O auto da delegacia

Delegacia da Polícia Federal, em Brasília. Estão na sala de espera Jair, Flávio, Carlos, Eduardo e Renan, antes de prestarem depoimento ao delegado-geral.

Jair (reclamando): Duas horas esperando! É mole? Custava trazerem um pãozinho com leite Moça?

Flávio (chateado): A gente procurando se defender e o senhor com esse papo de leite Moça. Fixação!

Jair (retruca): Você me respeita, hein? Passei quatro anos livrando a tua cara, rapaz.

Flávio: E deu nisso. Estamos aqui com os homens.

Jair: E a culpa é minha, por acaso? 

Flávio (irônico): Passo a palavra ao Pitbull…

Carlos (ácido): Ih, lá vem besteira do Rachadinho.

Flávio: Antes de fazer piada, explica por que ficamos nessa draga. Anda, quero ver.

Jair (interrompendo): Deixa que eu digo. O Pitbull, sem querer, apertou os botões errados na internet. Os robôs dele, em vez de favorecerem a candidatura, foram contra mim. Começaram a comer meus votos nas urnas eletrônicas. Que nem aqueles bichinhos de videogame, como é o nome, Renan?

Renan: Pac Man.

Jair: Bem que eu falei que era pra ser voto impresso. Deu nisso.

Eduardo (protestando): De novo essa história! Adianta chorar sobre o leite derramado?

Jair (gemendo): Pô, não fala em leite que eu me lembro de leite Moça. Hummmm…

Eduardo: Desculpa, papai. Só acho que não vai adiantar ficar remoendo coisas passadas. O senhor ligou pro Trump?

Jair: Ligar como? O delegado tomou meu celular. Antes de vir pra cá, mandei uma carta. Mas com essa de privatizar Correio só chega lá daqui uns dois meses.

Eduardo: E o ministro terrivelmente evangélico? Não intercederia pra não rolar esse interrogatório?

Carlos (enigmático): Não soube, não?

Eduardo: O quê?

Carlos: Virou ateu depois que intimaram a gente.

Eduardo: Putz, então só sobrou o Kássio.

Carlos: Depois da derrota, esse também não dá mais pra contar. 

Eduardo (descrente): Sério?

Carlos: Virou juiz da série B do campeonato piauiense de futebol. 

Flávio: Eu sei que tá complicada a coisa, mas deve ter um jeito, não é possível.

Renan: E se oferecerem delação premiada, pai?

Jair (nervoso): Cala a boca, Renan! Não vem me lembrar de Lava Jato, não.

Renan: Só uma ideia.

Jair: Ideia de jerico. Se um de nós abrir o bico aqui, o Centrão vira coreto de praça do interior.

Eduardo: Se eu conseguir um celular, vou mandar um e-mail pra ONU falando de perseguição política.

Jair: ONU? Esquece. Tô mais queimado lá que floresta na mão do Salles.

Carlos: Bem que eu disse pro senhor não deixar aquele chanceler maluco redigir o discurso. 

 A porta da sala de espera se abre. Hélio Negão entra.

Jair (surpreso): Pô, o que tu veio fazer aqui?

Hélio (confuso): Não entendi bem, mas pelo jeito vão fazer uma acareação minha com o senhor.

Jair (confuso): Que acareação, rapaz?

Hélio: Disseram que eu tenho a chave do orçamento secreto.

Jair (indignado): E orçamento secreto tem chave?

Renan: Se tivesse, quem teria a chave era o senhor, né, pai?

Jair: Cala a boca, Renan! Vai jogar teu videogame de tiro, isso é coisa séria, pô!

Flávio (para Hélio): Mais alguma novidade lá do Planalto?

Hélio: As de sempre. Imprensa dizendo que o Cavalão mamou nas tetas do governo.

Jair (gemendo): Pô, não fala em leite que eu me lembro de leite Moça. Hummmm…

(Publicado no Brasil 247)

 

Sobre Carlos Castelo 49 Artigos
Jornalista, poeta, humorista profissional diplomado. Um dos criadores do grupo musical Língua de Trapo.

1 Comentário

  1. Olha, estou esperando por isso, mas aínda estou duvidando que essa corja vá para a cadeia, no final das contas.

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*