Tudo é uma questão de frutos e sinais… Descubra-os e encontrará a verdade.
O Mágico
Por Milton T. Mendonça
Retirou a mão de dentro do saco vermelho virou-o pelo avesso chacoalhou para frente e para trás e mostrou para o publico. Não havia nada em seu interior. Aproximou-se da primeira fileira de cadeiras e pediu a jovem que repetisse seu movimento. Indecisa olhou para os lados. A plateia gritou entusiasmada aplaudindo e incentivando seu gesto. Ela olhou para o mágico depois para o saco vermelho em suas mãos, nervosa.
– Não se preocupe senhorita nada de mal vai acontecer…
A menina fechou os olhos e enfiou a mão rapidamente no invólucro retirando de lá um pequeno cachorro esperneando ao mesmo tempo em que o grito de susto escapava de sua boca sanguínea.
– Um cachorro!
O mágico sorriu e retornou para o meio do palco agradecendo os aplausos da plateia ruidosa. Curvou-se por diversas vezes antes de dar as costas a multidão e desaparecer atrás da cortina de duas faces, preto e vermelho, de veludo.
Elisa o esperava no camarim como sempre acontecia quando assistia as suas apresentações. Sorriu ao vê-la assistindo a TV de circuito fechado.
– Não compreendo como faz isso. O cachorrinho estava todo o tempo dentro da sacola e parece que ninguém notou. A menina se surpreendeu realmente com o animal.
– O efeito de minha magia afeta somente as pessoas na sala. Pela TV não é possível…
– Vamos jantar?
Elisa se aproximou segurou seu braço com ternura e falou próximo ao ouvido.
Ormuzd, o mágico, tirou a cartola depositando-a no cabide em pé ao lado da porta. Trocou o paletó penteou os cabelos lisos e negros para trás fixando-os no couro da cabeça bem formada de tez morena e testa alta. Olhou-se ligeiramente no espelho abraçou a moça que o olhava apaixonada e saiu do recinto se dirigindo para o automóvel parado do outro lado da rua frente ao teatro lotado.
O restaurante em uma das transversais do centro da cidade era famoso pelo seu chefe premiado internacionalmente. Sua clientela era formada por gente endinheirada e de bom gosto. O maitre os recebeu com respeito levando-os para a melhor mesa da casa entregando o cardápio e deixando-os sozinhos.
– Senhor!
A mulher exclamou se aproximando constrangida.
O mágico desviou os olhos do rosto de sua companheira e contemplou a imagem da linda morena que o observava ao lado da mesa.
– Pois não!
– É o senhor o mágico que dizem ter poderes sobrenaturais?
Ele riu e se endireitou envaidecido.
– Talvez… Como posso ajudá-la?
– Desculpe-me incomodá-lo, mas meu problema é uma questão de vida e morte e somente alguém com poderes sobrenaturais poderá me ajudar.
– Sente-se e se acalme… Come conosco?
– Não obrigada… É meu marido!
A mulher começou a soluçar chamando a atenção dos comensais em derredor. O mágico levantou a mão direita e gesticulou movimentando os dedos em circulo e cortando-o ao meio. Imediatamente a dama parou de chorar estupefata.
– O que aconteceu? Sinto-me tão bem…
– Conte-nos o que a incomoda!
– Meu marido desapareceu.
– Desapareceu como?
– Ele saiu para pescar no lago que fica nos fundos de nossa residência e desapareceu… Olhava pela janela do segundo andar onde tenho meu ateliê e me virei para pintar quando olhei de volta ele havia desaparecido… Simplesmente despareceu…
– Talvez tenha caído na água e se afogado?
– Não! A policia mandou drenar o lago e nada encontrou… Simplesmente desapareceu.
– A senhora quer que eu o encontre? Não seria melhor esperar a policia? Sou apenas um artista…
– Sei que o senhor tem poderes… Ouvi falar muito a seu respeito. Somente o senhor pode resolver esse mistério… Imploro ao senhor – falou soluçando alto – ajude-me! Não tenho mais ninguém a quem recorrer.
Elisa levantou-se e abraçou a mulher, comovida, fazendo Ormuzd fechar o semblante, tenso.
– Está bem!
Exclamou pedindo a conta. O garçom apareceu solícito ao seu lado.
– Desistiram do jantar?
Perguntou preocupado.
– Algo o desagradou?
O mágico sorriu forçado e apontou a senhora soluçando sentada a mesa.
– Infelizmente surgiu algo urgente, mas voltaremos outra hora.
Levantaram-se e saíram do restaurante. O chofer abriu a porta da Mercedes para a mulher entrar e se afastou do meio fio enquanto Ormuzd, o mágico e sua acompanhante os seguia em seu próprio automóvel.
Chegaram à mansão na beira do lago e transpuseram o portão de aço com o escudo da família em alto relevo abrindo-se ao meio enquanto ambas as folhas eram empurradas para dentro por mãos invisíveis.
Estacionaram atrás da Mercedes e desceram acompanhando a anfitriã até próximo à escada de mármore rosa onde o mágico deixou-as se dirigindo ao lago. O barco a remo ainda estava no meio do lago, solitário. Percorreu a margem, pensativo até o limite da propriedade encostando-se à cerca de madeira branca que separava a mata fechada do campo bem tratado que circundava a construção.
– Raramente passamos desse ponto, não obstante, todo o terreno visível fazer parte da propriedade.
O motorista anunciou se aproximando e se encostando á cerca.
– Aquele braço de água que penetra a mata do outro lado deságua em algum lugar em especial ou morre simplesmente na margem servindo a vegetação?
Ormuzd apontou para o local ao longe.
– Antigamente acabava na margem, mas foi feito um trabalho de engenharia e abriu-se um corredor para que houvesse troca de nutrientes entre o rio que corta a propriedade do outro lado e o lago. Existia uma pequena passagem subterrânea, mas não era eficaz. No verão o nível da água baixava demasiadamente e os peixes morriam ficando um cheiro horrível no ar.
– Quem era o dono da propriedade antes do casamento?
– Era o doutor… Dizem que a senhora era cantora em bares noturnos, na capital.
– Entendo.
– A polícia drenou o lago?
– Sim! Ficaram vários dias vasculhando tudo. Esperam um pedido de resgate…
– Porque o barco continua no meio do lago?
– Foi ordem da patroa… O motivo ninguém sabe.
Ormuzd se encaminhou para o edifício atravessou a pequena área de serviço de lajotas verde musgo entrando na cozinha moderna. Seguiu pelo corredor desembocando na primeira sala – provavelmente de jantar – pensou consigo mesmo.
Ouviu vozes ao parar confuso pelas várias possibilidades de passagem que encontrou após atravessar a largura do cômodo admirando as gravuras com aparência de antiguidade posta harmoniosamente nas paredes claras, se dirigindo em sua direção, aliviado.
Encontrou as duas mulheres conversando animadamente. Quando o viram calaram-se e esperaram se aproximar.
– Propriedade bonita!
Exclamou sincero.
– Por que o barco continua no meio do lago?
Perguntou á queima roupa.
Antes que respondesse, porém, o mordomo surgiu inesperadamente á porta e avisou que alguns policiais pediam para vê-la.
– Mande-os entrar.
Ordenou sucinta.
Dois policiais vestindo terno de terceira linha, vestuário, aliás, que já era parte da personalidade desses servidores da lei, adentrou a ampla sala sem se deixar impressionar pelo ambiente requintado.
– Boa noite, senhora! O mais velho exclamou. Desculpe-nos o adiantado das horas, mas é essencial para a solução desse caso que os equipamentos de rastreamento e controle sejam instalados o mais rapidamente possível. Nossa burocracia é absurda. Somente conseguimos a liberação no final da tarde.
– Fique a vontade, tenente… Quero que conheça o senhor Ormuzd. Ele acompanhará o caso como meu convidado.
O tenente estacou surpreso ao ouvir suas palavras e ficou momentaneamente confuso. Em seguida deu algumas ordens ao seu ajudante que saiu da sala agitado e se aproximou do trio vagarosamente com a expressão séria de alguém convicto que está sendo passado para trás.
– Como, senhora?
– Perguntou indeciso.
– Esse é o senhor Ormuzd! Ele acompanhará as investigações como meu convidado. Infelizmente não serei uma boa anfitriã e nem estou em condições de enfrentar os detalhes sórdidos desse negócio… O senhor Ormuzd falará por mim.
Retrucou firme gesticulando de maneira a mostrar ao detetive que o assunto estava encerrado.
O tenente estendeu a mão e cumprimentou o homem olhando-o inquisitivo. Depois de alguns segundos voltou-se para Elisa e a cumprimentou rapidamente tornando sua atenção ao mágico.
– Não o conheço de algum lugar?
Perguntou de vagar tentando se lembrar de onde vira aquele rosto exótico.
– Talvez tenha visto meu show no teatro La Salle…
– O senhor é artista?
– Sou apenas um mágico… Um ilusionista.
O policial enrugou a testa e seus olhos vidraram como se uma lembrança no fundo de sua alma o houvesse capturado.
Abriu a boca para dizer algo, mas ouviu o barulho atrás de si e se voltou mudando sua atenção para os homens carregando diversos equipamentos.
– Com licença!
Exclamou olhando para as três pessoas, educadamente se dirigindo para onde estavam seus homens.
– Ele me parece competente…
Ormuzd, o mágico falou alto esperando ser ouvido e com isso quebrar a má impressão pressentida nas oscilações confusas do policial.
– Desculpe-me por apresentá-lo como meu representante. Ainda não combinamos nada. Meu marido contou-me diversas histórias sobre o senhor. Disse-me que o salvou durante um atentado que sofrera quando tratava dos negócios de seu banco no oriente em uma situação bastante intrigante. Percebo que não exagerou quando disse que acreditava em seus poderes sobrenaturais. Está muito conservado para alguém com sessenta anos… Ou mais. Quando soube que estava na cidade…
Antes de terminar a frase a porta se abriu estrondosamente e dois homens entraram como um furacão se aproximando da mulher que os olhou surpresa.
– Finalmente conseguiu!
O mais velho exclamou do meio da sala apontando o dedo acusador com violência.
– Eu sabia que o velho estava caduco… Casar com uma prostituta!
– Calma mano! Temos plateia…
O homem mais jovem tentou apazigua-lo.
– Precisei sair de uma reunião importantíssima para os negócios e voei para cá assim que Rubens me avisou. Você compreende o que podemos perder com isso?
Gritou ao se aproximar olhando furibundo para a mulher que empalideceu visivelmente.
– Não tenho culpa se o seu pai desapareceu…
– É isso que vamos ver! Se tiver algo a ver com isso vou jogá-la no fundo de uma cadeia escura e úmida para o resto de sua maldita vida de golpista!
Ao ouvir isso a mulher jogou a cabeça para trás como se tivesse levado um soco e se afastou correndo, chorando copiosamente. Elisa ficou indecisa por um momento e percebendo o sinal de Ormuzd virou-se e seguiu sua anfitriã.
Vicent olhou-a com satisfação por um momento até vê-la desaparecer se voltando para o mágico que o observava taciturno.
– E você quem é?
– Sou os olhos os ouvidos e as mãos da senhora.
Falou firme fazendo-o estremecer por um milésimo de segundo após o qual levantou a cabeça em uma atitude de confronto e o mediu de cima abaixo volvendo em seguida, deixando-o sozinho. Caminhou enérgico até o tenente, sempre acompanhado do homem mais jovem, e interpelou o policial.
– Gostaria de saber quando vai prendê-la?
– Quem?
– A maldita golpista! Quem mais poderia ser?
– Está falando da esposa? Porque faria isso não tenho nada contra ela…
– Como não! É obvio que ela tramou o golpe. Meu pai é quase trinta anos mais velho…
– Isso não é crime! Se esse for seu único argumento cuidado com a língua. Já acompanhei processo por motivo mais estúpido do que esse.
O detetive respondeu irritado.
– O que pretende fazer?
– Caso não tenha percebido estamos instalando alguns aparelhos para monitorar a ligação do sequestrador… Ou sequestradores. Vamos esperar até eles entrarem em contato para pedir resgate.
– Vou para casa descansar. Acabei de fazer uma longa viagem de avião e não durmo ha várias horas. Como faço para entrar em contato?
O detetive puxou a carteira do bolso de trás e retirou um cartão com a logomarca da policia metropolitana entregando-o ao homem irascível á sua frente.
Ele deu dois passos em direção á saída voltando-se e perguntando:
– E aquele homem?
Apontou para Ormuzd, o mágico que sentado na poltrona ás costas dos interlocutores observava pensativo o colóquio.
– Ele é o representante de sua madrasta. Será investigado no devido tempo…
Ouvindo o substantivo ficou extremamente irritado empurrando seu acompanhante com violência para a saída.
Os dois irmãos saíram da casa e se dirigiram a limusine que esperava frente à porta. Entraram soturnos e se serviram de uma bebida enquanto o motorista com ares de guarda-costas saia lentamente com o carro contornando a margem do lago atravessando o portão e acelerando em direção á cidade.
– Vamos pegá-la e jogá-la bem fundo na cadeia!
O irmão mais velho exclamou depois do segundo gole na bebida que estava em sua mão.
– E aquele homem estranho que disse… O que foi mesmo que ele disse?
O homem mais jovem perguntou indeciso.
– Ah! Vou passar por cima dele como um trator…
Deu uma risadinha maldosa.
– Rique! Tenho um serviço para você!
Exclamou se dirigindo ao motorista.
– Pois não patrão.
O motorista voltou-se por um segundo em direção á Vicent enquanto o automóvel voava pela avenida asfaltada.
– Volte na casa de meu pai e dê uma lição…
Explicou detalhadamente como fazer para identificar a vítima da vez.
Ormuzd, o mágico levantou-se e se aproximou do tenente entabulando conversa.
– O senhor acredita mesmo que houve um sequestro?
– Sim! Vasculhamos o lago de ponta a ponta e nada encontramos… Ele não pode ter desaparecido no ar, não é mesmo?
– É verdade. Nesses casos quanto tempo leva para o primeiro contato?
– Depende… Não mais que três quatro dias. Considerando que já faz três que ele está desaparecido o contato pode acontecer a qualquer momento.
Conversaram por algum tempo sem surgir nada que pudesse ser seguido como pista até Elisa se aproximar e tocar seu ombro.
– Adormeceu. Tomou um calmante não deve acordar antes do amanhecer…
Falou meneando a cabeça em direção ao quarto.
– Vamos para o hotel? Estou cansada…
– Claro. Deixe-me despedir do detetive.
Despediu-se entregando seu cartão com o telefone do hotel para que pudesse ser avisado se alguma novidade surgisse enquanto estivesse ausente e se encaminharam para a porta. A noite estava limpa permitindo a luz da lua iluminar tudo em redor como se fosse dia. O barco continuava no meio do lago, mas a força da correnteza tinha dado um giro de cento e oitenta graus em seu corpo longilíneo.
Ormuzd, o mágico parou e observou por um longo instante o lago antes de entrar no carro e ligá-lo dando partida em silêncio. Seu rosto não tinha expressão. Estava ausente como se sua alma vagasse por lugares inalcançáveis.
O carro deslizou para fora do portão acelerando sua estrutura pesada com um salto para frente jogando a cabeça de Elisa de encontro ao encosto do banco.
– Calma, meu amor!
Exclamou perturbada e imediatamente seu corpo foi arremessado para frente freando violentamente com o impacto do cinto travando em seu dispositivo de segurança fazendo-a gritar de dor. Quando ia reclamar percebeu o carro preto fechando a passagem e três homens descer correndo com armas na mão.
Aproximaram-se rapidamente e abriram a porta retirando ambos do carro. Arrastaram-nos para fora da estrada e se embrenharam na mata fechada largando-os somente quando alcançaram a clareira.
Ormuzd abaixou-se imperturbável e levantou gentilmente Elisa que havia caído sentada pelo tranco que recebera ao ser solta sem aviso pelo homem musculoso que a arrastava quase a levantando do chão.
– Calma meu bem…
Sussurrou em seu ouvido ao levantá-la afastando o pânico que se anunciava.
Ao endireitar o corpo percebeu o punho do homem vindo rápido em direção ao seu rosto. Abaixou-se com agilidade e levantou a mão fechando-a como se agarrasse algo no ar. O homem estacou abrupto e se contorceu com se fosse apertado com força. Abriu os braços em seguida rodopiou e caiu de cara no chão. Os dois restantes olharam apavorados por um segundo sacando as armas e atirando em direção ao mágico enquanto procuravam se esconder atrás das árvores.
Ormuzd desviou ligeiro jogando-se ao chão enquanto gesticulava freneticamente com ambas as mãos. Imediatamente dois ursos pardos enormes surgiram inexplicavelmente da mata e agarraram os pistoleiros esmagando seus corpos. O grito ecoou terrível da boca de ambos por um instante antes do silencio retornar pesado cobrindo a clareira como um manto.
Elisa observava paralisada sentada onde caíra. Vira o homem rodopiar e os ursos surgirem da mata sem conseguir emitir um som. Estava aturdida. Esperou Ormuzd, o mágico confirmar a morte dos dois bandidos e amarrar o outro que caíra desmaiado de cara no chão e se aproximar segurando-a nos braços para se levantar.
– O que aconteceu?
Perguntou perplexa.
– Tentaram nos fazer mal.
Respondeu sucinto.
Em seguida apartou-se de Elisa foi até onde estava o bandido desmaiado e com movimentos rápidos colocou-o no ombro seguindo em direção ao carro.
Elisa seguiu-o instintivamente sem poder coordenar seus pensamentos ainda em choque pelo que presenciara. O homem foi colocado no carro e, após deixa-la confortavelmente instalada no banco do carona, retornaram a mansão.
O detetive abriu a porta e se deparou com o mágico carregando o delinquente. Olhou atônito se afastando para o lado enquanto Ormuzd atravessava a sala e depositava-o no sofá.
– O que houve? Quem é esse homem?
– Fomos atacados por três homens. Dois estão mortos e esse está apenas desmaiado. Pela violência e objetividade com que agiram podem fazer parte da quadrilha de sequestradores.
– Não pode ser! Não faz nenhum sentido acabamos de receber o pedido de resgate.
– Como? Receberam o pedido então?
– Sim. Eles querem cinco milhões de Euros. E não aceitam negociar.
– Coseguiram localizá-los?
– Infelizmente não deu tempo…
– Vou levar Elisa para o hotel e volto.
– Acredito que não teremos nada para fazer até amanhã… Levarei o homem – voltou a cabeça e indicou o delinquente desmaiado no sofá – e tentaremos fazê-lo falar. Apareça de manhã.
Quando Ormuzd e Elisa chegaram á mansão no dia seguinte a discussão já estava acalorada. O tenente tentava apaziguar os ânimos, mas a mulher e os dois homens estavam irredutíveis.
– cinco milhões de Euros? Tenho certeza que papai consideraria demasiado e se pudesse se comunicar conosco aconselharia não pagar.
Argumentava o mais velho.
– O que dirão os acionistas?
– Não quero saber o que os acionistas vão dizer. Quero esse dinheiro na mesa antes do por do sol para entregarmos… Ah! Chegaram!
A mulher voltou-se ao ver o casal, exclamando aliviada. Levantou-se ligeira interceptando-os no meio do caminho.
– Esse idiota egoísta não quer pagar.
– Voltaram a ligar?
– Não! Somente ontem a noite. Querem o dinheiro depositado até ás oito horas de amanhã no numero da conta que forneceram. A polícia diz que é de um banco nas ilhas Kayman… Eles o matarão!
A discussão continuava acalorada quando se sentaram no sofá. O banqueiro tentava convencer o policial de que pagar não era garantia de receber seu pai vivo. E, além disso – argumentava – seria um alvo perfeito para os marginais dali para frente. O delegado concordava em parte, mas considerava que o dinheiro poderia ser rastreado, afinal o homenzinho á sua frente tinha acesso aos tramites bancários.
– O problema, delegado, é o horário. Para fazer essa transação precisa estar fisicamente em George Town na agencia onde receberão o dinheiro. A conta não é minha e não conheço a senha de acesso. Se sairmos agora quando chegarmos lá o dinheiro já deve ter desaparecido.
– Entre em contato com um banco brasileiro na ilha e peça ajuda.
– Impossível! O banco onde o dinheiro vai ser depositado é suíço… Impossível!
O mágico levantou-se e encaminhou á janela, desinteressado da discussão improdutiva que acontecia entre os dois homens. Parou absorto e contemplou a bela paisagem que descortinava diante de seus olhos. De repente um movimento discreto na casa dos barcos chamou sua atenção. Forçou a vista e viu o homem com roupa de mergulho entrando na água vagarosamente tentando não ser notado, desaparecendo sob a água límpida do lago.
Surpreso vasculhou o lago com o olhar atento esperando vê-lo aparecer á superfície. Sua intuição despertou do sono forçado e o conduzio ao barco estacionado no meio do lago. Ficou observando por vários minutos até ver a mão do homem surgir á boreste segurando um pacote negro de plástico e soltá-lo dentro da canoa desaparecendo em seguida. Segundos depois percebeu bote se movimentar e dar um giro de cento e oitenta graus trocando a popa pela proa.
Esperou o mergulhador voltar á casa dos barcos enquanto seus pensamentos criava uma estratégia de ataque. Momentos depois o motorista saiu furtivamente da edificação, atravessou toda a extensão do pátio e desapareceu na cozinha da casa principal. Logo após surgiu na porta e fez um sinal para sua patroa que se levantou em seguida e caminhou apressada em sua direção. Os dois despareceram dentro da habitação.
Ormuzd, o mágico ficou observando incrédulo – Algo estava errado – pensou inquieto. A mulher não mentia – isso ele podia jurar pelos deuses que o conduziram aquele lugar. O que estava acontecendo ali? – se perguntou curioso.
Aproximou-se de Elisa e sussurrou em seus ouvidos.
– Vou me ausentar por algumas horas. Espere-me aqui. Volto assim que possível. Não se preocupe!
Afastou-se rapidamente sem esperar resposta e saiu porta afora. Entrou em seu automóvel e colocou-o em movimento deixando a propriedade calmamente. Não queria levantar suspeitas. Dirigiu até desaparecer na curva da estrada penetrando, em seguida, na mata fechada por uma fresta aberta a facão estacionando fora da vista de qualquer pessoa que por ventura cruzasse a passagem. Desceu decidido e correu contornando a mansão ficando de tocaia entre as árvores, próximo ao rio. De sua posição podia ver o barco flutuando frente à casa imponente. Esperou.
Passaram-se uma hora antes dos homens aparecerem na clareira ás margens do rio. Carregavam equipamento de mergulho que um dos dois, o mais alto, vestiu rapidamente entrando na água sem comentário. Desapareceu sob a água e minutos depois apareceu ao lado do barco. Pegou o embrulho com um impulso e voltou a desaparecer surgindo na margem com o pacote nas mãos. Retirou a máscara e chamou seu comparsa que o ajudou a se levantar e retirar os apetrechos de mergulho. Viraram-se em direção à trilha na mata e se puseram a caminho.
Nesse momento Ormuzd, o mágico surgiu inesperadamente gesticulando na direção dos delinquentes fazendo-os estacar com um tremor e olhar em volta confusos.
– Viu alguma coisa?
O mergulhador perguntou ao companheiro.
– Tive a impressão de ver um homem sair do mato…
– É! Estamos vendo coisas… Vamos embora antes que alguém nos veja.
Seguiram a picada até a caminhonete que os trouxera retornando para o centro da cidade. Ormuzd, o mágico acompanhou-os aboletado na caçamba até seu destino onde desceu e seguiu os marginais subindo a escada que os levaria ao apartamento onde o sequestrado estava escondido.
O sol dava seu derradeiro olhar sobre a maldade humana quando o mágico adentrou a sala onde a reunião continuava e a solução, demonstrado pelos semblantes de todos ali reunidos, parecia estar longe de um final adequado.
Elisa levantou-se de um pulo e correu em sua direção.
– Onde esteve? Fiquei muito preocupada…
– Calma. Tudo está bem. Logo resolveremos esse assunto e poderemos voltar aos nossos interesses.
– Não pagaremos. Você, detetive, deve fazer seu trabalho…
Ormuzd, o mágico ouviu a ultima frase antes de levantar a mão e estalar os dedos voltados para o banqueiro, fulo de raiva. Imediatamente o homem parou de falar e olhou os presentes, confuso.
– O que estamos fazendo aqui, mesmo?
Perguntou ao seu irmão sentado calado ao seu lado. Ele se voltou intrigado e respondeu:
– Estamos tratando sobre o pagamento do resgate de papai.
– Há, sim! Precisamos depositar logo o tempo se esgota rapidamente.
Levantou-se e encaminhou para a porta, seguido, depois de um momento de indecisão, por todos os presentes. Chegaram ao banco ainda em tempo de ser recebido pelo gerente e alguns funcionários retardatários. Concluíram a transação rapidamente e voltaram à mansão.
Assim que puseram os pés na sala tudo se precipitou. O telefone foi atendido pelo técnico que monitorava os aparelhos e a dona da casa foi chamada urgente. Depois de uma conversa surreal com palavras de agradecimento misturadas a noticias incoerentes sobre o sequestrado o facínora pediu para que ela anotasse o endereço onde deveria ir buscar o marido e desligou.
O policial chamou reforços e todos correram ao esconderijo dos sequestradores. A Swat subiu as escadas armada até os dentes. Arrombou a porta do pequeno apartamento e não encontrou mais ninguém além do moribundo na cama aparelhada com instrumentos de última geração que mantinha sua vida enquanto as negociações eram efetuadas pelo telefone conectado ao equipamento que fora montado para confundir o rastreamento.
A ambulância chegou minutos depois levando para o hospital a vítima e sua esposa chorosa. O filho mais velho foi embora em seguida – para o hospital – reclamando do pagamento, acompanhado do irmão mais moço que tentava explicar porque consentira com tamanho absurdo.
Ormuzd, o mágico sorriu ao vê-los pelas costas e se afastou dali com sua companheira, que incrédula, observava todo o acontecimento como algo transcendental e misterioso – Coisa de mágico – como dissera quando estavam abraçados no quarto do hotel depois de ter feito amor pela terceira vez.
Dois dias depois Ormuzd recebeu a noticia do falecimento. Elisa viera atendendo o convite de seu amado e todos se encontraram no cemitério. A esposa se aproximou combalida e foi recebida com afeto. Separaram-se em silêncio após o enterro e os dois voltaram ao hotel. No dia seguinte Elisa voltou ao trabalho prometendo retornar no final de semana.
A carta timbrada foi entregue em mãos alguns dias depois. O tabelião pedia o comparecimento do mágico na tarde seguinte – duas horas – em seu escritório no centro da cidade. Elisa chegou de manhã, curiosa.
A reunião iniciou-se ás duas horas em ponto. O tabelião paramentado iniciou o oficio com as palavras de praxe sentando-se em seguida. Retirou a carta de dentro da pasta se dirigindo à plateia que observava atenta. Além do mágico e sua namorada o tenente que acompanhara o caso desde o inicio era a única pessoa de fora da família. A esposa e os dois irmãos sentados separadamente demonstrava que a animosidade entre eles recrudescera desde o falecimento criando um clima de inquietação entre os presentes. Não havia mais ninguém.
Queridos filhos, o tabelião começou a ler. Sei que devem estar confusos com os últimos acontecimentos. A maneira como foi conduzido foge totalmente da maneira que dirigi minha vida e provavelmente não devem estar reconhecendo minha assinatura
O homem levantou os olhos após terminar a frase, antes de continuar.
Aprendi muito nos últimos dez anos e devo tudo a minha querida esposa aqui presente, que me mostrou, já tarde na vida, um mundo novo totalmente contrario ao mundo que conhecia.
Eu estava errado quando ensinei a você Vincent, que devemos ser inflexíveis diante de qualquer situação cujo mote fosse o dinheiro. Aprendi, nos últimos anos, que devemos analisar cada caso de maneira diferente. Não tendo como referência somente a perda ou o ganho financeiro, mas sendo mais abrangente e procurando outros fatores inerentes ao assunto antes de nos decidirmos sobre a questão.
O mundo não mudou. Os homens continuam inseguros e as mulheres frívolas. E isso gera emoções mesquinhas e covardes. Ainda manipulam por medo e caluniam por inveja e não devemos nos desarmar. Ouvir os vizinhos e supostos amigos nunca foi a melhor maneira de conhecer o sujeito, como eu acreditava. É entre essas pessoas que as piores maledicências são aventadas e são elas que costumam derrubar os melhores dentre nós.
Aprendi que devemos observar os sinais emitidos pelo próprio observado no seu cotidiano e os frutos que nascem de suas ações e não somente ouvir o seu entorno como costumamos fazer no mundo dos negócios. Somente assim podemos conhecê-los verdadeiramente. A ação, meu filho, é mais verdadeira do que qualquer palavra.
Fui um péssimo professor, somente agora me dou conta disso, e criei um monstro. E o castigo pelo meu erro, para minha infelicidade, recairá sobre a mulher que me fez muito feliz durante todo o tempo em que vivemos juntos e que amo mais do que jamais poderia imaginar. E não pretendo passar a eternidade me torturando por não ter feito algo enquanto tive tempo. Mesmo que com isso meu filho mais velho, o mesmo que dediquei toda minha atenção e conhecimento, me odeie.
Estou morto e descobri que morreria em breve no meu último check-up. E decidi fazer o que já devia ter feito há muitos anos: Emancipar financeiramente minha amada.
Como deve lembrar-se conversamos diversas vezes sobre a herança que cabe a você e a Rubens. E como foi inflexível em não querer compartilhar com minha querida esposa e sua madrasta a parte que é dela por direito. Fui fraco. Não impus minha vontade como deveria. Tentei evitar um confronto entre vocês na esperança de que um dia a aceitassem como parte da família. Isso nunca aconteceu e agora não tenho mais tempo. Os cinco milhões de Euros que foram pagos pelo resgate serão transferidos para ela. Tudo está legalizado e meus advogados estão prontos para uma batalha judicial que transformará nosso patrimônio em um monte de tijolos imprestáveis. Aceite isso, meu filho. Procure usar o bom senso. Sobrou mais do que suficiente para você e seu irmão viver bem por quatro ou cinco vidas… Se isso fosse possível.
Como sabe depois que transferi o comando do banco para você perdi totalmente o poder para transferir grandes somas de dinheiro e tenho certeza que a deixaria na miséria enquanto tentaria anular o testamento… Você foi um excelente aluno.
Você deve ter conhecido meu amigo Ormuzd, o mágico. Peça-lhe desculpas por mim. Conversamos quando esteve no apartamento no dia do resgate seguindo meus ajudantes. Foi surpreendente vê-lo chegar como homem invisível e pude explicar todo o plano. Sabia que compreenderia meus motivos e daria um jeito para você pagar o resgate. O que não disse é que fui eu que obriguei o dono do La salle convidá-lo para as apresentações enquanto cancelava sua apresentação na capital que estava prevista para a mesma semana. Não podia apenas chamá-lo isso o tornaria cúmplice do sequestro situação que traria confusão desnecessária para sua vida. Sabia que perceberia o barco e se lembraria da estratégia criada por ele mesmo para ludibriar nossos inimigos do oriente há muitos anos. Espero que tenha se divertido sei que gosta desse tipo de aventura.
Sua madrasta não sabia de nada. Precisei inventar os frascos de remédio que comprara nos estados Unidos somente para ter o que por no barco. Quando lhe enviei o celular dei ordem expressa para que ficasse calada senão meu corpo mutilado seria entregue em sua porta. Sabia que isso a assustaria, pois já tinha enchido sua imaginação com histórias fantásticas sobre sequestradores cruéis que mutilavam suas vitimas para pressionar a família a pagar.
Desculpe-me querida! Espero que o dinheiro sirva para lançar os CDs que gravamos nesses anos que passamos juntos. Você receberá a visita de um profissional. Aceite sua proposta… E eu sabia que procuraria o mágico. As histórias que contei eram todas verdadeiras, apesar de tê-las contadas de forma a motiva-la a procurá-lo. Agiu bem!
Mandei tirar algumas cópias dessa carta que será entregue a todos os presentes espero que o policial aceite minha versão como a verdade e arquive o caso. Ninguém teve culpa de nada. Não houve sequestro. Foi tudo um arranjo para que minha adorada esposa pudesse continuar a viver com o conforto que a acostumei. Fiz tudo isso como prova de meu amor eterno.
Quanto a vocês meus filhos tentem mudar o jeito de ver o mundo. O dinheiro não deve ser referência para nada. Humanize-se e viva uma vida plena de amor como eu vivi.
Adeus!
O tabelião abaixou a carta e olhou para os ouvintes.
– É isso. Agora vamos ao testamento. Não é necessário todos estarem presentes, pois isso somente diz respeito aos três que são da família. Podem ficar caso queiram, mas se forem embora podem pegar a cópia da carta que está sobre a mesa.
Todos se olharam indecisos até que Ormuzd, o mágico levantou-se com sua companheira saindo da sala. Ambos puderam ouvir o tenente entregar a intimação para Vincent antes de alcançá-los no elevador.
– Foi o filho mais velho que ordenou o ataque contra vocês. Será devidamente processado.
Sorriu entrando no cubículo satisfeito com sua fala. Desceram em silêncio tentado absorver o que tinham ouvido pouco antes.
Despediram-se na calçada e o tenente voltou-se pedindo o cartão de Ormuzd, o mágico para futuro contato subindo a rua, satisfeito. O casal sorriu alegre ao perceber que a tarde estava suave e límpida – maravilhosa como murmurou Elisa em seu ouvido – descendo a rua em direção ao hotel.
FIM
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