Por Milton T. Mendonça
A Propósito: A inveja dos incompetentes é mais eloqüente que qualquer elogio.
O vulto se fixou em suas pupilas conforme descia calmamente os degraus de metal. Ao pisar o chão duro de pedra lavrada Aquêmenes estava ao seu lado perplexo.
– Quem é você?
Perguntou, admirando os quase dois metros de altura e os olhos dourado radiante daquele espécime estranho.
– Olá!
Respondeu. O som saiu arrastado como se precisasse passar por dentro de um narguilé antes de alcançar, morno os ouvidos do interlocutor.
Ficaram se olhando por longos minutos. O vestuário do desconhecido, emprestado de algum aborígine deixava ver sua canela branca e seu joelho forte como se o esforço de caminhar em seu lugar de origem o tivesse moldado. Os braços musculosos terminavam em mãos grandes de dedos longos que não paravam de se mover demonstrando a ansiedade que não se via no rosto sem expressão. A boca pequena os olhos expressivos se fixavam em uma cabeça sem pelos. As orelhas grandes com pontas e lóbulos enormes impressionavam. Talvez essa caracterísca fosse a única que o diferenciasse. Nem mesmo a cor excessivamente clara o fazia diferente. Aquêmenes já vira mulheres mais pálidas.
– Quem é você?
Voltou a perguntar como se não o tivesse ouvido.
O viajante olhou para Eahur Bem Yair depois para seu filho voltando a olhar para Aquêmenes sem alterar a expressão vazia.
– Sou Axxon explorador do planeta excetus. O terceiro planeta da estrela plixes.
– Aquêmenes olhou-o confuso.
– Você é mensageiro do Deus dos hebreus?
– Bom… Talvez. Tudo está interligado. Meu destino pode estar aqui em seu planeta e minha presença traga alguma alteração confirmando o desejo do criador. Sou apenas uma pequena peça na estrutura do universo. Somente existe um criador. Tudo é parte de um e um é parte de tudo – esse é o primeiro axioma que conhecemos antes mesmo de aprender a falar. Não importa qual o lado que se olha eu me encontrarei lá de mãos dadas com o criador. Mesmo que minha face não seja reconhecida.
Aquêmenes pensou sobre suas palavras e depois de alguns minutos deu-lhe as costas e foi se sentar na almofada ao lado de Baltazar Bem Yair.
– O gigante ficou parado observando o homem que o havia interrogado com o olhar fixo e penetrante demonstrando, após alguns segundos, alivio em sua face estática. A linha dos olhos se alterou e seu rosto brilhou como se alguém projetasse uma luz quente em seu semblante deixando-o alegre e expansivo
Eahur Bem Yair levantou-se sorridente e tocou o homem das estrelas no braço pouco abaixo do ombro fazendo-o se voltar.
– Nossa liberdade está próxima, meu amigo. O rei está conosco…
Ponderou.
– O que faz aqui?
Aquêmenes levantou de repente a cabeça como se lembrasse de algo e perguntou elevando a voz acima da conversa que havia se iniciado O visitante respondeu á Eahur Bem Yair antes de virar o corpo enorme e encará-lo.
– Um acidente. Acabara de sair do portal interdimensional e estava preste a entrar em outro que me levaria para casa quando um asteróide se chocou com meu veiculo e fui lançado ao seu planeta. Preciso voltar. Não é permitido visitar civilizações que não conheçam os portais. Não devemos alterar a trajetória de um povo. A tecnologia precisa acompanhar a evolução da alma e isso somente é possível através de sua própria curiosidade e pesquisa. O contrário é a extinção.
– Alma?
– Sim… A síntese do ser.
– Não posso deixá-lo ir.
Aquêmenes falou depois de refletir.
– Sinto muito.
– Não seria possível mesmo não temos a peça de ignição.
– Como?
– A peça que faz a conexão entre o painel de energia e o motor foi retirada há muito tempo quando a deixei junto com meus pergaminhos. Provavelmente se perdeu. Estava me referindo em sair desse aposento e mostrar nosso mundo ao meu amigo que veio de tão longe para ficar prisioneiro dentro desse…
Eahur Bem Yair agitou o braço de um lado para outro do aposento enquanto explicava. Queria tirar a atenção do navegante e evitar que apreendesse o significado das palavras de Aquêmenes.
Baltazar Bem Yair ao ouvir essas palavras levantou-se retirando do pescoço uma corrente de prata com o pingente na forma de uma figura hiperbólica com seu interior construído com a geometria dos fractais não lineares, que brilhavam ao se movimentar aleatoriamente absorvendo ou refletindo a luz do ambiente, entregando a seu pai que ao vê-lo gritou surpreendido.
Em seguida estapeou o braço do navegante levantando o objeto e movimentando-o como um pêndulo frente a sua vista que piscaram espantadas.
O Homem das estrelas segurou-o com carinho e seus olhos faiscaram criando um aro dourado mais acentuado em tornos das pupilas também douradas.
– Com certeza minha hora de partir está próxima.
Murmurou consigo mesmo.
Voltou-se acompanhado por seu parceiro de cárcere e subiu no aparelho. Retirou a corrente de prata e plugou na abertura que descobriu após fazer deslizar uma portinhola sob o piso, na cabeça da máquina. Levantou-se afastando para ter uma melhor visão das inúmeras luzes que piscaram diversas vezes antes de estabilizar. Um zunido em baixa freqüência encheu o ambiente e o veículo tornou á vida.
Desceram e se aproximaram do rei e de Baltazar Bem Yair que assustados se refugiaram no lado oposto de onde estava a máquina se encostando á parede, paralisados.
– Não tenham medo!
Eahur Bem Yair exclamou alegre.
Os dois se olharam desconcertados e em seguida riram alto desfazendo a tensão. Aproximaram-se da máquina e a tocaram sentindo a vibração do casco.
– Isso é um veículo?
Aquêmenes perguntou perplexo.
O homem do espaço apareceu na porta e chamou-o. Enquanto subia para o interior da máquina Eleazar Bem Yair pegou o aparelho que caíra das mãos do pai quando da sua chegada naquele aposento secreto e o girou entre os dedos, curioso. Eahur Bem Yair correu á ajudá-lo explicando como manipular o aparelho para tirar proveito de sua magia, orgulhoso por entender de algo tão misterioso.
Aquêmenes dentro da cabine da máquina também estava atônito como Baltazar Bem Yair. Em suas cabeças o que viam era algo dos deuses. Não podia ser coisa de viventes comum.
Gautama, o mágico levantou-se do chão úmido sentindo o corpo dolorido. Afagou o joelho e se agachou na beira da água limpando o sangue que teimava em escorrer pela canela sujando de vermelho o mocassim costurado com tripa de porco. Aproveitou para lavar o rosto após o qual se pôs em pé e se dirigiu ao palácio seguindo o mesmo caminho que o levara até ali.
Chegou ao palácio no meio da tarde e com a bolsa á tiracolo subiu as escadas em direção ao poço que o levaria ao subterrâneo. Antes de alcançar seu destino olhou para o vão onde começava a descida e viu os dois soldados postados coibindo o trânsito e guardando o tesouro de mãos duvidosas. Desanimado, mas sem pensar em desistir voltou a sua cela e destampou a bexiga de carneiro dependurada em cima da lareira onde guardava o vinho azedo distribuído aos soldados e que costumava surrupiar quando necessitava de algo que o fizesse esquecer sua condição subumana. Derramou em seu interior a mistura cor de açafrão e odor adocicado contida no frasco que pegara entre as cinzas, fechou a boca com o pedaço de madeira que havia retirado anteriormente e chacoalhou forte por alguns segundos fazendo desaparecer qualquer vestígio da corrupção decorrida.
Levou a bexiga aos soldados e ofereceu como consolo pelo serviço monótono que eram obrigados a realizar. Aceitaram agradecidos e se serviram com porção generosa. Minuto depois estavam no chão sob a égide de Morfeu.
Gautama, o mágico cutucou os soldados com o pé confirmando seu estado de inconsciência descendo ligeiro a escadaria e chegando ao fundo antes de ser pego em flagrante por algum transeunte inesperado. Pegou a tocha presa ao suporte e se embrenhou na escuridão.
Chegou á parede nua e com o tato vasculhou cada centímetro de sua área iluminada. Encontrou os pontos onde colocar a mistura fétida ajeitou-as com muita presteza e correu se esconder na curva do corredor a espera da explosão. Sentia-se um novo homem. Dançou com os braços no ar dando pulos e chutando a parede. Gargalhou como um ébrio. Sentia-se extremamente feliz.
A explosão aconteceu de repente. Toda a parede e metade do teto desabaram no minuto seguinte abrindo uma fresta enorme e enchendo o interior de sol e poeira. O corredor que levava á porta secreta ficou soterrado com o andar superior se precipitando desordenadamente sobre ele fazendo desaparecer qualquer vestígio de sua existência.
Pai e filho receberam a descarga de energia liberada pela explosão sendo lançados de encontro à parede enquanto o teto desmoronava separando-os da outra metade obstruída pelos destroços.
Aquêmenes deitado dentro da cápsula onde fora convencido a entrar para conhecer o benefício da transferência de energia que fez Nabucodonosor escondê-los do mundo nada percebeu enquanto o homem das estrelas com o choque foi lançado de encontro aos instrumentos perdendo o sentido.
O veículo programado para manter em segurança sua tripulação captou com seus sensores o perigo que se anunciava alçando vôo e atravessando a ruptura do teto antes de ser soterrado pelos escombros.
A nave subiu rapidamente alcançando o espaço. Os muitos anos sem atividade dentro da atmosfera corrosiva do planeta e a falta de manutenção a deixaram instável, mas mesmo assim seguindo suas diretrizes acelerou entrando no hiperespaço enquanto buscava em sua memória o trajeto para o portal que a levaria ao seu planeta de origem, conforme havia sido programada antes de ser atingida pelo asteróide e jogada de encontro aquele sitio primitivo.
Depois de algum tempo em aceleração escalar faltando pouco para alcançar a velocidade ideal um grande solavanco a freou violentamente. Fora atingida por uma nuvem de plasma expulsa pela explosão solar cíclica adicionando atividade á tempestade de radiação que a havia capturado momentos antes, empurrando-a de volta á terra vertiginosamente.
A violência do impacto a qual tinha sido submetida jogou-a de um lado para outro destravando a cápsula onde Aquêmenes jazia inconsciente. O alarme sonoro bombardeou o ouvido de ambos despertando-os para o perigo iminente. O homem das estrelas em desespero se jogou na cadeira frente ao painel de controle e travou o cinto de segurança em seu peito. Sem compreender o que acontecia, Aquêmenes segurou-se o mais forte que pode apoiando a cabeça de encontro à parede da cápsula fechando os olhos na esperança de se salvar daquele pesadelo.
Os minutos se passaram lentamente e quando já começava a perder a esperança, inesperadamente tudo se acalmou. Lentamente foi voltando ao normal e quando deu por si percebeu a água de encontro a janela. As luzes se acenderam e uma voz feminina surgiu de algum lugar articulando frases incompreensíveis deixando-o confuso. Voltou os olhos para o painel de controle tentando enxergar a pessoa que lhe falava dando de cara com o homem das estrelas debruçado sobre os instrumentos se esvaindo em sangue. Uma alavanca, vindo não sabia de onde saia pelas suas costas quase o cortando ao meio.
Paralisado de terror mirou hipnotizado a única pessoa que poderia lhe ajudar.
Ouviu o barulho seco à suas costas e uma rajada de ar empurrou-o desfazendo sua rigidez e obrigando-o a olhar para trás. A porta aberta desobstruía a passagem do líquido que entrava aos borbotões enchendo rapidamente o espaço onde se encontrava. Forçou as pernas em direção a entrada e olhou para fora. O mar calmo a sua volta o tranqüilizou e antes que mergulhasse em suas águas profundas percebeu presa com o cabo ao lado do veículo um bote de cor berrante refletida pela luz da lua cheia.
Subiu a bordo antes de a nave naufragar desaparecendo pelo turbilhão que a acometera. Com o remo nas mãos se dirigiu para o ponto onde percebera o contorno de algumas árvores sugerindo que naquela direção existia terra firme. Imaginou-se nas terras de seus aliados do norte e não conseguia entender como chegara ali.
– Que grande tesouro.
Murmurou para si mesmo caindo na gargalhada.
– Conquistaremos o mundo com esse poder.
Chegou á praia e arrastou o bote para terra firme. O silêncio era absoluto não se ouvia nada nem mesmo o ruído de animais caçando. Caminhou em derredor em busca de um caminho que o levasse até algum povoado de escravos e de lá ao palácio do rei. Precisava voltar ligeiro á Pérsia ao encontro de Ciro. Urgia recuperar o veículo mágico.
Encontrou uma picada e adentrou á mata determinado. Andou alguns passos e conseguiu enxergar entre as folhagens o pequeno amontoado de casas baixas e mais ao longe pequenas fazendolas dispersas aqui e ali. Aproximou-se e atravessou a estrada de terra batida tocando o muro que bloqueava a passagem de todos que tentassem entrar na moradia. Os pequenos blocos de barro empilhado um sobre o outro que formava o tapume deixou-o surpreso. Nunca tinha visto nada igual.
Olhou a sua volta e se surpreendeu com as condições do local. Tudo era bem organizado. Não existia tendas sujas e rotas cheia de piolhos conforme se acostumara ver em sua terra, mas jardins com flores coloridas em volta de construções pintadas de branco com aparência de limpeza e conforto.
– Que rei perde tempo com escravos?
Perguntou-se espantado.
Seguiu a estrada e ao dobrar a curva ouviu vozes de homens rindo baixo. Pensou fugir do confronto por não saber onde estava, mas antes de fazê-lo o grito da mulher chegou aos seus ouvidos logo abafado de maneira forçada. Estacou tocou a espada e seguiu sorrateiro na direção do barulho.
Ao entrar na mata encontrou a clareira onde dois homens em trajes desconhecidos tentavam estuprar a moça que lutava bravamente.
Sem pensar tirou a espada da bainha e se jogou no meio da clareira espetando o homem que segurava a mulher derrubando-o em sangue. O comparsa ao perceber sua presença rolou para o lado saindo de cima de sua vítima e pegando a lança caída. Levantou-se arremeteu a perna para frente prendendo-a firme no chão e com as mãos segurando a arma, uma diante da outra, estocou com força na sua direção. Aquêmenes girou o corpo trezentos e sessenta graus e ao mesmo tempo em que se desviava aproveitou o impulso para cortar-lhe a cabeça derrubando-o sem vida a seus pés.
A garota ao ver o guerreiro se lançar contra os malfeitores arrastou-se de costas saindo do caminho da peleja. Abaixou o vestido e percebendo que a luta findara levantou-se e se aproximou.
– Obrigada.
Agradeceu olhando-o de cima a baixo surpresa com seu traje oriental.
– Sou Elisa.
Estendeu a mão com o meio sorriso de alivio no rosto belo.
Aquêmenes mirou-a confuso com o que via. Os olhos azuis os cabelos louros e o idioma estranho o deixaram perturbado.
A mão aberta estendida em sua direção sugeria paz. Olhou a mulher nos olhos e sorriu perguntando.
– Onde estou? Que lugar misterioso e místico é esse?
Elisa fitou-o sem nada entender. Temendo ser vista junto aos cadáveres segurou sua mão e puxou arrastando-o de volta para a estrada. Atravessou-a e se embrenhou no mato seguindo a picada até seu sitio. Aquêmenes antes de segui-la pegou do chão o que pensava ser uma lança levando-a consigo.
Chegaram a casa e Elisa convidou-o a acompanhá-la. A sala decorada com esmero tendo cortinas e almofadas coloridas, flores perfumadas e tapetes feito a mão entre a diversidade de objetos imprimia ao ambiente aquela sensação agradável que procuramos quando chegamos de afazeres externo cansado e desejosos de encontrar o descanso seguro do lar.
Aquêmenes entrou curioso e se deparando com aquele local agradável exclamou espantado.
– Que país é esse onde os escravos vivem melhor do que Ciro e seus fidalgos. Preciso conhecer o palácio de seu rei.
Ao ouvi-lo, Elisa voltou-se e sorriu.
– Não consigo entendê-lo.
Gesticulou tentando fazê-lo compreender sua dificuldade. Em seguida Indicou com a mão o sofá convidando-o a se sentar.
Fixou seus enormes olhos azuis na figura exótica a sua frente tentando decifrar o enigma de seu aparecimento.
– Os turcos Otomanos são nossos inimigos. Porque me salvou?
Perguntou sabendo que era apenas retórica.
– E essas jóias aí?
Apontou para o colar e as pulseiras que Aquêmenes usava. Cada uma com uma cor, mas todas enormes.
– são verdadeiras?
O visitante seguiu seu dedo e olhou na direção que apontava. Retirou o colar e lhe ofereceu sorrindo.
– Não, não! É seu.
Empurrou de volta balançando a cabeça de um lado para o outro.
Apesar da dificuldade em se comunicar a noite terminou com o acordo firmado entre eles de que ficaria para ajudá-la no trabalho da fazendola e em troca ela lhe ensinaria seu idioma e o auxiliaria a voltar para casa. Naquela noite dormira tranqüila sabendo-se segura com o homem no quarto de hóspede.
Na manhã seguinte na hora do desjejum enquanto saboreavam o café feito na hora e o pão caseiro recém saído do forno o silêncio foi quebrado por alguém batendo á porta. Elisa levantou-se assustada e antes de sair da mesa agitou as mãos dando a entender por gestos de mímica que o homem a sua frente deveria cobrir o pescoço com o lenço que retirara do bolso da saia.
Ajudara-o rapidamente e abriu a porta recebendo em sua sala a colega Matilde que ao ver Aquêmenes sentado á mesa olhou-a surpresa.
– Esse é meu primo que chegou do front para se recuperar de um ferimento no pescoço e contaminação por gás.
Explicou sem titubear.
A moça foi até a mesa e o cumprimentou estendendo a mão. Aquêmenes levantou-se e sorriu sem qualquer outro movimento deixando-a constrangida.
– Não se preocupe Matilde meu primo está meio perturbado pelo efeito do gás.
Elisa falou as suas costas.
Olhou-o por mais algum tempo antes de se voltar e segurar as mãos de sua colega, aflita.
– Encontraram dois soldados mortos na mata e um bote estranho na praia. Seu desenho e o material da estrutura é diferente de tudo que já vimos. O prefeito mandou avisar o quartel da capital. Todo mundo está achando que o exército vai acampar na cidade. Vamos perder a tranqüilidade se a guerra vier para cá… Agora que não daremos mais aula.
– Sabem que os matou?
– Não. A cabeça de um deles fora arrancada com um facão. Estão pedindo para quem fez isso se apresentar.
Elisa olhou rapidamente para Aquêmenes e voltou a se fixar em Matilde.
Aquêmenes Estava pensando em Ciro enquanto mastigava o pão quente saboreando-o com deleite. “Como reagirá ao saber do meu desaparecimento repentino?” – Questionou. “Esfolará os escravos… Eleazar Bem Yair e seu pai saberão o que aconteceu?”
Levantou os olhos e mirou as moças que conversavam agitadas e imaginou que os cadáveres fora encontrado. Tocou o local da espada e murmurou um impropério. Sua anfitriã pedira que não a usasse. E aquela lança não tinha muito utilidade. Era pesada para lançar e incômoda para estocar. Esperaria até ser entregue ao rei. Saberia convencer o inimigo da força de seu irmão de criação. Não teriam coragem de ofendê-lo.
Elisa percebeu o brilho sinistro em seus olhos. Mesmo voltada para a colega sua atenção estava no hospede.
“Porque esse olhar?” – Perguntou-se temerosa. “Imagina que o entregarei?” “Ele salvou minha vida não posso fazer isso…” – Pensou chateada.
– Estou encarregada de levar a novidade a todos os moradores e tentar convencer o matador a ir ter com as autoridades… Se encontrá-lo é certo.
Olhou-a e sorriu apertando seu braço.
Elisa abriu os olhos e exclamou movendo firme as duas mãos de um lado para o outro numa negativa categórica.
– Não, não!
– A visita sorriu e se despediu saindo da casa com os três beijos costumeiros entre as jovens.
Elisa parada á porta observou-a se distanciar sem nada poder fazer. Esperava que ela guardasse segredo, mas não conseguia imaginar um motivo para que o fizesse.
Aproximou-se da mesa e comentou com o hospede mesmo sabendo que não entenderia.
– Logo teremos que dar explicação ao prefeito. Matilde não ficará calada.
Aquêmenes sentiu no seu tom de voz a preocupação que a angustiava e levantou-se tocando em seu ombro, amigável.
– Não se preocupe menina, protegê-la-ei de todos. Não deixarei que a toquem.
– Ficaria mais segura se conseguisse entender seu idioma. De onde veio?
Respondeu as suas palavras e se dirigiu à estante retirando dentre seus pertences o globo que usava para lecionar história na escola do município. Levou-o á mesa pedindo ao visitante, através de gestos, que indicasse seu país de origem.
Aquêmenes se surpreendeu ao compreender o objeto que tinha sob a vista. Agarrou-o ligeiro e deu as costas a sua anfitriã caminhando vagarosamente em sentido oposto murmurando, em sua língua incompreensível, frases que denotavam assombro.
Elisa foi até ele e com o dedo mostrou-lhe o oriente médio supondo ser naquele pedaço do mundo o local de onde partira.
O enorme espaço vazio do deserto o mar morto e outras paisagens imutáveis deixaram-no assombrado fazendo-o se virar agitado e rir á gargalhada. Apontou diversas vezes o mesmo ponto achando graça de algo que Elisa não conseguia compreender.
– É aqui o seu país?
Perguntou sorrindo encabulada.
– Bagdá? Você é de Bagdá?
Apontou o minúsculo ponto no mapa onde ficava a cidade. Centro cultural e comercial da região.
– Bagdá?!
Falou a única palavra compreensível pelos dois desde que se conheceram. Em seguida Moveu a cabeça em uma negativa duvidosa. Seus olhos mostravam confusão. Passou a mão sobre a região com a expressão aflita.
Deixou o com o globo e voltou ao armário em busca de outros livros, mas o barulho fora da casa chamou-lhe a atenção. Foi à janela e se deparou com os dois soldados acompanhando o prefeito e o chefe de policia que adentravam seu portão. Apavorada olhou para Aquêmenes que se distraia com o globo desligado de tudo a sua volta. Esperou ouvir a batida na porta antes de abri-la tentando mostrar uma tranqüilidade que não sentia.
– Bom dia Elisa.
O prefeito cumprimentou-a educado.
– Ouvimos falar – apontou os homens que o acompanhavam – que você tem um hóspede. Gostaríamos de conhecê-lo.
– É meu primo!
Exclamou ansiosa. Deixando-os plantado do lado de fora do batente.
– Ele chegou do front onde fora ferido por gás e por tiro na garganta. Não consegue pronunciar nenhuma palavra.
– Gostaríamos de conhecê-lo. Ontem encontramos dois homens mortos juntamente com o veículo que os trouxera e queremos saber se ele viu algo.
– Como chegou até aqui?
O delegado perguntou seco.
– A pé é claro.
– Ninguém o viu chegar… Que horas foi isso?
– Vinte e três horas mais ou menos… Estão desconfiando do meu primo, delegado?
– Podemos conhecê-lo, senhora? Ou está escondendo-o de nós?
– Não é nada disso, delegado. Apenas quero poupá-lo. Já sofreu demais nas trincheiras insalubres para nos proteger. O senhor não acha?
– Com todo respeito, senhora estamos com um problema sério aqui. Os inimigos chegaram a nossa praia e precisamos saber como e porque antes que o general Focaul chegue. Com certeza não terá complacência com qualquer obstrução de informação.
– Compreendo. Apenas peço que tenham paciência se ele parecer confuso. O gás que o atingiu afetou sua interpretação da realidade.
– Está bem.
O prefeito tomou a palavra e olhou carrancudo para o delegado.
– Delegado a Dª Elisa é uma moradora exemplar de nossa comunidade devemos confiar em sua palavra da mesma maneira que confiamos nossos filhos a seus cuidados para que receba ensinamento escolar.
– Está certo então vou apresentá-lo aos senhores. Por favor, me acompanhem.
Os dois homens atravessaram a ombreira e adentraram na sala esperando que Elisa os conduzisse ao encontro do desconhecido, enquanto os soldados guardavam a entrada.
Aquêmenes estudava o globo como se fosse algo transcendental tamanho interesse demonstrava. Pareceu a todos que estava hipnotizado por aquela esfera global. Elisa chegou até ele e tocou seu ombro suavemente. Levantou a cabeça e ao deparar com os homens na sua frente levantou-se ágil e colocou a mão no local onde mantinha a espada. Não encontrando nada se posicionou para um eventual embate corpo a corpo.
– Calma!
Elisa exclamou levantando a mão aberta e firmando-a em seu peito.
– Queremos fazer apenas algumas perguntas.
O prefeito articulou atrás de sua anfitriã.
Elisa que estava na sua frente, fora da visão de seus conterrâneos, piscou-lhe um olho e sinalizou para que ficasse em silêncio.
Confuso com o sinal afastou-a para o lado e postou-se ereto frente aos inimigos. Com cara de poucos amigos olhou-os de cima abaixo com desprezo ofendendo os brios do delegado que em uma atitude impensada golpeou-o com o chicote que carregava nas mãos.
Com o golpe Aquêmenes encheu a sala com o som rouco do vitupério antes de saltar sobre o delegado e esmurrá-lo até vê-lo desfalecido.
Os soldados que esperavam do lado de fora da casa ouvindo o barulho abriram a porta e se precipitaram sala adentro atirando para o alto com o fuzil antes de calar a baioneta e espetar ligeiramente as costas do estranho sobre o corpo de seu chefe.
– Parado ou morre!
O sargento gritou próximo ao se ouvido que com o susto pelo barulho do tiro já o havia soltado e, mesmo sem entender as palavras pronunciadas compreendeu que devia ficar imóvel.
Os dois homens obrigaram-no se levantar e com a arma apontada para suas costas o empurraram em direção a rua levando-o para o cárcere e o prendendo na cela.
Elisa começou a chorar quando viu seu protetor esmurrando o delegado e correu em direção ao prefeito que olhava a cena estupefato apertando seu braço, apavorada. Quando o delegado se levantou implorou para acompanhá-los a delegacia, mas foi proibida recebendo ordem para se manter dentro de casa enquanto aquele assunto não se resolvesse.
O delegado cambaleando pela surra recebida demonstrou pela careta disforme o ódio que sentia ao se despedir da dona da casa deixando-a certa que se vingaria assim que se visse a sós com seu amigo. Antes que pudesse dizer algo saiu pela porta claudicando seguro pelo braço robusto do prefeito.
Os dois homens caminharam trôpegos rua acima até alcançar a construção utilizada como delegacia e que antes da guerra fora o paiol onde a comunidade guardava os grãos a espera de comprador. O destacamento mandado para a proteção da costa se alojava ali e até aquele momento não tinha sido usada como prisão apesar de conter duas celas prontas para esse fim.
Aquêmenes tinha sido jogado em uma delas e imaginava poder negociar sua liberdade em troca da benevolência de seu irmão de criação. Estava calmo sentado no banco de concreto nos fundos da cela impressionado com a arquitetura e o armamento dos soldados. Ainda sentia o ouvido surdo com o barulho do tiro e percebia finalmente que a arma não era uma lança como imaginara, mas algo muito mais mortal.
– Onde estou?
Murmurou entre dentes.
– Estarei em alguma terra mágica ou estarei morto? Fui amaldiçoado pelo Deus dos hebreus a viver em uma terra de sonhos?
– Não me sinto morto… Mas como saber se ainda não experimentei a morte.
Confabulava consigo mesmo para esquecer o tédio que o dominava quando o delegado surgiu na grade com o rosto suturado e vermelho, cheio de bandagem. Esfregou a bengala que trazia consigo na barra de metal fazendo um barulho ensurdecedor na tentativa de assustá-lo
Continua no próximo capítulo…
Faça um comentário