Este texto se desenvolve. Progride e faz reverência a um corpo que morre. Morto. Talvez esteja agora. Anunciado. Evitado. Difamado. Excluído das luzes ofuscantes dos displays midiáticos. Corpo abandonado ao papel e aos óculos de antigos exegetas.
Verbo cortado na carne. Carne reduzida. Resumida. Seca. Carne verbal que não vibra. Curta mensagem. Mesma passagem que indica a curva. Que volta. Sempre o mesmo. Palavra podada. Asseada. Frase enxuta. Paranoica. Texto minúsculo. Informação medida. Desmedido o rasgo. O espaço mudo do que não pode ser dito. Nem escrito. Nem visto.
O mundo não lê. Identifica. Saltando. Correndo. Pé sobre pé nas mesmas palavras poucas. Não deve haver atrito. Não deve haver dúvida. Não deve haver outras interpretações. Não deve cansar. Não deve chatear. Não deve… o texto deve. E sua paga é a miséria do corpo.
Prostituído o verbo. Só indica, propaga, vende, promete. O texto é panfleto, é bilhete. Curto. Grosso. Simples. Simplório. As cartas morreram.
Letra cuidada, vírgulas, emoções, tempo de escrita, as gavetas repletas. Agora a careta amarela. Agora a pequena mão azul. Okay.
E o féretro passa. Caminho ao lado em respeito. Triste. Outra geração. Outro mundo.
Neste de agora. O tempo é diminuto. Como o texto. Como os contatos. A escrita se estende nas redes. Mas ninguém escreve. Todos comentam. Todos opinam. Todos interpretam o já mil vezes interpretado. Todos replicam o já imensamente replicável.
Não seja enfadonho, não seja extenso, não seja muito explicativo, não seja muito intenso, não seja parcial, não seja muito empolgado, não seja muito detalhista, não seja muito ousado. Seja exato. Seja claro. Seja fácil. Seja simples. Seja comercial. Seja de fácil digestão..
E segue o féretro. Eu e meu textão. Amigos. Antigos. Truncados. Trôpegos. Obscuros. Intensos. Tensos. Mortos. Enormes em frases cortadas. Cansativos em pontos e vírgulas retóricos. Amizade de uma vida.
Texto e corpo. Inútil para as plataformas reluzentes e fugazes. Texto feito para a carne. Carne antiga? Hoje o texto é para a luz. Azul. Rápida. Veloz. Informação medida.
Texto funcionário público do mercado virtual. Texto matematizado, aromatizado. O textão foi aposentado. Asilo às complicações interpretativas. Quanto mais fácil, mais rápido. Mais rápido, mais o algoritmo agradece. Senhor de toda a linguagem financeirizada do novo mundo.
Confesso que me afeiçoei ao textão. Bom pra se perder. Fugir. Entrar em instantes de total perdição, silêncio… O textão.
Criatura estranha. Cheia de idas e vindas. Caminhos cruzados, cortados. Velocidades, pausas, forças e fraquezas. Corpo vital. Vivo. Enunciado beirando enunciação. Léxico equilibrado em grandes murmúrios, gaguejares guturais da linguagem.
Língua enroscada, muitas vezes ingenuamente, infantilmente que se infiltra em outras áreas do saber, e que quer conversa! Verbo que se alia a pulsões exteriores à língua, e que na própria língua busca – como arqueólogo – a palavra que ainda não foi dita. Outras vezes como ferreiros que, no fogo e no cadinho, transformam aquela nessa outra mesma palavra de sentido novo. Cria conceito. Significado. Sentido, signo.
E o louco texto? Aquele que corre indecifrável. Vigoroso em sonoridade? Que recusa a gramática, que inventa palavras, que sopra verbos, remenda os léxicos, arranca os pontos. Para as palavras escorrerem das linhas. Se chocarem umas com as outras e se plantarem na terra inventando e criando novos sentidos?
Mas segue o féretro.
Ia escrever um poema. Ao amigo. Todo terminado em ão. Rima pobre. Mas foi em vão.
Só caminho. No caminho do textão. Criatura jurássica. Fóssil.
Morreu sem terminar. Bem na vírgula. Faltou tempo. Um espasmo. Um silêncio.
Um ponto final que não veio.
Inconcluso. Incompleto.
Como todos nós.
Achou que ia conseguir.
Cabe a mim neste momento. Última terra. Última palavra.
Fim. E o ponto que faltava.
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