Mulheridades – Leila Ramos: Feminismo ou Revolução?

Ato 8 M Unificado,2024, Leila, Jhena e Carol Ito

MULHERIDADES – LEILA RAMOS: FEMINISMO OU REVOLUÇÃO?

Leila Ramos é professora e defensora da causa feminista desde muito cedo.
Em nossa região (Taubaté e em torno) ela tem desempenhado um papel relevante, e, portanto, merece ser na data de hoje (8 de março, 2025) homenageada por meio dessa entrevista que eu tive o prazer de efetuar.

Campanha 16 dias de ativismo pelo fim da violência contra a mulher – Taubaté – Leila coordenadora, vera Vieira palestrante, Jhena poetisa, Silvia e Priscila convidadas

1- Teresa – Como aconteceu seu envolvimento com a causa feminista?

Leila Ramos – Começou na infância ainda, muito jovem. Eu sou da roça. Era muito comum eu ouvir: “Coitado do Teco, (apelido do meu pai), ele tem três filhas mulheres. Que triste!” Então alguém sempre retrucava: “mas elas são bonitas”. Ou seja, nós éramos ruins para o trabalho na agropecuária, nesse sentido, representávamos uma má sorte para meu pai, mas estávamos aprovadas para o casamento. Isso já começou a me incomodar.
Então a Escola Agrícola de Jacareí abriu inscrições para mulheres, e eu desejei imensamente fazer o curso, mas meus pais não consideraram meu desejo. Parece que mulheres não tinham muita vez naquele núcleo familiar. Doeu muito quando fui convidada para ser a madrinha do meu primo, que se formou em agrárias na Escola Agrícola que eu almejava para mim. Fui à festa já um tanto revoltada. Eu já cursava o Magistério e foi muito engraçado, porque as mulheres eram maioria naquele curso. Havia apenas um menino conosco, mas a partir da festa de formatura do meu primo, essa questão começou a me incomodar de fato. Diferentemente do Curso de Magistério, nas Agrárias a maioria era homem.
Então eu comecei a polemizar falando tudo que acreditava ser errado em relação as diferenças entre meninos e meninas. Comecei a estudar sobre essas diferenças, não era ainda um estudo feminista, essa nomenclatura “Feminista” inexistia para mim. Mas eu estava sim interessada em saber sobre essas diferenças feitas pela moral na sociedade, entre meninos e meninas. Minhas colegas e amigas me achavam meio fora da casinha e logo comecei a me sentir não pertencente aquela turma.
Então conheci uma família interessante, eles vieram para Taubaté. A mãe havia se separado. Ela voltou para a Faculdade iniciando seu processo de emancipação. Achei fantástico. Na casa deles havia muito material interessante disponível. Jornais, revistas, discussões acerca de política, aquela mãe tinha voltado para a faculdade de direito e me trouxe questões que eram muito feministas para a época. Eu frequentava aquela casa, pois era amiga dos filhos. Isso foi um divisor de águas na minha formação. Começamos a participar de debates polêmicos acerca das regras impostas pela Universidade. Isso fez com que alguns alunos fossem expulsos. Engraçado que foram duas mulheres as que foram punidas com a expulsão. Nesse período as comunidades eclesiais de base já atuavam e a gente se reunia para discutir questões femininas, já trazidas naquela ocasião. Discutíamos temas relacionados ao corpo feminino, métodos para evitar a gravidez precoce, etc.
Em 1982, comecei a acompanhar meu marido em sua função de divulgação de livros da Vozes Editora, onde ele trabalhava. Eu o acompanhava dentro de ambientes sensacionais: Dentro de jornais, Tvs, Universidades, etc
E foi aí que comecei a me ver como uma feminista. Meu marido me fez ir até a central da Vozes, na Rua Haddock Lobo em São Paulo, lá se reuniam pessoas interessantes como Rose Marie Muraro, Frei Beto, Leonardo Boff, etc. Então tive contato com o feminismo e com as feministas.
Quando eu voltei para a Faculdade, o curso que era de psicologia, não era progressista, o departamento tinha uma perspectiva muito machista com concursos de beleza promovido pelo diretório do curso. Miss Pacu, olha o nome.
Difícil ter a adesão das colegas acerca da questão feminista, porém minha preocupação sempre esteve voltada para essa temática. Mesmo a distância eu estava de olho nos movimentos, (A Carta das Mulheres que foi entregue para os constituintes, o Lobby do Baton e a Constituição de 1988).
Em 2003 eu fui demitida, sem processo administrativo. Demissão totalmente política de um cargo em que eu atuava como professora efetiva há 14 anos. Busquei uma assessoria jurídica. Fui apoiada pela APEOESP e me aproximei do Movimento Sindical de Taubaté. A partir daí teve a chamada da primeira Conferência Nacional de Política para Mulheres e nós fizemos um movimento que culminou com a primeira plenária de Política para as mulheres em Taubaté. Fomos eleitas conselheiras em 2004 e constituímos um grupo de atuações nas políticas para mulheres, porém ainda não tínhamos a definição do feminismo. Ser feminista é diferente de ser mulher, mas essa definição se encaixa dentro do quadro político que propiciou a eleição do Bolsonaro. E foi aí que eu comecei a me definir como Feminista. Em 2023 por ocasião do Encontro Feminista Estadual, eu tive um entendimento bastante técnico com a fala da Julieta Paredes que defende o Feminismo Comunitário e eu tive então um entendimento voltado para a vida prática, pois as ondas feministas que colocam as mulheres em caixinhas não agregam, pelo contrário, ouvindo a fala da Julieta me convenci de que o Feminismo é muito mais do que uma luta localizada ele é a REVOLUÇÃO. Mas em que sentido? O movimento é revolucionário porque atende várias demandas. Ele contempla a questão da segregação em todas as instâncias, preta, indígena, ele contempla a injustiça social, trabalhista, a massificação, e tudo que o patriarcado trouxe de ruim. Dentro dele estão todas as urgências femininas ou não. É portanto uma causa humana e coletiva de mudança real e concreta de toda a sociedade, daí o termo Revolução.

Mesa de abertura Encontro Feminista Paulista, 2023, Foto: Marta Baião

Um pouco sobre a História do Movimento

2- Teresa – Qual é de fato a bandeira do Movimento?

Leila Ramos – Teve início na Revolução Francesa e depois nos EUA. Dividido em “ondas”, o Movimento em sua primeira onda, foi marcado pela Conquista do Voto. E os pilares do Feminismo são: Igualdade de Gênero, Justiça Reprodutiva, Combate à Violência e um que eu não gosto muito que é o Empoderamento Feminino. Eu aderi ao enfrentamento à violência desde o começo da minha atuação. Vejo que as mulheres foram constituídas para o ambiente doméstico. Tanto que a rua não é preparada para as mulheres, todas as vezes que elas se expõem, elas encontram a violência. E entre 4 paredes também não é diferente. Sim, a violência está lá. Acredito no Feminismo Decolonial ou Comunitário, não tenho simpatia pelo feminismo liberal, porque eu acredito que a sociedade liberal não produz esses mecanismos de emancipação da mulher. Nessa sociedade ela não tem escolha, a produção de riquezas é dada de modo a invisibilizar sua participação nela. Não temos salários iguais. Os estudos dizem que vamos demorar 90 anos para obter a legitimação desse direito. É muita coisa. Sendo que a base da economia do cuidado está nas mãos das mulheres. Mesmo assim, o FEMINISMO luta contra o capitalismo liberal afirmando a garantia de direitos para todas as pessoas.
A bandeira feminista é o enfrentamento à violência contra as mulheres e por isso estamos nas ruas. E hoje falamos em Mulheridades, pois somos diversas.

Forum WEPs 2018

3- Teresa – Sobre seu engajamento nessa luta, o que teria a dizer?

Leila Ramos – O Feminismo é coletivo, todas as atividades são conjuntas. A Campanha dos 16 dias, que está em Taubaté desde 2005 e que é uma Campanha Mundial, o projeto de políticas para mulheres quando construímos a agenda feminista de 2013.
Eu diria que minha contribuição maior é ser a ponte entre o movimento e ao município e isso eu faço há mais de 20 anos.

4- Teresa – Como você enxerga a condição da mulher em nossa região?

Leila Ramos – Temos ilhas, alguns municípios são mais atuantes outros não. Algumas organizações em defesa da mulher, como a DANDARA em SJC que é uma referência no quesito atendimento as mulheres na questão da violência.
Mas essas ilhas são poucas. Ainda não existe uma secretaria de mulheres atuantes que defenda o trabalho da mulher no seu dia à dia. Em Taubaté, por exemplo, tivemos recentemente o fechamento duplo de duas importantes metalúrgicas, FORD e LG, sendo que a LG empregava basicamente mulheres e essas não contaram com a defesa de seus postos por nenhuma secretaria de defesa de seus direitos. Temos a lei Maria da Penha que trata da violência doméstica, porém ela é pouco olhada. Aqui na nossa região, ainda precisamos lutar pela implantação dela. Temos a Delegacia da Mulher fruto de uma conquista anterior a Constituição de 88, mas hoje ela não nos atende, isso em Taubaté. Ela teve seu perfil alterado e só atende aos casos que se encaixem no quesito Lei Maria Da Penha, Estatuo do Idoso e ECA. Sendo que as outras violências ficam de fora.

Equipe construtora 50 Encontro feminista 2023 – Foto: Marta Baião

5 – Teresa – Houve avanços?

Leila Ramos – Sim e precisamos falar sobre eles, pois são os avanços que nos dão força. Vou falar deles a partir de 2004 quando eu realmente participei. A Secretaria de Política para as mulheres, criada no primeiro governo LULA, e que agora é o Ministério das Mulheres. Falando especificamente de Taubaté, conseguimos a CASA ABRIGO, hoje “Casa Cacilda” que abriga mulheres em situação de violência doméstica. A partir dela hoje temos os CREAS, antes só havia os CRAS, e isso foi uma conquista das mulheres. Hoje a Casa atende Taubaté e tem convênio com Município de Pindamonhangaba. Outro avanço foi a realização das 4 Conferências de Política para Mulheres onde elencamos as nossas necessidades para o governos do estado e federal. Em construção ainda temos o Plano Municipal de enfrentamento contra a Violência da Mulher, de 2004, ainda está na Câmara Municipal para ser apreciado. Teremos uma audiência pública agora, no dia 27 de março próximo e a aprovação e efetivação desse plano é o primeiro passo para uma política pública de atendimento à mulher em Taubaté.
A transparência na fila das creches municipais encabeçada pelas vereadoras. A criação da Patrulha Maria da Penha em vários municípios.

30 caminhada do silêncio, março 2023

6- Teresa – Gostaria que você citasse alguns nomes de mulheres que te inspiraram.

Leila Ramos – Minha mãe, as minhas duas filhas: Mariana e Ana Clara que me inspiram e me ajudam a construir um mundo melhor, a minha neta Luz que só tem 4 anos, especialmente para ela eu dedico minha prática. À Todas as que vieram antes de mim, especialmente as que atuaram antes de mim. Em especial as que atuaram em Taubaté, a Débora Bonafé, Márcia Pinate, a Rigléia que me pegou pela mão na luta pelas mulheres negras. Essa já não estão mais conosco. Também tenho que falar das que estão por aqui, na luta diária, a Dilma Roussef, a Ministra Eleonora, a Ministra Matilde Ribeiro, a feminista Raquel Moreno, a Vera Vieira, Amelinha Teles, especialmente a Clara Charf e as grandes mulheres que iniciaram nossa luta aqui no Brasil e que ainda me fortalecem. Aqui na região, a vereadora Amélia Naome de São José dos Campos, a Marcela Andrade também de SJC, promotora legal popular do Centro Dandara. Em Taubaté as que estão à frente dos sindicatos, a Amíria Venâncio, as professoras Cristiane e Neusa da APEOESP, a vereadora Talita, as ex-vereadoras: professoras Elisa e Adalgisa, a poeta Jhena e todas que estão comigo na luta e me são inspiradoras. A Teresa e a Marli Perim. As que eu não citei aqui, mas que também estão nessa construção feminista de fazer uma Taubaté melhor. Algumas professoras que eu tive, algumas colegas de trabalho que não se tornaram militantes, mas que me fortaleceram. Desejo à todas um oito de março de luta nas ruas para que um dia todos nós sejamos livres, lembrando que teremos uma celebração ato 8 M amanhã no MASP às 18 horas e em Taubaté, no dia 15 de março, às10 horas da manhã, na praça D. Epaminondas, por todas as Mulheridades.

Ato 8 M Unificado,2024, Leila, Jhena e Carol Ito

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6 Comentários

  1. Que maravilha, ver essa mulher potente sendo celebrada no dia de hoje. E viva a energia feminina, sempre ventre, sempre gestando transformações nesse mundo de meu Deus e Deusas também. Vida, democracia e transformação, palavras lindas são femininas. Liberdade sempre feminina. ÁRVORES SEIVA VIDA

  2. Eu amei conversar com Teresa Bendini!Uma mulher com consciência politica, autora, contadora de histórias que encanta crianças e adultos e, principalmente, uma amiga querida
    Obrigada

  3. Belíssima entrevista. Esta luta é de todos nós humanos. Em nossas diversidades. Que venha mais entrevistas brilhantes como está.

  4. Complementando, dia 27/03, às 18:00 h, na Câmara Municipal de Taubaté e também com transmissão pela TV Câmara, vai acontecer a Audiência pública do Plano municipal de enfrentamento a violência contra a mulher, importante etapa para a aprovação deste que será, quando colocado em prática, uma política pública para o município

  5. Que página bacana, estendo o convite a Audiência Pública sobre o Plano Municipal de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher dia 27/03 às 18h na câmara dos vereadores
    O Plano Municipal de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher tem como objetivo prevenir e combater todas as formas de violência contra as mulheres, alinhado à Lei Maria da Penha (Lei Federal nº 11.340/2006) e à Lei Federal nº 14.899/2024, que determina a criação de planos integrados para essa finalidade.

    Contamos com o e presença de todos nessa luta tão essencial!

  6. Que página bacana, estendo o convite a Audiência Pública sobre o Plano Municipal de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher dia 27/03 às 18h na câmara dos vereadores
    O Plano Municipal de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher tem como objetivo prevenir e combater todas as formas de violência contra as mulheres, alinhado à Lei Maria da Penha (Lei Federal nº 11.340/2006) e à Lei Federal nº 14.899/2024, que determina a criação de planos integrados para essa finalidade.

    Contamos com o e presença de todos nessa luta tão essencial!

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