Data de leitura: 12-06-2024 a 13-06-2024 Por Luísa FRESTA
Ficha de leitura
Título: LE NOËL DE YA FOUFOU[1] (O NATAL DE YA FOUFOU)
Autor: Patrick Serge Boutsindi[2]
Editora: L’Harmattan Jeunesse ©
Coleção/ Edição: –
Ano de publicação: 2024
Género literário: Literatura para a infância
Número de páginas: 59
Resumo:
Este é o terceiro[3] livro de Boutsindi sobre o qual escrevo algumas notas. O autor desdobra-se entre contos, novelas e romances, sem contar com as várias narrativas em intenção dos mais novos: a saga de Ya foufou. São pequenas histórias ilustradas muito divertidas, das quais já li pelo menos três, para além do livro sobre o qual incide a resenha de hoje: Les gris-gris de Ya foufou (Os talismãs de Ya foufou), ilustrado por Maria-Josée Gall, L’école de Ya foufou (A escola de Ya foufou), ilustrado por Sue Levy, tal como Le Noël de Ya foufou, e La Fête de Ya foufou (A festa de Ya foufou), ilustrado por Sylvia Chieu.
Todos estes livros foram cedidos pelo autor ao projeto Escola Fechada/ Mente Aberta, um espaço virtual criado em 2020 com o objetivo de dar a conhecer livros para crianças e jovens no espaço lusófono e francófono e de aproximar escritores e ilustradores dos potenciais pequenos leitores e famílias. Conheci o autor no âmbito deste projeto, do qual ele tem sido um entusiasta colaborador desde o início, disponibilizando várias narrativas.
Até onde sei, nenhuma das obras da série Ya foufou está ainda publicada em língua portuguesa, mas seria interessante tê-las na nossa língua pelo seu interesse didático, por veicularem valores éticos e trazerem apontamentos da história, da geografia e dos costumes da R.D.C., a crianças de outros países. Para além de serem mesmo muito engraçadas e terem belas ilustrações, muito apropriadas. A série, publicada pela l’Harmattan Jeunesse, conta ainda com outros livrinhos, que nos falta descobrir: La Boutique de Ya foufou, La cuisine de Ya foufou, Le baptême de Ya foufou, Le mariage de Ya foufou e Le voyage de Ya foufou. Se as minhas contas estão certas, serão, portanto, nove histórias, fonte de entretenimento e de aprendizagem, que podem ajudar as famílias e os educadores a abordarem temas relacionados com as fábulas: a astúcia, a ingenuidade, a importância do trabalho e da união, os laços de família, o valor da amizade, a vida comunitária ou o respeito pelas tradições, por exemplo. Tal como estão publicados, penso que seriam adequados ao ensino da língua francesa a crianças (como língua estrangeira).
Em todos estes livrinhos há uma indicação sobre a faixa etária a que se destinam (a partir de 6, 8 ou 10 anos). Mas creio que é uma idade indicativa, pois nem o autor nem o seu editor conseguiriam erigir barreiras rígidas à curiosidade dos pequenos ou grandes leitores, desejosos de descobrirem as novas aventuras de Ya foufou, personagem que vão conhecendo um pouco mais em cada narrativa.
Os livros de Ya foufou começam com uma apresentação do protagonista, uma referência à língua lari, a enumeração das personagens mais importantes (os seus amigos) e a descrição da floresta à volta da aldeia onde vive. O lari (ou ladi) é uma língua falada sobretudo pela etnia lari (laari, baladi ou laadi).[4] Em quase todas as obras de Boutsindi existem expressões e termos que supomos estarem grafados nesta língua ou noutras línguas bantu faladas na região, como o lingala. O lari seria, por outro lado, uma forma de kikongo.
Ya foufou, o herói, não é bonzinho, é astucioso e trapaceiro, malandro, subtil, mas não deixa de ser enternecedor e, sobretudo, muito criativo e empreendedor. Tem uma grande rede de amizades. Todos têm nomes engraçados, como Makakou, o macaco (repare-se na semelhança óbvia entre o termo em lari e o termo em português), Ma-Tchéché, a Lebre, sempre esperta, intuitiva e inteligente, Nzaou, o Elefante, Nkabi, o Antílope (lembra a nossa Palanca-negra de Angola), Ngo, o Leopardo, Ngoumba, o Porco-Espinho, Nkélélé “la Pintade”, ou seja, a Galinha de Angola (entre os vários nomes pelos quais é conhecida), Loumboué, a Águia, Moubaka, a Raposa e Ngomboulou, o Leão.
Recorrendo à personificação, o narrador dá voz humana aos animais, que falam e agem como pessoas. São fábulas com um ritmo próprio, uma agradável cadência nos diálogos, com algumas repetições propositadas para prenderem a atenção dos mais novos. As figuras de estilo embelezam o texto literário e tornam a linguagem mais clara e estimulante.
Por outro lado, a repetição lexical contígua ou próxima em narrativas para os pequenos, como no caso desta fábula, costuma ser do agrado dos leitores. Porque permite antecipar certas situações, saber o que vai acontecer, prever alguns diálogos, o que pode transmitir à criança uma sensação de segurança e domínio da história. Quando uma situação é repetitiva, ou já conhecida, as crianças podem reparar em pormenores que, de outro modo, lhes passariam despercebidos e assim aprofundarem a compreensão das circunstâncias descritas, aumentarem o seu conhecimento e envolverem-se ainda mais com o enredo, as palavras as personagens.
O narrador usa os diálogos entre os animais da floresta como ferramenta didática, prestando subtilmente esclarecimentos às crianças sobre figuras famosas das artes, como Picasso e Chéri Samba, um famoso artista contemporâneo da R.D.C. Explica também o que é o mbongui (que é, aliás, o título de um dos seus livros de contos), faz referências ao antigo reino do Congo e relaciona o passado com o presente. Nesta narrativa, exalta-se igualmente o valor do artesanato e do trabalho artístico manual, em oposição aos objetos produzidos industrialmente pelas economias de escala. Le Noël de Ya foufou, este pequeno conto com contornos policiais, é ainda pretexto para se falar do catolicismo como fenómeno cultural, ensinar ou relembrar cânticos natalícios e discorrer sobre o significado do Natal.
Os provérbios em línguas do país, a referência aos hábitos dos aldeões, o uso de expressões locais e a menção de produtos regionais, como o vinho de palma (maruvo ou malavo, em Angola), ajudam a dar uma ideia muito clara e autêntica destes ambientes, facilitando certamente o diálogo com a ilustradora. O conto passa-se entre a aldeia de Bikéri e Brazzaville. Para cada palavra em línguas bantu o autor fornece uma explicação, que advém do contexto. Ao longo da narrativa os pequenos leitores ouvirão repetidas vezes a palavra mahouhou e até saberão quando chegou o momento de voltar a dizê-la. Detalhes como este engendram a oportunidade perfeita para uma dramatização em sala de aula.
Por todos estes motivos recomendo vivamente a série de Ya foufou para crianças lusófonas que estejam a aprender a língua francesa. Este conto parece-me particularmente alegre e instrutivo, mas a leitura fica amplificada e enriquecida para quem se dispuser a ler várias histórias da coleção.
[1] Obra ainda não traduzida para a língua portuguesa.
[2] Biografia do autor: “Patrick-Serge Boutsindi é originário do Congo-Brazzaville, na África Central, vive em Montigny-les-Metz (Mosela, França). Já publicou vários livros de novelas, romances, ensaios e contos para crianças”.
Fonte: https://editionsfeuillage.fr/Secret-de-famille-a-Verdun/Secret-de-famille-a-Verdun.html
[3] Leia também as resenhas sobre outras duas obras do mesmo autor, publicadas no blog: https://ogazzeta.blogspot.com/2023/03/secret-de-famille-verdun-segredo-de.html?q=boutsindi
e https://ogazzeta.blogspot.com/2023/12/le-retour-des-sorciers-talangai-o.html?
[4] Fonte: https://republic-congo.com/pt-pt/descubra-o-pais/linguas/
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