Martelo dos Deuses – Filipi Gradim e Douglas Elemar
Por Filipi Gradim -6 de julho de 2020
Led Zeppelin. O nome impõe-se por si próprio. Nada mais seria necessário dizer. Qualquer palavra tomba, inerte, diante dessa poesia composta de dois vocábulos: Led Zeppelin. Musicalmente falando, Led Zeppelin é um axioma. A qualidade da banda é (foi) auto evidente; ao vivo transforma-se em humilhação para outros conjuntos. Cabe a hipérbole: outros conjuntos tornam-se vazios diante da potência vocal de um Robert Plant; da fluidez rítmica de um Jimmy Page; da harmonia instrumental quase bachiana de um John Paul Jones. Por fim, não é exagero dizer que o arrebatamento proporcionado pelas baquetas de John Bonham são o motor fundamental que inscrevem a banda nas partituras do Eterno.
A aparição da banda foi tão intensa quanto sua duração. Seu desfecho tão inusitado quanto seu início. Formada dos escombros do Yardbirds, ou, como disse Ritchie Yorke, criada “das brasas ainda quentes da flamejante” banda de Page, o Led Zeppelin se formou em consequência das desavenças presentes entre os integrantes. No Yardbirds havia a tendência folk-rock em conflito com sonoridades mais pesadas que resultaram no fim da banda.
Depois de assistir ao show da banda Hobbstweedle, em 21 de julho de 1968, Jimmy Page se impressionou com o talento vocal de Robert Plant a ponto de se perguntar: “por que esse cara não é uma estrela?” Page se prontificou em convidar Plant para uma rápida estadia em sua casa, onde travaram conversas sobre música e encontraram afinidades decisivas para a formação da nova banda. Page, de natureza mais metódica, armava na mente um plano do que seria o Led Zeppelin em termos estilísticos, o que concedeu rigor profissional ao projeto.
Plant foi integrado ao grupo, depois da silenciosa análise de Page e convidou o amigo John Bonham para assumir as baquetas. A pujança sonora de Bonham trouxe ao grupo um approach mais pesado e barulhento do que aquele que Page estava acostumado a ouvir e a trabalhar, mas que imprimiria uma fusão ideal entre elementos elétricos e acústicos. John Paul Jones foi o último a integrar o corpo da banda e trazia a borda uma experiência consistente como arranjador e excelente tecladista. Além dessas funções, assumiu também o baixo.
Nascia Led Zeppelin em 5 agosto de 1968, após o anúncio de Page à imprensa. Depois da primeira e explosiva reunião, a banda saiu em turnê pela Escandinávia, como forma de cumprir resíduos de cláusulas contratuais do Yardbirds. No repertório do show estavam incluídas canções do Yardbirds (Train Kept a-rolling), covers de alguns blues (You shook me, I can´t quit you baby, ambas de Willie Dixon), o rearranjo de uma canção de Joan Baez (Babe, I´m gonna leave you) e canções inéditas (How many more times e Communication breakdown).
Não fazia sentido que, apesar de ser uma reestruturação do projeto de Page, Led Zeppelin se chamasse The New Yardbirds. Eram novos nomes e novas potências que, unidos, compuseram um grupo inteiramente original. Aqueles quatro músicos, “em um momento de brilhante ressonância poética”, como disse Nigel Williamson, “acabaram se juntando para formar o Led Zeppelin”; eram, segundo palavras de Page, “um presente dos céus”.
Aquela divina composição merecia um nome à altura. Led Zeppelin, ou melhor, lead Zeppelin, significa Zeppelin de chumbo. Anos antes, em 1966, John Entwhistle, do The Who, fez menção ao fato de a reunião daqueles músicos (do Yardbirds) “era tão pesada que cairia como um zepelim de chumbo”. Page tirou proveito da sugestão e batizou sua nova banda que, ironicamente, não afundaria, mas decolaria em voos vertiginosos nos anos seguintes.
Assim, então, a coisa se deu. Apesar de ter sido vista perversamente, em seu primeiro show na Inglaterra, em 4 de outubro de 1968, como “a última aparição dos Yardbirds”; de ter sido esnobada por Mick Jagger na seleção de bandas para o programa de TV; de, enfim, haver sido acusada de artificialismo ou de reprodução vulgar do espírito do blues e do soul (em razão das acrobacias vocais de Plant), o Led Zeppelin venceu o preconceito da imprensa e da crítica.
O primeiro álbum (Led Zeppelin I) foi lançado em março de 1969 e consiste basicamente no que Jones confessou, a saber, “uma gravação do primeiro show, por isso tem tantos covers. Era tudo o que estávamos prontos pra tocar na época”. Provando que não era um fenômeno de mídia, uma “modinha”, Led Zeppelin gravou o segundo álbum animado pela perspectiva positiva da crítica. O jornalista Felix Dennis reconheceu que a banda, na transição para os anos 70, representava “um momento de virada no rock”. Assertiva, deveras, difícil de ser refutada.
Led Zeppelin II é gravado na velocidade de dois meses, com todo o material acumulado das turnês, e lançado em setembro de 1969. O álbum marca o início do estilo autoral da banda, da parceria Page-Plant, além de introduzir os inesquecíveis fraseados de guitarras (riffs). Toda a fórmula ensaiada no primeiro álbum, que acasala blues, rock e folk, está presente no trabalho subsequente, mas de modo menos selvagem e menos “pauleira”. O suingue vocal de Plant e a brutalidade de Bonham encontram o tom certo que se encaixou ao preciosismo da guitarra de Page e à suavidade do baixo de Jones. Led Zeppelin II impressionou pelo virtuosismo dos solos de bateria e guitarra em canções como Heartbreaker, Moby Dick e Whole lotta love.
O terceiro disco, lançado em outubro de 1970, é bastante significativo porque selou a entrada da banda nos anos 70 e, ao mesmo tempo, para o rol das grandes bandas de rock. Graças ao “martelo dos deuses”, Zeppelin atingiu “novas terras”. Mesmo incompreendido, o álbum conquistou os primeiros lugares na Melody Maker. O sucesso se fez, em grande parte, no Novo Mundo. A mídia inglesa sempre fora reticente em relação ao reconhecimento da banda. O empresário Peter Grant nunca escondeu que o êxito do Zeppelin tenha se dado primeiro nos EUA, e depois na Inglaterra, por conta de uma “ingratidão” da crítica inglesa em relação à banda.
Na carreira da banda, o terceiro álbum, de forma demarcada, representa a definição da estética zeppeliniana: explorar sonoridades eletrizantes e acústicas de uma só vez. Estética essa justificada por Page quando anunciou que o álbum seria “acústico e também elétrico, com ênfase em todos do grupo”. Essa união transparece no trabalho de forma brilhante. A harmonia dos músicos é superior aos discos anteriores, mesmo porque Page não assumiu tanto o domínio musical, diminuindo os solos de guitarra. Bonham soou menos violento e Plant mais seguro.
O projeto do disco é curioso, pois ele foi concebido em isolamento, no chalé Bron-yr-Aur, em Snowdonia, País de Gales. Page e Plant alugaram o chalé e passaram dias compondo mais da metade das canções do álbum. Longe do estúdio e da agitação da cidade, o encontro fecundo dos dois músicos conduziu à criação de frases melódicas acústicas, que deságuam em canções como Gallows Pole, Bron-Y-Aur Stomp e a bela That´s the way.
A influência country de artistas como Crosby, Stills, Nash & Young ou folk-blues como Lead Belly, somada à introdução da guitarra pedal steel, colaborou para que a sonoridade acústica se afirmasse no álbum de forma ainda mais forte do que a levada rock. Eles visavam produzir um “som ambiente” que capturasse a simplicidade e o intimismo dos instrumentos. A singela Tangerine é um exemplo disso, assim como Friends e seu harmonioso conjunto de violões acústicos, que nos convidam a um passeio para alguma região qualquer das midlands.
O contraponto elétrico aparece na primeira faixa, que é uma verdadeira “martelada”: Immigrant Song. Famosa pelo estridente vocal de Plant, a música possui uma varredura sonora que arrebata e uma pegada rítmica de tirar o fôlego. O riff de Page delineia o fraseado e aí identificamos a linguagem rock do Zeppelin, mesmo fresca e recém-criada. Além disso, a letra de Plant ganha uma maior densidade literária ao remeter à mitologia viking. Os cavaleiros “do sol da meia noite” surgem numa canção galopante que evoca as Valquírias de Wagner.
As outras duas canções pesadas do álbum são a empolgante Celebration Day, com o riff de Page sendo acompanhado pelo comedimento de Plant e Bonham, em perfeita harmonia com a maciez do baixo de Jones e Out on the tiles, onde o conjunto bateria-guitarra funciona de uma forma ágil, ritmada, sofisticada, sem os excessos e virtuoses dos primeiros álbuns.
Since I’ve been loving you é um blues arrastado que une técnica e potência. Plant apresenta excelente apuro vocal em uma letra que extravasa emoção. Além do mais, o órgão Hammond, utilizado por Jones, imprime dramaticidade exata quando somada à melódica guitarra Les Paul de Page. Até hoje discute-se se a canção é um blues-rock dada a variedade de graduações sonoras alcançadas pelos instrumentos utilizados de maneira soberba pela banda.
De maneira geral, Led Zeppelin III contém ecos da Sunset Strip, dos Byrds, do Buffalo Springfield, de Joni Mitchell e do Moby Grape. Essa nova direção conceitual da banda modificaria os rumos do hard rock, representando prova indelével daquilo que já foi dito em uma monumental biografia da banda, pelo jornalista Mick Wall, isto é, de que o período compreendido entre 1969 e setembro de 1980, com a trágica morte de John Bonham, foi um tempo em que os gigantes, de fato, caminhavam sobre a terra.
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