude de seus doze anos. Caminhavam lentamente para gozar daquele momento de liberdade sob o sol e tiveram, então, a ideia de um ato ousado, que seria, mais tarde, repetido muitas e muitas vezes:
“Por que a gente não aproveita a noite de lua cheia e vai até o Templo de Zeus?” Perguntou Sophia à amiga. “A gente vai conseguir ver a cidade toda!”
“A gente podia ir bem tarde da noite! Você consegue ficar acordada?”
“Claro que sim! A ideia foi minha, lembra? A gente vai ter que sair depois que todo mundo dormir… e sem fazer barulho…”
Mal conseguiram recolher a água tamanha a excitação com os planos para a noite. Voltaram conversando baixo para não chamar a atenção e disfarçaram o entusiasmo quando passaram por grupos de mercadores nas proximidades do Fórum. Caminhavam pela avenida principal, no sentido oposto a ele. Quando chegaram ao seu final, decidiram que era lá onde iriam se encontrar, assim que a lua estivesse alta e todos da casa estivessem dormindo.
“Quem chegar primeiro espera perto dessa pedra” Disse Sophia apontando para o local a que se referia, ao mesmo tempo em que duas carruagens barulhentas passavam por lá.
“O quê?” Perguntou Júlia.
“Aqui” Apontou Sophia. “Quando a lua estiver alta!”
Naquele dia, o trabalho das meninas não rendeu como sempre. A sensação de fazer algo tão diferente e às escondidas as invadia com um constante frio na barriga, uma excitação que praticamente as impediu de comerem. Era um sentimento em comum, muito embora cada uma estivesse na sua casa, atentas, na medida do possível, às ordens de suas senhoras. À noite, Júlia chegou antes de Sophia e temeu, por instantes, que a amiga tivesse dormido e não apareceria. Decidiu, quase que sem se dar conta, que iria sozinha ao Templo, apreciaria a vista e lhe contaria histórias maravilhosas e exageradas, que a fariam morrer de raiva e inveja. Mas o seu coração se encheu de uma alegria calorosa quando viu Sophia surgir cautelosa sob o luar. Caminharam de mãos dadas, uma apertando forte a mão da outra. Iam com cuidado, numa mistura de emoções que tornava o sentimento que traziam consigo em algo completamente desconhecido, num imiscuir de excitação, gozo e pânico. A caminhada não era longa, apesar da sensação de aventura ser eterna. Passaram pela praça onde ficava o Fórum. Júlia parou bem no centro, fingindo ser um mercador de tecidos – daqueles que ela ajudava a tecer – e, com gestos semelhantes aos que via quando passava por lá, ofereceu a mercadoria a Sophia, que, num gesto apressado e quase impaciente, lhe disse que era muito caro e veria tudo na volta. Subiram as escadas rumo ao Templo atentas às pedras. A noite clara não era, afinal, tão iluminada assim e era necessário ter cautela. Já pensou se elas se machucassem lá? Como explicariam o ocorrido? Chegaram ao topo que, afinal, não era tão íngreme assim e sentaram-se numa pedra grande de onde poderiam apreciar o Fórum, a praça e a rua principal. Ficaram por alguns instantes caladas, olhando o entorno, reconhecendo alguns lugares, imaginando outros. As mãos ainda unidas. E agora que estavam lá, o que fariam? A sensação de liberdade era quase sufocante. Não havia ninguém para lhes dizer o que fazer ou para onde ir. Além do mais, a sensação nunca experimentada era assustadoramente boa e estranhamente amedrontadora. Tanto que não suportaram ficar ali mais do que dez minutos. Foi quando Júlia disse para a amiga:
“Vamos ao Teatro?!”
O esforço físico e a continuidade da aventura eram maneiras de lidar com toda aquela energia. Nenhuma das duas pensou nisso, mas é possível que intuitivamente tenham sentido algo assim, pois Sophia concordou de imediato:
“Vamos!” Disse, já de pé.
Desceram do Templo mais entusiasmadas do que quando subiram. O Teatro ficava a alguns minutos de caminhada dali. Os passos apressados sob o luar, o vento agora fresco, as túnicas se enroscando em suas pernas, a vegetação rasteira pisoteada por pés rusticamente calçados. Flores sonolentas eram inconscientemente massacradas… Tudo assim, rápido, na semiescuridão, mais sentido do que pensado. Entraram no Teatro com a mesma veneração com que o fizeram no Templo e foram direto para o palco. Foi Júlia quem primeiro chegou lá. A amiga quase junto. Aquele era também um espaço sagrado para elas, mas muito, muito distante de seus cotidianos. No entanto, elas eram as protagonistas da noite. Deram-se as mãos e rodaram felizes… Quando pararam, Júlia recitou uma poesia, que dava conta dos feitos de um rei distante que não queria morrer nunca. A história não estava completa e talvez fosse a mistura de duas ou mais narrativas, mas era o que a emoção lhe ditava para a boca, naquela noite clara e estrelada. Riam felizes em meio a gestos rusticamente poéticos, quando ouviram passos. Os risos soltos se transformaram em caretas de pânico e as mãos, que antes se uniam com amizade e ternura, uniram-se, agora, no nervosismo e no desespero. E se fossem pegas ali? Certamente seriam castigadas. Perderiam a confiança das senhoras, a qual elas inocentemente transgrediam. Olharam-se muito assustadas, instantaneamente arrependidas da ideia maluca que haviam tido. Foi Sophia quem puxou a amiga para o lado contrário daquele de onde vinham as vozes masculinas. Deviam ser os guardas… Esconderam-se atrás de uma pedra. Chegaram a fechar os olhos, como se de olhos fechados fosse mais difícil serem vistas. Ficaram ali, as mãos dadas, suando nervosamente, os olhos fechados, a respiração presa. Perceberam que dois rapazes chegaram, deram uma olhada e logo se foram. Quando perceberam que estavam sozinhas, suspiraram aliviadas e sorriram cúmplices. Saíram do esconderijo e foram, atrizes daquele mundo, em direção ao palco, onde se abraçaram muito forte e se beijaram docemente sob o luar daquela noite perdida para todo o sempre no teatro da existência.
***
Ela estava deitada no chão duro de pedra, os olhos voltados para o céu, sob o clima fresco daquela noite de verão do deserto. A lua cheia – satélite – iluminava o Teatro. Fechou os olhos quando percebeu a cabeça de Benjamim se aproximando e recebeu o beijo suave. Quando ele se afastou, ela, inspirada por Safo, com voz serena pronunciou:
em torno a Selene esplêndida
os astros
recolhem sua forma lúcida
quando plena ela mais resplende
alta
argêntea
“Você é a minha Selene?” Ele perguntou apaixonado, assim que ela terminou. Viu um sorriso em seus lábios, que era sim e não…
Fazia dois dias que os trabalhos haviam sido retomados. Eles estavam no país há três. Tinham ido direto de Amã para as escavações. Era bom estar de volta. As férias tinham sido merecidas. O trabalho ali era duro e exigia cuidado e atenção. Era exaustivo e para apaixonados. E ela era uma. Mas passar algum tempo longe era revigorante e necessário. Não era só o descanso. Era o contraste, que torna a experiência ainda mais interessante e curiosa. Gostava da universidade, de seus amigos e de seu país. Por outro lado, apaixonara-se pelo Oriente, que oferecia uma vivência cultural e estética muito diferente da sua. Mas era na poeira e sob o sol do deserto, com as mãos sujas da areia branca, o suor escorrendo pelas costas, que ela se sentia mais feliz.
Sentira saudades de tudo aquilo. E principalmente do Teatro. Era o seu lugar favorito em Jerash. Visitava o lugar quase todos os dias, gostava de imaginar a movimentação que o animava muitos séculos atrás, antes ainda de Cristo. Pessoas indo e vindo, atores, músicos e gladiadores dividindo espaço na sua imaginação. Por mais que os estudos mostrassem o tipo de roupa, de música, poesia e os espetáculos violentos que ocorreram ali, tudo não passava de narrativa, cuja substância estava completamente perdida no tempo, assim como a sua própria experiência naquele lugar, que se esvaía transformando-se em memória a cada instante e seria nada no futuro, quando já não estivesse neste mundo.
As marcas que carruagens romanas haviam deixado na avenida principal da cidade lhe eram especialmente significativas. Gostava de tocá-las, acariciá-las… Elas eram a presença daquela ausência, e quando as observava era como se apreciasse sua própria extinção… Não era um sentimento melancólico. Era o que era. O Teatro, por outro lado, tinha apenas desgastes naturais. Era somente espaço vazio. Por vezes, imaginava cenas de filme ou desenho animado em que o personagem, admirando algum lugar do passado, de repente viajava pelo tempo e, sem mais nem menos, o mundo era outro. Pena que isso não fosse possível… Adoraria vazar os séculos.
Mas havia, sim, um ingrediente a mais na sua relação com aquele lugar. Uma questão afetiva. Quando ela era adolescente queria ser atriz (como boa parte das meninas, aliás…) e o Teatro lhe trazia essas recordações, ditadas à memória à luz de outro fragmento de Safo:
− Adolescência, adolescência,
Você se vai, aonde vai?
− Não volto mais para você,
Para você volto mais não.
Achava, hoje, que o que a interessava, no ido de seus doze ou treze anos, era a História que estava por trás de cada personagem. Talvez o seu encantamento com a profissão que exercia e o desejo adolescente se encontrassem aí. Não somos, afinal, personagens no teatro do mundo? Viver não seria assumir vários possíveis papéis nesse palco? Não somos, então, todos inventados? Energia e átomos em movimento organizados do nada e moldados sob uma determinada lógica sociocultural e histórica? Figuras multifacetadas, cujas arestas são aparadas constantemente por encontros dos quais muitas vezes nem nos damos conta?
“Sabe que eu fiquei pensando na pedra que encontrei hoje à tarde?” Disse a Benjamim, interrompendo de súbito o fluxo dos próprios pensamentos. “É instigante, não?”
Ela tinha encontrado uma peça interessante naquele dia. Jerash havia ficado sob a areia por séculos e fornecia material arqueológico em excelente condição de conservação, intocado por centenas de anos. As escavações mostravam que o lugar já era habitado no ano 3000 a.C., mas aquelas ruínas, que constavam na Bíblia e foram descritas mais tarde pelos cruzados, foram gradativamente abandonadas e encobertas pelas areias de tempestades e terremotos e redescobertas apenas no início do século XX por um explorador alemão. O que havia chamado a sua atenção, naquele dia, era o nome grafado na peça que encontrara. Alguém, muitos séculos atrás, quiçá antes da passagem de Jesus por aquela região, havia deixado uma marca lá. Benjamim trabalhava, então, ao seu lado.
“O que você encontrou?” Ele lhe perguntou, quando a viu às voltas com um material novo.
“Um recado…” Disse olhando-o com um sorriso malicioso nos lábios, como se tivesse em mãos o galanteio de um velho admirador.
Ele se aproximou e pegou a pedra de suas mãos.
“Sophia” Ele disse. “Está escrito Sophia” Declarou examinando a peça com uma devoção que nem todos compreenderiam.
Quem teria sido aquela mulher que deixara – ou tivera – o seu nome gravado em uma pedra? Uma princesa? A filha de um grande mercador de tecidos? Uma atriz? Uma meretriz? Os ossos dessa mulher deviam estar em algum lugar próximo… parte de sua herança ao mundo. Mas isso tinha pouca importância, pois essa antiga atriz dos palcos de Jerash, que morrera jovem ou anciã, cheia de paixões e descontentamentos, compunha, agora, um levantamento. Os versos de Safo, ainda presentes em sua mente: − Adolescência, adolescência, / Você se vai, aonde vai? / − Não volto mais para você…
Perdia-se, mais uma vez, em seus pensamentos, quando ouviu a voz de Benjamim, que sussurrava próximo ao seu ouvido:
“Selene… desça dos céus com a sua carruagem….”
Virou-se sorridente e, quando iam se beijar novamente, ela ouviu um barulho que fez com que se sentasse de súbito.
“Escutou?”
“Não…”
Ela olhou para o lado à espera de que algo ou alguém surgisse de onde vinha o barulho.
Nada.
A expressão interrogativa de Benjamim fixa em seu rosto, os ouvidos atentos voltados à escuridão.
A noite era clara, mas era noite, e nenhum dos dois conseguiu identificar qualquer coisa de diferente no escuro. Pareciam ter à sua frente um buraco negro, pronto para atraí-los de maneira impiedosa. Esperaram alguns segundos e se convenceram de que algum bicho havia passado por lá e se fora. Quando já esqueciam o ocorrido, ela deitada no colo dele, que acariciava os seus cabelos, ouviu outro ruído, que julgou ser mais alto e próximo.
“Dessa vez você ouviu…!?” Disse sentando-se novamente.
Benjamim concordou com a cabeça, mais para não contrariá-la. Achava que poderia ter ouvido algo, mas não tinha certeza. Levantou-se quando a viu de pé caminhando em direção ao escuro. Os passos cautelosos. Certo receio de trombar em alguém ou alguma coisa. Andaram por alguns instantes no completo escuro. O caminho que faziam não parecia conhecido, apesar de transitarem pelo espaço do Teatro com muita frequência. É possível que as férias os tivessem desabituado dos detalhes de sua arquitetura. Dentro de poucos segundos eles passaram por algo que parecia um corredor e imediatamente avistaram o outro ambiente, iluminado também pela lua. Vozes fizeram com que acautelassem os passos. Não era prudente que assustassem alguém ou fossem surpreendidos por algum fato desagradável. E se um crime estivesse ocorrendo ali?
“Shhh…” Ela disse voltando-se para Benjamim, que vinha logo atrás, sem conseguir distinguir os traços de seu rosto. O espírito de aventura no controle das emoções. Com um acordo mudo, eles sabiam que se fossem surpreendidos dariam meia-volta e correriam em direção ao palco principal, de onde tinham saído. O que viu, então, intrigava pelo inusitado. Duas jovens com trajes de época aparentemente ensaiavam um texto poético em língua antiga, que não conseguiu identificar. Sim… O tradicional festival de cultura greco-romana em breve ocorreria na cidade. Era um acontecimento anual em que se celebravam os costumes e a cultura da cidade antiga. As jovens declamavam, então, um poema. Gestos, movimentos, roupa e linguagem em sintonia com os do passado. Ela olhava encantada para aquelas meninas, que deviam ter a sua idade quando queria ser atriz. Seguia embebida pela beleza do momento, quando…
“O que fazem aqui?”
Surpreendida, assim, bruscamente, ela achou que iria enfartar. Esperava qualquer coisa, menos ser interrogada de maneira abrupta, naquele momento. O susto foi tanto que ela levou a mão ao peito e puxou a respiração, certa de que poderia morrer naquele instante.
“Eu ouvi um barulho… estava ali… e achei lindo… eu queria ser atriz quando era uma jovenzinha igual a você… e…”
“Venha…” Ela ouviu, ao perceber a mão da garota estendida até ela.
Sem poder evitar, saiu de seu esconderijo, que não era assim tão escondido como havia imaginado, e foi, guiada por aquela mão estranha, até às duas jovens que estavam no palco. No céu, o satélite brilhava mais do nunca.
“Por que você desistiu de ser atriz?”
“Não sei… Sabe que eu me perguntava isso agora há pouco?”
“Se arrepende?”
“Não. Com certeza não. Escavar é a minha paixão. É o que me faz sentir viva e parte desse todo” Disse erguendo os braços. “Sou uma personagem inventada pela História que ajudo a resgatar” Disse sorrindo. “Além do que, o sítio arqueológico é o meu palco. Costumo dizer que sou filha de todos aqueles que viveram sob o sol e o satélite” Ela disse apontando para a lua.
“Satélite?” Perguntou uma das jovens sorrindo desentendida.
“Sim…”
“Tem alguém vindo!” Disse Benjamim puxando-a pela mão e interrompendo bruscamente aquela conversa inusitada. “Vamos!”
Eles voltaram rapidamente pelo caminho de onde tinham vindo. Perto da saída, deram com um dos guardas, que pareceu não gostar de vê-los ali. Foram direto para o hotel, onde celebraram a vida em perfeita e completa união. O satélite – alto – brilhando no céu como nunca, Safo dessa vez murmurando em seus ouvidos:
Cai a lua, caem as plêiades e
É meia-noite, o tempo passa e
Eu só, aqui deitada, desejante.
Dormiu um sono profundo. Sonhou com o sítio arqueológico. Acariciava as marcas deixadas pelas carruagens na avenida principal da cidade. Cheia de admiração. Atriz. No palco perene do Tudo.
***
Tirou os óculos. Esfregou os olhos cansados, porém surpresos com a leitura inusitada. Resolveu ir para a cama. Deixou os trabalhos sobre a mesa – o último, sem qualquer nota, ficou aberto com a caneta vermelha em cima. À noite, ele olharia pela janela de seu quarto, no apartamento de um bairro movimentado da cidade, e, vislumbrando a lua e o brilho das estrelas, que traziam o resplendor de milhares de anos atrás, se lembraria de Selene e dos versos de Safo. Aprovou a aluna.
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