O Futuro do Pavão Mysteriozo na Capital da Cultura

O Futuro do Pavão Mysteriozo na Capital da Cultura

Capital da Cultura. Mas, que cultura?

São José dos Campos vasta, rica. Rica no modo de ser e estar da sua gente, em expressões, em arte, em histórias, em canções, em poesia. Por isso a cidade, anos atrás, recebeu o título de Capital da Cultura. Mas, em desacordo aos avanços das políticas públicas nacionais, parece ser Capital da cultura da terceirização, do retrocesso, do sucateamento dos aparelhos, do desmonte de políticas públicas, da transferência de responsabilidade… Aí sim o título cabe bem.

Uma Jóia
Uma das maiores joias que essa cidade produziu foi a Fundação Cultural, ela atraiu pra cá vários artistas, formou outros vários artistas também, possibilitou o cultivo de muitas utopias que se desabrocharam em revoluções que foram cruciais no desenvolvimento da cidade e de sua gente.
Havia um ideário poético em seus fundadores, seu estatuto serviu de base para a formação de inúmeras instituições culturais Brasil afora e faz compreender o quão importante é a gestão cultural do município ser feita por uma autarquia justamente pela própria concepção de cultura como sendo expressão, patrimônio e direito do povo.

Não por meio de uma secretaria, como talvez queiram alguns, mas por meio de um órgão autônomo. Assim era pra ser a Fundação Cultural Cassiano Ricardo (FCCR), entidade pública de direito público, uma fundação pública municipal, vinculada à prefeitura, responsável pela gestão e execução das políticas culturais do município, integrada à administração indireta do município, possuindo autonomia administrativa sendo financiada pelo orçamento público.
Entretanto, como a presidência é uma indicação da prefeitura e a diretoria é cargo de confiança, a Fundação acaba sendo mais uma secretaria, extensão do governo da situação.
Não está alinhada com o interesse público e o apocalipse das políticas públicas culturais está instaurado.

As Leis
O órgão gestor da cultura na Capital da cultura está descumprindo as leis do município relacionadas à cultura, como a Lei nº 9.342, de 26 de abril de 2016, que institui o Sistema Municipal de Cultura (SMC), a Lei nº 9.069/2013, que Institui o Fundo Municipal de Cultura e até a Lei nº 3.050/1985 da criação da FCCR.

Não realizamos conferência municipal de cultura, a sociedade não participa do planejamento público pra cultura porque a autarquia não está nem aí para ouvir a sociedade, não há plano municipal da cultura, se não o de dez anos atrás.
Não há atualização dos recursos do Fundo Municipal de Cultura, não há atualização dos cachês e hora aula dos oficineiros.
Quedê que as leis são cumpridas?
Quedê o Conselho Municipal de Cultura?
A quem representa o conselho deliberativo da autarquia?

Terceirização

Apesar do orçamento crescente, a FCCR reduz o orçamento dos festivais da cidade, que sempre tiveram proporções nacionais, reduz as vagas das oficinas, reduz as parcerias, reduz a ACD (Ação Cultural Descentralizada), reduz os espaços, terceiriza a gestão dos próprios projetos. Ao mesmo tempo, tem seu quadro de concursados diminuído ano após ano. Seus colaboradores, cuja maioria dedicou à instituição mor parte de suas vidas, estão morrendo, aposentando sem que haja plano de carreira, ou o esperado concurso para renovação do quadro.

Imbrólios

Talvez se ouça: “Não é possível haver concurso na FCCR”. “É um imbróglio jurídico”. Além desse há tantos outros imbróglios jurídicos que atravancam a evolução da autarquia e o avanço das políticas públicas culturais no município.
Deveria haver vontade política para resolver esses imbróglios, assim como houve no PL 353 de 2023.
Lembra?
A mudança no estatuto da FCCR de modo arbitrário, via projeto de lei, aumentando o mandato da diretoria de 2 para 8 anos, a perder de vista. Há quem beneficiou desta mudança no estatuto?
Esse talvez tenha sido o maior golpe que a autarquia sofreu após a Lei Jorlei que extinguiu as comissões setoriais. O que ocorre é a gourmetização do engessamento, expresso em eventos faraônicos, em elevados índices de satisfação. A atual gestão é, já, a que mais tempo ficou no cargo desde o princípio da história da FCCR.

Vale lembrar que a Conferência Municipal de Cultura, que é meio da participação social no desenvolvimento de políticas públicas para a cultura no município, não é realizada desde 2015, tampouco o plano municipal de cultura é lembrado.
Em 2023 fora realizada conferência apenas para se extrair demandas e propostas para as políticas públicas culturais do Estado e da União. Foi até cômico chegar na conferência de 2023 e ouvir: “Não discutiremos as demandas municipais, ficará para próxima oportunidade”… Ie! Ie! Pegadinha do malandro!

A FCCR, é responsável pelo planejamento e execução de política pública cultural no município e a demanda é alta!
São 10 casas de cultura, 3 museus, 4 teatros, projetos como: Arte nas Ruas, Arte nos Bairros, de oficinas culturais e o convênio educação que leva as oficinas de diversas áreas artísticas às escolas e instituições como FUNDHAS, além destes projetos importantíssimos para a sociedade para o desenvolvimento cultural e preservação do patrimônio imaterial, a FCCR gere os projetos: Companhia Joseense de Dança, Coro Sinfônico, Orquestra Joseense, Tap da Longevidade…

Ainda promove a circulação de apresentação em projetos como Temporada CET, Domingo no Parque, Bar de Quinta, Cena de Mulher, Cine Rock, Cine Centro, além dos festivais como: Festivale, Festidança, Festa do Mineiro, Semana Cassiano Ricardo, o Carnaval.
Além dos projetos citados a FCCR gere o Fundo Municipal de Cultura e o monstrengo que é a LIF (Lei de Incentivo Fiscal Não: Liberdade, Igualdade e Fraternidade) ambos frutos da luta do povo. Mas tudo isso talvez seja muito, de fato, para o quadro efetivo da FCCR dar conta, afinal são pouco mais de 50 concursados sendo que no passado o número ultrapassava 200.

Se você que está lendo acha que são muitos os projetos saiba que já foram muitos mais e que hoje há um voraz desmonte em curso. Quem sofre, além das trabalhadoras e trabalhadores do setor, é a sociedade, com a privação do acesso à cultura, que impacta diretamente no desenvolvimento humano, social e profissional, resultando em falta de pensamento crítico, criatividade e expressão, além de problemas sociais, causa prejuízos na saúde da gente.
Sem acesso à cultura, há menos estímulo educacional, dificultando a formação intelectual e reduzindo oportunidades de trabalho em setores criativos, há o empobrecimento da identidade cultural, com a perda de referências e tradições, e uma menor participação social, já que a cultura fortalece a cidadania e a consciência coletiva.
Essa exclusão aumenta desigualdades, limita perspectivas de futuro e priva a sociedade de sua diversidade e riqueza cultural.

Garantir o acesso à cultura é promover inclusão, identidade e transformação social.

Esta carta aberta é firmada porque neste ano de 2025 chegamos ao fim da picada, a um ponto de não retorno. É claro que a falta de quadro levaria ao colapso, mas a sociedade não pode aceitá-lo.

A Fundação iniciou o ano surpreendendo a comunidade joseense com o tamanho dos cortes das oficinas nas Casas de Cultura, no convênio educação, do Bar de Quinta, Cena de Mulher, Cine Rock, e a descontinuidade de projetos como o artes nas ruas, arte na praça, centro de artes circenses, com a redução do período de contrato dos prestadores de serviço.

A gente se sente meio que sem chão, roubada do ofício, roubada do direito, roubada do acesso, extremamente vulnerável à política do corte. Mas se as leis relacionadas à cultura e o próprio estatuto da fundação dizem que deve haver participação popular no desenvolvimento de políticas públicas, continuaremos lutando pelo que é de direito e denunciando o descaso e o desmonte.

Como diria o Ednardo em sua antiga canção “Não temas, minha donzela /Nossa sorte nessa guerra /Eles são muitos /Mas não podem voar”

Aliás, você sabe o que é o logo da FCCR? Nos autos é um galinho do campo, mas quem vê sempre achou que fosse um pavão. Um velho mestre de cultura certa vez esclareceu que o logo é inspirado na figura do pavão, das figureiras, e só foi registrado como galinho pra não esbarrar na burocracia de reconhecer e valorizar o trabalho dessas bravas mulheres. Até quando essa invisibilização das tradições, das mestras e mestres da cultura popular continuará? O que será do órgão gestor de cultura na Capital da Cultura?
Queremos o compromisso do poder público e ações concretas para a valorização, fortalecimento e continuidade das políticas culturais do município.

Conferência Municipal de Cultura já! garantindo um espaço democrático para avaliação e planejamento das políticas culturais locais.

Diálogo permanente entre a FCCR e a comunidade cultural, garantindo participação ativa na construção das políticas públicas de cultura.
Reajuste justo dos recursos do Fundo Municipal de Cultura, de cachês e hora-aula para prestadores de serviços culturais, reconhecendo a inflação e os custos da atividade.
Plano de manutenção e sustentabilidade da FCCR, assegurando sua autonomia e eficiência a longo prazo.
Aprovação e implementação do Plano Municipal de Cultura, essencial para consolidar o Sistema Municipal de Cultura.
A classe artística quer respeito, valorização e um compromisso real do poder público com e a cultura na Capital da Cultura.

 

Por

FÓRUM DE CULTURA de São José dos Campos, fevereiro de 2025

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1 Comentário

  1. Belíssima reflexão.
    Lamentável uma cidade como essa, ser conduzida por um prefeito de extrema direita.

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