Lançamento do Livro “Palavrório” de Carlos Castelo
Carlos Castelo, colunista do Entrementes está lançando seu novo livro
Sobre este livro
“Carlos Castelo foi um dos integrantes da banda Língua de Trapo, compositor de várias canções, entre elas, “Como é bom ser punk”, que emulava algo como um canto gregoriano mas com letra que, entre outras coisas, dizia: “Como é bom ser punk/A mãe degolar/E a vovozinha/No varal pendurar”; e que terminava assim: “Só uma coisa me dói/É esperar o apocalipse/Tendo que ser office boy”. O ano era 1985 e, apesar de estarmos nos estertores da ditadura civil-militar, a música, ao lado de outras da banda, foi censurada. O caráter subversivo das canções do grupo, mais do que vir de um posicionamento de denúncia, vinha de um humor paródico que não perdoava nenhum gênero musical, nem perdoava o que esses gêneros representavam, profanando assim uma ideia de acervo. O que por certo incomoda muito os discursos de poder, porque tais discursos não admitem que as coisas mudem de lugar, ainda mais as coisas que os representam e, portanto, os sustentam. Essa longa introdução para dizer que este formidável Palavrório, embora distinto no tom das canções do Língua de Trapo, traz também uma força que mobiliza um grande acervo, deslocando-o radicalmente por meio do humor corrosivo ou, antes, por meio da maquinaria da paródia. Isso torna mais vivo aquilo que chamamos de tradição, justamente por entrar em atrito com ela, friccioná-la até tirá-la do lugar, isto é, tirá-la do pedestal. Um rápido percurso por estas páginas já revela que Carlos Castelo aciona uma salutar máquina de ler e de deslocar com o riso. Na primeira sequência, o famoso poema de Gonçalves Dias joga futebol, ou melhor, o futebol joga com ele. Depois, a célebre frase de Adorno sobre o fim da poesia vai parar numa blitz policial. E só para ficar nas páginas iniciais, lá vai: Poe, Gregório de Matos, James Joyce, Chico Alvim, Augusto de Campos. Todos em uma conversa direta com Carlos. Literatura — modo de usá-la para si que o poeta divide conosco. Literatura — modo de rir e, sobretudo, modo de rir de si. Porque, apesar de Carlos rir desses autores com eles, o maior alvo do humor mordaz, aqui, é ele mesmo, isto é, a sua figura como poeta. Nesse sentido, é impagável a reescrita autoderrisória que o autor faz de outro Carlos: “Carlos Drummond? — o anjo indagou/Expliquei-lhe que era Castelo/O anjo saiu voando e aconselhando:/Vai, Carlos, ser qualquer coisa na vida/poeta já tem coisa melhor”. Como é bom rir de si e da poesia, mas sem perder a ternura”.
Leonardo Gandolfi
Dois poemas que fazem parte do livro de Carlos Castelo:
classe média
Os sapatos jogados ao lado do sofá
os pés descalços em cima da mesinha
a lata de cerveja na mão
o saco de salgadinhos aberto
as gérberas murchas no vaso
o abajur ligado
o remédio da pressão na mesa de cabeceira o carro novo na garagem
a mulher comendo pizza na cozinha
o filho no computador
o extrato do cartão de crédito
o controle remoto sobre a perna
o cachorro ladrando no quintal
a mancha de café no braço da poltrona
a mosca-varejeira
os créditos no final da novela
o apito do guarda noturno
o gato dormindo no kilim coreano
as bitucas enfileiradas no cinzeiro
os restos de frango em cima do fogão
o boleto da faculdade da filha
a camisa do cunhado jogada na poltrona
a Nossa Senhora de Montserrat no oratório
a Iemanjá, o São Jorge, o Divino Espírito Santo a afilhada em Porto Seguro no porta-retrato
o quadro do palhaço chorando
os duendes de Friburgo
o diploma de segundo grau na parede
o prefixo do telejornal da noite
o remédio para o colesterol na farmacinha
o merchandising do crédito consignado
as manchetes da noite
o carnê do plano de saúde no ímã da geladeira o editorial na voz do âncora
o comercial do creme dental antitártaro,
o comercial do supermercado
o comercial da agência de viagens
a cadeira de balanço que foi da avó
o terço benzido pelo bispo
o destaque do dia na capital federal
a notícia dos senadores votando
a vitória governista
a distribuição dos cargos
o bocejo
o cochilo
o sono
o fim
gregoriana
Que falta nesta nação?… noção
E pra repor prejuízos?… juízo
Melhor no lugar de excessos?… progresso
Chamemo-lo de abcesso De asqueroso para além O território que não tem Noção, juízo, progresso
Carlos, gostaria muito de estar presente no lançamento do seu livro, mas infelizmente não vai dar. Mas vou numa próxima. Desejo sucesso e alegria com o seu novo livro e depois conta tudo pra gente sobre o evento.
Grande abraço e muito sucesso…
Ótima leitura, vida longa !