O chicote muda de mãos e as lutas são ressignificadas

Foto de Iara Miranda e Soeli Miranda

O chicote muda de mão e as lutas são ressignificadas

Por Eliane de Fátima Camargo e Iara Miranda[1]

A imagem que abre a coluna deste mês já me emocionou tantas vezes e, ainda hoje, quase seis anos depois embarga minha voz. Não encontro palavras para descrevê-la. Gonzaguinha me vem à cabeça: “coração na boca, peito aberto… vou sangrando”. 

Pelo que seu coração sangra hoje?-

Esta foto representa a luta de educadoras (es) em 29 de abril de 2015, que tiveram seu sangue derramado pelas mãos do Estado do Paraná. Ela nos mostra também que o Estado não é o espaço do povo, como deveria ser.

As personagens reais desta foto se chamam: Iara Miranda e Soeli Miranda, mulheres revolucionárias que tenho muito orgulho de dizer: – São minhas amigas!- Mulheres engajadas  e, que longe de ficarem apenas na teoria, vão à luta, sangram seus corpos, suas almas em busca de um mundo mais justo.

Não é de minha prática apenas tematizar as pessoas, sou gente e me construo com gente, por isso, hoje, meu papel de escritora é apenas iniciar este texto. Assim saio de cena neste momento e deixo vocês na companhia dela, Iara. É ela quem continua a escrever… Desejo que a escrita e a sua vida poética, educadora e revolucionária possam lhes esperançar e motivar a lutar contra o fascismo que se instaura em nossa política… Não nos curvamos, seguimos lutando…

Assim como a criança, humildemente afaga a imagem do herói, assim me aproximo de ti, Maiakóviski. Não importa o que me possa acontecer por andar ombro a ombro com um poeta soviético. Lendo teus versos, aprendi a ter coragem.”[2]

Inebriada pelo teor desses versos, início a escrita de relatos sobre minha participação nos movimentos sociais, pois eles me remetem a formação humana de alguém que se coloca no mundo, buscando seu lugar, se posicionando diante das situações adversas e construindo sua identidade como sujeito que observa, sente e analisa o contraditório que se apresenta no seio da sociedade.

O assunto que discorro aqui não se trata de um relato autobiográfico, apenas da minha trajetória de engajamento coletivo. Todavia, sinto a necessidade de trazer alguns aspectos da minha formação.

Meu pai partiu cedo de maneira abrupta por um acidente de trabalho, homem de poucas palavras, sem instrução escolar sistematizada. Deixa para seus filhos um grande legado de educação através de suas ações, posicionamento e noção de pertencimento. Minha mãe, professora leiga, posteriormente do lar e agricultora. Tinha na sua visão a escola como único meio de ascensão social e se empenhou muito para que déssemos continuidade aos estudos. Cantando versinhos com ela aprendi a gostar de poesia. Do incentivo do meu avô, o prazer pela leitura. Da minha vó, pelas exposições de meus rabiscos nas paredes de sua casa, os traços que me arrisco a desenhar.

Ainda adolescente, início minhas atividades laborais em uma fábrica madeireira. Com olhar atento e reflexivo percebo nitidamente a qual classe pertenço e onde é meu espaço de reivindicação. O ano é 1988, é de efervescência política pós ditadura, constituição cidadã em andamento e meu encontro com os Movimentos Sociais e com pessoas engajadas, muito apaixonadas pela onda que está em curso e que vão fazer parte da minha caminhada, do meu aprendizado nesse meio. O sindicato das indústrias sofre pressão dos trabalhadores que não aceitam mais os desmandos dos patrões. Tenho contato com lideranças do sindicato rural, cujo está também, articulado com o MST.

A igreja vive as influências da teologia da libertação, e nesse espaço também vamos estar presente com celebrações muito vivas, participando de grupo de jovens, em contato com várias lideranças religiosas…

E, durante esse processo de muita euforia, alguns movimentos passam despercebidos. Enquanto um fluxo de famílias  chegavam e saíam do município, com a impressão de progresso e desenvolvimento da cidade, os recursos naturais foram indo embora e no seu lugar foi se instalando a escassez do emprego, Como nos diz MARX: “A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos das classes. Estabeleceu novas classes, novas condições de opressão, novas formas de lutas no lugar das antigas” [3].

Observei com tristeza as ruas ficarem vazias de pessoas, que antes, como num formigueiro, iam e vinham dos seus trabalhos cheios de sonhos e esperança. Agora as preocupações eram outras e começaram a migrar em busca de trabalho, as fábricas fechavam, os donos sumiam e os direitos conquistados perdiam o sentido, precisavam  garantir o pão.

Comigo não era diferente, saí e voltei várias vezes, sempre com a esperança que na volta a situação estaria melhor, sempre tentando conciliar trabalho e estudo até terminar o ensino médio (segundo grau). Algum tempo depois, consegui num teste seletivo (Paraná Educação) entrar para o serviço público como funcionária de escola, função que exerço até hoje. Iniciei num momento difícil, a educação passava por um longo período de recessão, havia uma árdua batalha por garantia de direitos da categoria e eu já começo me inserindo na luta, estou novamente em contato com várias pessoas que eram referência para mim e outras fui agregando pelo caminho. No sindicato conheci personalidades incríveis, gente muito aguerrida e com elas transitei em vários movimentos.

Entretanto, não consigo ser conformada e, nos discursos apregoados de que a educação era a única saída para a superação das desigualdades. Eu me sentia incomodada com as contradições vivenciadas, então buscava entender qual era o tipo de educação a que era atribuída essa solução? Fui fazer filosofia com essa questão e saí com outras angústias, mas o curso me proporcionou algumas pistas e fui permeando minha vida acadêmica com meu trabalho de educadora e militância no sindicato.

Nessa onda de avanços e retrocessos chegamos a grande greve do funcionalismo público do Paraná. O ano de 2015 viria superar o fatídico 30 de agosto de 1988[4]. Desta vez participei ativamente, lutamos ao lado de gigantes e contra o forte aparato do Estado, sendo ferida física e emocionalmente,vencemos algumas batalhas e em outras continuamos retrocedendo até hoje.

As lutas de classes são incessantes -Marx, se faz presente em minha escrita- Hora atuamos num campo, hora em outro, hora recuamos, hora combatemos…

É com este pensamento que finalizo este breve relato, atentando para nosso atual cenário político. Eu;  enquanto alguém que aprendeu a observar o movimento histórico entendo, que vamos levar um tempo para superar esse projeto de governo, mas que é possível . Esperancemos, pois o chicote muda de mãos e as lutas são ressignificadas.

[1] Iara Aparecida Miranda, Técnica em infraestrutura escolar. Graduada em filosofia pela Unespar- Campus de União da Vitoria.

[2] Poema: No caminho com Maiakóviski, do poeta Eduardo Alves da Costa.

[3] MARX, Karl; ENGELS, Friedrich (1818-1883) O manifesto comunista. Paz e Terra, São Paulo,1998, p.10-13

[4] Que o governador da época, mandou bater nas (os) educadores.

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