Ricola de Paula, meu irmão na poesia, está de livro novo. “Sobre Tudo: tarjas bulas caixas e outros poemas sobre mim”, seu sétimo livro de poesia, foi lançado neste ano de 2017 pela Tachion Editora, de São José dos Campos, ISBN 978-85-65111-78-2, com 140 páginas.
Ricola é desses raros poetas de verdade, seus versos saem da cartola (que ele não usa) nas mais variadas espécies, todas elas animais. Outrora derrete as palavras em cria divindade pura.
Para começo de conversa, o simples título dessa sua nova obra já dá ideia do tamanho da encrenca: Sobre Tudo, ou sobretudo? Tarjas, bulas e caixas, serão remédios? Poemas sobre mim. Mas para a cura de quem: do autor, do leitor? Responda se puder.
O sumário (ou sumério?) traz os poemas organizados em cinco capítulos: Outros Poemas. Sobre Mim. Caixas. Tarjas. Bulas. E gostei do que Oswaldo Almeida Jr, escreveu no prefácio: “É assim Ricola. O homem da cultura urbana fincado como uma estaca no ambiente rural. Como se vivesse, ele próprio, ‘o fim da linha imaginária que separa os sonhos’”.
Enfim, um livraço para despertar, sair do torpor quotidiano. Abaixo uma prescrição minha, em doses homeopáticas, para os não-iniciados. Uma seleção de trechos dos meus poemas prediletos. Over top. Se for ler, não dirija.
— Polar —
Extirpo
o que é podre
Do abismo fujo
enquanto posso
Não hesito
trans
flor
mar
pasto
em jardim
— Poeminha —
Hoje sei que sou pequeno
Viajei no tempo
Ferraduras
Não me acostumei
matadouros
homens bombas
seguro de vida
respostas prontas
site de compras
Mas lhe asseguro
Difícil é descer a ladeira
com pedregulhos
Desligo tudo
Destituído do cargo
de coisa nenhuma
Durmo
depois assalto
a geladeira
Calado
Eu penso em escadas
Nas penas
que se desprenderam
das suas asas
— Olhei para dentro —
Olhei para dentro e achei soluções
que desabrocham com um simples ato.
Com o desenrolar da língua
ao falar a frase, sim eu te amo.
Olhei para fora com outra lente
vi o fim e o meio de voltar
ao início da palavra amor.
Não me incomodo
Se meu sangue, células, poemas
multiplicam-se pelos cômodos
tronco, cabeça, membros
desta residência frágil e humana
onde minha alma insiste em habitar.
— Residência humana —
Sobre tudo
amor é alquimia
Transmuta
Aumenta nossa vibração.
— En ciclope dia —
Ontem era unicórnio
Se bobear
Hoje mula sem cabeça
Conhece a ti mesmo e não se engane
O resto é dialética ou imagens distorcidas
— Quando você transbordar —
Transbordaremos juntos
como o Rio Buquira
que vaza e se esparrama
por pastagens e várzeas.
As ingazeiras arqueadas
tantas garças boiadeiras
outros pássaros em fuga.
Mourões submersos
Vacas nos atoleiros.
— Cartilha da psicodelia —
O outro vulgo marvel
Atalaia centauro
Mestre do imprevisível
O que azara as trutas
Dorme pelado na gruta
Tem ciência dos seus pe(s)cados
— Metalquemia —
Leva consigo espectros da morte
(foice) o medo, o lince dos apegos
O choque com o morcego
Aceitar, redimir, retroceder, perdoar
Palavras chaves, transformadoras
chicoteiam amiúde o ego
— Relax ou esculacho —
Tá na veia que explode a capela.
Amarra seu destroyer na fivela.
Olha bem o seu presente paramilitante.
Bem alto “paranoid” é Black Sabbath.
Se seu amor for canino, fácil você cotrair raiva.
Todos de pedalinho na riviera dos enganos.
Praias de oil, sanguinolentas
na orla do stablishment.
Suco de etanol, pomada de tracajá.
Garatéias na espera
dos gordos agronegócios.
— Esculax ou relax —
Quem muito mentex
qualquer dia vira fritex
Tá durex se rende a marmitex
E assim vamos na mesma vibe
de Indra e Agne
As palavras vibram no tambor
vibrax e fica relax quando
rachar o concretex
— O que eu sei —
Presto-me a fazer versos
muita gente boquiaberta
por que não?
Fiz o inverso
na margem ou fora da linha
circulei por retas e planos
estorvo ciclone torvelinho
extasiado
normal rebelde ou maldito
filosoficamente estúpido
não é no final do mês passagem de ano
mudança de século
aniversário bodas lobotomia
que você deixa de ser poeta
— Sobre mim —
Nossa azul continência
a simetria dos cristais de água.
Os assédios da metafísica
as pesquisas espaciais.
As mensagens emanando cura
terra, astros, e fases da lua.
O banhado
envolto em brumas
se oculta
na espinha dorsal
da igreja matriz.
— Sobre mim —
Decretar um fim pacífico
a tantas guerras
que você trava consigo mesmo.
Canalizar energia mater.
Reconhecer vórtices
formadores de holocaustos
salas self tortura
repletas de baixa estima.
— Sobre mim —
A terra gira.
Vórtice magnético.
Tropeço no amanhã
deixo que o sol
ressurja
mesmo que de soslaio.
A vida e sua parte elétrica
ligo o dispositivo.
Disposto vou vivendo.
Não desisto
demoro
na filosofia.
— Tarjas mutantes —
Quando as luzes desaparecerem do céu…
Você pode desligar os impulsos
andar sobre os cacos das explosões,
conferir os danos nos estilhaços.
Corte a sílaba “bá” da palavra bomba
se ficar bom, olhe o mapa do céu.
Seu quadrado na parede,
moldura o tempo circular
Tempo perdido na curva
onde eclipsa os enganos.
— Tarjas sulphurosas —
Quilômetros de sedimentos são depositados
nos tubos de ensaio das redes sociais.
Sei que emburreço neste carnaval de ofertas.
Esgotado saio antes do recuo da bateria.
Sicário não deixo rastro na cripta
do seu desleixo.
São tiras de papel de embrulho
papiro intrigo. Suavemente acredito
que torpes pombas sacio.
Um bom exorcismo abrirá
novos caminhos, água benta sanitária
dissolvendo ladainhas.
Segura na mão uma granada
Sentinelaaaaaaaaaaaaaaaa
A explosão dos significados
O refil da bagaça neném
A cuca já vem pegar.
— Bulas sem lactose —
As tetas daquela jumenta
já não dão leite
Um dia foram úberes
Poesia fervente láctea
O arco e a rabeca
o sol ainda castiga
A mesma nota dó
ronda a caatinga
Repetida no pífaro
inicia a cantiga
No final do arco-íris
um saco de confeitos
cactos amanteigados
— Bulas com inspeções no controle de qualidade —
Rezo pela bondade
que emana dos seus atos
por palavras sinceras
que sempre hão de brotar
como relâmpago no silêncio
da sua boca
Rezo por quem jogou
seu manto azul-estrelado
sobre nós
Equilíbrio
e perdão sincero
permitam
que a consciência
iluminada
possa reinar
— Bulas para ninar monstros —
O melhor de cada um
(mesmo que você não veja)
repousa
no ventre da bondade
onde começa
o fraterno ser
Acho que o conteúdo seria
– Impróprio às 18 horas –
às 19 horas chove
e poderemos
felizmente gritar
palavras de amor na chuva
Incitar o amoroso
premia a todos
salva a todos
lava a alma
— Bulas encabuladas —
Ao entregar minha inteira pessoa
pude assim conseguir bons feitos.
Benefícios, religare, bons escritos.
Apesar dos calos e digitais gastas
me parece que nessa vida as coisas
sempre carecem de um bom polimento.
Os riscos e o embaço desaparecem.
Com um toque hábil
delicado
surgem novos cristais.
Novo brilho, novas facetas
o processo aplicado
beneficia
a todos
os seres vivos.
Vamos lentamente
morrendo aos poucos.
— Bulas de coisa nenhuma —
espreguiçar
o gozo o êxtase
o santo gostinho
cruz invertida nas argolas
os escolhidos
que cessem a dança das cabeças
que cessem o acesso a falsa salvação
os peixes não estavam na arca
https://jorgexerxes.wordpress.com/
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