Letras do Tempo, de Luiza Castro: novas letras em um novo tempo
Letras do Tempo é um livro que chega até minhas mãos acompanhado de um turbilhão de sensações que a poesia tem a capacidade de ofertar ao leitor.
Luiza (nome que me faz lembrar da canção de mesmo nome, escrita e cantada por Tom Jobim, nos versos “Como flutua / Vem navegando o azul do firmamento / E no silêncio lento / Um trovador cheio de estrelas) é uma escritora que emerge do anonimato com sua poesia única, e para não ser clichê, transfigurada, mesmo sendo este o seu primeiro livro publicado.
O livro da poeta piauiense é um daqueles raros livros que o leitor ler como quem canta. Sim, a poesia lírica amorosa de Luiza (quem considero como uma das grandes expressões no lirismo amoroso da contemporaneidade) me fez acreditar que com o livro aberto, lendo seus poemas, estaria a escutar Édith Piaf cantando Non, je ne regrette rien* nos versos “Non rien de rien / Non, je ne regrette rien / Car ma vi, car me jois / Anjourd’ hui, çe commence avec toi! O que seria natural pensar que o eu lírico constrói uma espécie orquestrada de terminação de uma vida e/ou ciclo, mas os leitores de olhos clínicos percebem com facilidade que este tenta orquestrar uma construção de um novo rumo sob as bases do passado, desvencilhando ou transformando o que sente.
O eu lírico de Letras do Tempo inicia o livro “anoitecendo”, em seguida enfrenta um “engarrafamento” tendo em vista um “colibri multicor”. No percurso: impõe, sonha, sabe, faz, sente, não esquece, amanhece, retorna, abdica, troca, delira, enfrenta o caos, a cura, as estações e vive todo o processo da dor que o atravessa. O leitor sente no poema Flor da Vida que “Essa dor arde, queima, crema / eclode em toda a carne… / a alma vai à ruina / o corpo em carnificina.
A leitura deste livro também pode ser embalada pela canção “En el muelle de San Blas”** nos versos “Ella despidió a su amor / Él partió en un barco en el muelle de San Blas / Él juro que volvería / Y empapada en llanto, ella juró que esperaría. Ou por “Coração vagabundo” (canção de Mercedes Sosa cantada com Caetano Veloso) “Que passou por meus sonhos / Sem dizer adeus / E fez dos meus olhos / Um chorar mais sem fim.
Luiza Castro possui um estilo de escrita que carrega consigo um pouco da presença de Florbela Espanca (a própria autora cita no posfácio essa referência) é possível sentir Florbela rodando as páginas, quem lê aquela que é uma das maiores poetas portuguesas de todos os tempos, sabe perfeitamente que é possível sentir Espanca, e neste livro há esta presença marcante de uma autora do século XIX em uma autora da nossa contemporaneidade, ambas mulheres, apaixonadas e donas de uma escrita que inicia-se na lírica amorosa, passeia pela poesia erótica e desagua no coração dos leitores.
Nossa literatura carece de autores que escrevam sobre o amor, com todos os seus sentimentos, nesta era de pautas é preciso dar lugar a poesia que escancara corações que sagram, amam e sentem cada sentimento sem os transformar em um tratado acerca de alguma pauta tomada em defesa, mas no intuito de revelar aquilo que pulsa no peito e no que fora vivido. Luiza Castro com o seu (e agora nosso) Letras do Tempo merece espaço no coração dos leitores, por sua escrita ser quase que um hino ao amor.
Livro: Letras do Tempo
Autora: Luiza Castro
Editora: Selo Editorial Independente
Páginas: 121
*Não, nada de nada / Não, não me arrependo de nada / Pois minha vida, pois minhas alegrias / Hoje tudo isso começa contigo.
**Ela despediu-se do seu amor / Ele partiu em um barco no cais de São Blás / Ele jurou que voltaria / Encharcada em choro ela jurou que esperaria.
Bruno Cena Macedo
(professor e poeta)
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