NAQUELA NOITE DE 9 DE JULHO
Por Marcelo Pirajá Sgassábia
Os ventos que sopravam da capital paulista, naquela noite de 9 de julho, carregavam notícias inquietantes: São Paulo rebelava-se contra o Governo Provisório de Getúlio Vargas. _vamos marchar para o Rio de janeiro e trazer a orelha do Getúlio – bravateavam os paulistas. Bravatas à parte, tinham lá suas razões. Getúlio traíra os compromissos assumidos na Revolução de 1930: convocar uma assembleia nacional constituinte e novas eleições. Governava por meio de decretos, sem garantias constitucionais. Quanto mais os paulistas reclamavam, mais Getúlio fingia-se de morto. Aos de São Paulo não restou outra saída a não ser pegar em armas. Distante algumas dezenas de quilômetros do olho do furacão, uma professora de escola rural, viúva, ainda jovem, preocupava-se com seu irmão que decidira alistar-se como combatente nas tropas rebeldes.
A tensão já chegava ao interior. Um dia, da janela de sua sala de aula na fazenda, a professora presenciou o início de um combate ali nas proximidades. Notou que um soldado paulista desertava, abandonando seu fuzil na primeira moita que encontrou. Indignada, apanhou a arma para si, em meio a um terrível tiroteio. Seu irmão, que estava entre os combatentes paulistas, ajudou-a a sair daquela confusão, conseguindo-lhe uma farda para que ela passasse por soldado. Mais tarde acabou descoberta, mas já havia decidido combater ao lado dos constitucionalistas. Seu caso foi levado ao Comandante Romão Gomes, que concordou com a sua permanência na tropa. Entendia que ela seria um exemplo de coragem para seus colegas de farda.
O irmão ensinou-lhe o manejo do fuzil e em pouco tempo lá estava ela lutando nas trincheiras. Não foram poucos os combates em que se sobressaiu por sua coragem. Certa vez o batalhão enfrentou 1.200 soldados federais. Após 26 horas, já sem água e alimentos, conseguiu derrotar um adversário numericamente superior e mais bem armado.
Próximo à divisa com Minas Gerais, ela , chefiando uma patrulha com mais três soldados, prendeu um tenente das tropas federais. Esse oficial não concordou em render-se a uma mulher. Seria uma desonra para a farda verde-oliva. Foi necessária a presença do Comandante Romão Gomes para que o militar se rendesse. Percebendo-lhe o constrangimento, Gomes disse-lhe que não se envergonhasse, porque a mulher que lhe dera voz de prisão era o mais valente soldado paulista. Isso lhe valeu uma promoção a cabo. Posteriomente chegaria a sargento.
A Revolução Constitucionalista durou cerca de 3 meses. Mais bem equipadas e preparadas, as tropas federais invadiram e ocuparam o território paulista. As hostilidades já chegavam ao seu final, no momento em que a Coluna Romão Gomes defendia a cidade de Campinas. Pouco tempo depois seria assinado o armistício. Fim da revolução, com vitória do Governo de Getúlio Vargas. A Coluna Romão Gomes, por sua vez, não foi derrotada em nenhuma batalha.
Para a professora-soldado, entretanto, as hostilidades não haviam terminado. Os vencedores começaram a perseguir as figuras de destaque do lado paulista. Ela, sendo muito visada, teve de sair às escondidas de Campinas, em trajes civis. Para retornar à sua cidade de origem, evitou viajar em ferrovias e rodovias para não ser apanhada pelas patrulhas legalistas. Teve de caminhar 150 quilômetros por estradas rurais e trilhas.
Mas, ainda teria muitas adversidades pela frente. Aquele tenente que ela aprisionara não esqueceu a afronta. Perseguiu-a de todas as formas até conseguir que a demitissem do cargo de professora primária em escola pública. Passou a trabalhar como costureira para sustentar sua única filha. Anos mais tarde seria readmitida, mas como inspetora de alunos.
Tudo isto que você acabou de ler não é ficção. É a história real de Maria Stela Rosa Sguassábia, conhecida como Maria Sguassábia, mulher-soldado símbolo da Revolução Constitucionalista de 1932. Nasceu em Araraquara em 12 de março de 1899. Faleceu em São João da Boa Vista em março de 1973. Heroína pouco conhecida deste país sem memória.
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