Meu nome é Legião!

The Birth of Pegasus & Chrysaor from the Blood of Medusa, Edward Burne-Jones 1876-85

Por Ronie Von Martins

Entre Filosofia

Em nosso pacto de União, combinamos todos de pelo menos na hora da morte estarmos juntos.

Levantamos todos no mesmo instante, as mazelas da anterioridade ainda fermentando suas significações precárias em nossos cérebros e sentidos.  O tempo. Sabemos, todos, que nossa fragmentação mesmo que dolorida é necessária… mais que necessária, é exigida. E mesmo que saibamos da desconstrução que se opera em nosso eu, nos olhamos nos espelho. Reflexos vários. Cada um vê seu próprio rosto. Próprio? Rosto?

Na dúvida de “tão vasta questão existencial” vestimos nossas outras peles; ele beija a mulher, é o bom marido, o outro corre pro trabalho, dedicado, exato, já aquele blasfema contra o mundo. Este, cínico, prefere simplesmente continuar, e de vez em quando sorrir envenenado para o cotidiano. Ligado está a sua corrente, “elástico” que estica lhe prometendo espaços ainda não alcançados mas que num único puxão o resume ao que é continuamente…

Abrimos os olhos. Todos. E nos permitimos invadir pelo imediatismo mundo da imagem. Todas as ideias-imagens se resumem a um apelo de consumo. E já nos vemos, sonâmbulos, zumbis dessa pretensa pós-modernidade. Este é seduzido pelo carro, o outro pelo livro, este outro pela mulher, linda, maravilhosa, artificial e provocante que lhe sorri eternamente no comercial… Mas devemos correr. Todos devemos correr. O tempo é uma concessão humilhante, e devemos nele, em detrimento do espírito, do corpo e do prazer, produzir o sentido para nossa existência. Produzir!!!!!

Produzir nosso outro corpo, nosso novo prazer, representar nosso espírito. Verdades? Nossos conceitos, engendrar nosso pasto diário… a ruminação nossa de cada dia…

Mas às vezes paramos. Traumaticamente. O fluxo normal da contemporaneidade não nos permite muita reflexão, é na ação que se desenvolve o combustível contemporâneo. Mesmo assim  paramos…

Paramos quando percebemos que apesar dessa imensa fragmentação de eus a que somos obrigados, ainda continuamos suscetíveis e manipuláveis a um único discurso. Percepção. E nos abraçamos todos, todos os eus de nós mesmo. A multiplural criatura humana. Todos cansados, nos esgueiramos pelas frinchas do tempo, e nos vamos constituindo em um. Se isso ainda fosse possível… Frankenstein pós-moderno…

Deitamos então, um após outro, corpo sobre corpo, alma sobre alma. Conceito sobre conceito, e nos vamos reconstruindo, erigindo, à margem da fera que nos oprime, pela última vez o que, (talvez) fôssemos. E neste limbo, espaço efêmero onde o eu se encontra com seu próprio eu, nos permitamos à memória da lágrima, secas estão todas as reservas reais de água em nossos corpos-desertos… Talvez um sorriso cínico, e unidos definitivamente cancelamos a Produção. Neste instante nos permitimos a retenção, mesmo que fugaz da mais-valia. Resposta ousada e temerária ao grande Discurso.

E se alguém nos perguntasse, segundos antes da última reconstituição do ser, quem éramos? Cínicos, ainda, diríamos: Meu nome é legião, porque somos muitos…

Confira o texto do nosso colunista Ronie Von R. Martins, que saiu na edição de Inverno da Revista Entrementes:

Sobre Ronie Von Rosa Martins 27 Artigos
É mestre em Educação pelo Instituto Federal de Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense (2012), especialista em Literatura Contemporânea Brasileira pela Universidade Federal de Pelotas(2002) e também especialista em Linguagens Verbais e visuais e suas Tecnologias pelo IFSul-Pel.(2008). Atua como professor na rede Estadual da cidade de Cerrito e na rede municipal da cidade de Pedro Osório, Rio grande do Sul. Tem experiência nas áreas de Literatura e Formação de professores, com ênfase na articulação entre Literatura e filosofias da diferença.

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