Por Milton T. Mendonça
O mistério de Elisa – 5º Capítulo
22 Um silêncio profundo pressionou sua cabeça.
Sem um aviso o som penetrou seus ouvidos – “VUUUSSSSHHHH” – e a imagem do céu azul, límpido e ensolarado pulou em seus olhos como se a câmera estivesse saindo de dentro de um poço escuro. Ela subiu até encontrar as nuvens deu meia volta e retornou. Sua lente grande angular captou a imagem de uma planície imensa cheia de animais. Nenhum dinossauro estava visível entre eles. Hominídeos escondido no mato alto tentavam caçar mamutes gigantescos com lanças de bambu, pedaços de pau e pedras.
A câmera deslizou próxima ao capim alto se desviando da árvore no exato momento que os três tripulantes vestindo roupas Especiais para fugir do calor e do brilho do sol saiam do veículo e pisavam em terra firme, após pousá-lo desajeitadamente no meio das feras. Os animais assustados com o barulho e a fumaça irromperam em desabalada carreira pelo prado desaparecendo de vista na floreta além da margem esquerda do lago, onde a nave emergira minutos antes. Os guerreiros que espreitavam a caça após se recuperarem do susto saíram do matagal aproximando-se dos viajantes com intenções hostis, que, pegos de surpresa, reagiram dizimando-os sem misericórdia. Percebendo o erro cometido decidiram que não deveriam abortar a missão, mas aproveitar a incrível descoberta e continuar em busca dos nativos. Fecharam o veículo e partiram a pé pela ravina rica em vegetais luxuriantes com intenção de subir o monte lá adiante para ter uma visão privilegiada do terreno a sua volta.
A câmera os seguiu a uma altura razoável e foi a primeira a entrever ao longe a caverna como uma ferida aberta na montanha, infestada de vermes.
Os aventureiros subiram o aclive ficando de frente com um enorme buraco escavado no monte rochoso. O primeiro homem a subir parou surpreso se voltando para os companheiros:
– Lá estão – gritou – achamos os aborígenes.
Os dois se aprumaram e dirigiram o olhar seguindo a orientação da mão estendida. A vinte metros à frente uma comunidade com mais de cinqüenta membros olhavam assustados em sua direção.
– São muitos! Não vamos assustá-los – o líder da expedição ordenou ao microfone.
O mesmo que dera a ordem levantou o braço em sinal de paz e caminhou na direção dos selvagens. Os grupos de fêmeas e jovens correram para a caverna berrando aterrorizados enquanto guerreiros enfurecidos se juntaram formando uma parede de proteção. O chefe, um enorme hominídeo com uma queixada, ainda com nacos de carne à mão, se postou a frente de seu exercito.
O líder da expedição parou a poucos metros dos guerreiros tirou a arma do coldre segurando-a com a mão direita estendida ao lado do corpo. Levantou a mão esquerda espalmada e gesticulou sugerindo que viera em paz.
O chefe dos aborígenes numa demonstração de coragem deu dois passos à frente. Cheirou o ar e, com uma careta esticou o osso que tinha na mão. O líder da expedição se manteve imóvel. A clava quase tocou seu peito encouraçado pela vestimenta de metal.
O visor estava abaixado para protegê-lo da forte luz do dia e sua aparência devia ser bem esquisita. A coragem de seu adversário para chegar tão perto era algo a ser considerada. Vagarosamente levantou a mão direita e esticou-a. Deu três passos lentamente à frente e tocou seu oponente no peito com a arma. O Chefe dos selvagens levantou a cabeça e cheirou o ar. Esperou alguns segundos como nada aconteceu voltou-se lentamente em direção a seu povo.
Os machos olhavam atemorizados fazendo gestos com os longos braços para os inimigos enquanto sons guturais saiam de suas bocas escancaradas. Os dois membros da expedição mais atrás com as armas na mão esperavam ansiosos os resultados daquela manobra arriscada. A câmera circundou o acampamento quando retornou a sua posição estacionária focalizou os expedicionários sentados no centro do acampamento com toda a aldeia em redor cheirando-os e tocando-os.
De repente um grito estridente se fez ouvir e todas as fêmeas da tribo com seus rebentos correram para dentro da caverna. Centenas de hominídeos pintados de branco com armas de osso e pedras nas mãos desciam a colina. Os guerreiros se posicionaram frente à entrada rosnando e gritando na tentativa de assustá-los. Os expedicionários montaram rapidamente a arma que traziam consigo separadas em três partes e transportadas em seus uniformes lançando bombas incendiaria na direção dos invasores. O barulho ensurdecedor e a fumaça deixou em pânico o inimigo. Minutos depois quando a poeira assentou dúzias de mortos estavam no chão, ensangüentados. O restante havia desaparecido.
Os aborígenes arregalaram os olhos e quando perceberam a situação começaram a saltar e gesticular emitindo um som agudo permeado de grunhidos entrecortados. Aos poucos as fêmeas e os filhotes foram aparecendo com uma expressão de assombro nos rostos simiescos.
A câmera deu um close na lua cheia enorme, prateada. Ela irradiava uma luz branco-azulada exageradamente límpida cegando por um instante Elisa e seu companheiro deitados no divã. Enquanto tentavam se proteger o zoom foi reduzido por uma mão invisível e o céu estrelado surgiu em seu entorno. A nave passou voando em frente à lente que a seguiu girando em seu próprio eixo. Viu quando pousou no descampado próximo a caverna e de dentro sair os viajantes que desceram pela escada de metal solidamente fixada em seu torso esguio. Usavam apenas roupas leves. A noite estava fresca e se percebia o ótimo humor de seus tripulantes de pele alva como a neve brilhando no escuro da noite calma.
O filme fechou lentamente no sorriso dos aventureiros e quando voltou a abrir a câmera enquadrou a fêmea sobre uma mesa cirúrgica. Ela estava sendo fertilizada. O filme fechou e quando voltou a abrir a fêmea dava luz a sua cria. O filme voltou a fechar e quando novamente abriu um novo filhote estava sendo posto ao mundo. Fechou e abriu velozmente por vários minutos sempre mostrando um novo nascimento. Diminuiu a velocidade vagarosamente e paralisou focando a fêmea sem as feições simiescas de antes dando a luz uma menina com as características do homo sapiens.
Alguém puxou seu cabelo, Elisa abriu os olhos e a anfitriã retirou o arco de prata de sua cabeça. Desligou-o apagando a luz azul que iluminava sua mão e o depositou sobre o móvel ao lado do divã.
Elisa olhou ao redor e sentiu-se inquieta ao se deparar com o ambiente esterilizado e repleto de pessoas vestindo roupas extremamente coloridas que realçava sua pele branca. Acostumara-se com a planície verdejante e com os homens sujos, peludos e com cara de poucos amigos.
– Venha comigo.
– E João?
– Deixe-o outros cuidarão dele.
Elisa levantou-se meio zonza e acompanhou-a. Seguiram para uma sala no último andar onde dois homens as esperavam. O mais velho levantou-se de um pulo quando as viu e sem preâmbulo começou a explicar:
– Conseguimos marcar um encontro, mas ela somente conversará se Elisa estiver presente.
– Podemos confiar nela?
– Não temos opção é nossa única saída.
– O que está acontecendo – Elisa perguntou confusa.
– Elisa! – a anfitriã olhou-a demoradamente – Sente-se aqui – pediu com uma expressão estranha no rosto branco mostrando o lugar a seu lado.
– Penso que não fomos apresentadas formalmente – falou tentando ganhar tempo – meu nome é **&$@ – emitiu um som gutural com o final aberto – mas pode me chamar de Jânea. Penso que ficará mais fácil para você…
– Estamos com um problema sério. Não sei se vai conseguir entender apesar de ter conhecido um pouco de nossa história…
– Sua amiga Margot quer conversar com você!
– Como?!
– Sua amiga Margot…
– Sei, sei! Por quê?
– Ela está com medo de se encontrar conosco sem sua presença.
– Está com medo?
– Sim.
– Vocês querem lhe fazer mal?
– Não! Queremos apenas conversar.
– Estamos perdendo tempo! – O rapaz exclamou com raiva na voz.
– Acalme-se Poleck! Não podemos levá-la a força, precisamos de seu consentimento.
– Qual é o problema? – O homem chamado Poleck encarou Elisa – precisamos apenas que nos acompanhe e deixe que ela a veja. Deixe o resto conosco.
– Resto? Que resto? Vocês não querem somente conversar?
– Somente conversar – Jânea respondeu rapidamente – Ela nos deve algumas informações. Nada vai lhe acontecer.
Elisa olhou de um para o outro tentando captar algo em sua expressão. Na cadeira longe dos dois o outro homem prestava atenção sem dizer nada. Apenas esperava pacientemente como se estar ali nada significasse.
– Está bem! – falou desanimada.
O homem da cadeira deu um pulo ao ouvir seu assentimento e se aproximou do grupo.
– Vamos rápido quase não dava mais tempo – falou agitado – Precisamos de hora e meia para chegar ao nosso destino… Vamos rápido!
Os três saíram pela porta subindo o ultimo lance de escada. No espaçoporto sobre o telhado um veículo arredondado como um ovo sem portas ou janela, na cor prateada, esperava solitário.
– Vamos lá Kreuk abra – o!
O homem retirou do bolso o aparelho e o acionou. A porta se abriu com um chiado enquanto a escada deslizava para fora se agarrando ao piso vitrificado com um ponto de sucção. Três degraus se iluminaram com uma luz alaranjada muito tênue indicando que podiam subir a bordo. Lá dentro era confortável com espaço para seis passageiros e dois tripulantes. O homem da cadeira sentou-se em frente ao painel que se abriu com um toque tornando visível uma série de instrumentos. Centenas de botões, alavancas e relógios de tamanhos e formas variadas acenderam sua luz enchendo o interior com uma claridade multicolorida. A parte da frente do veículo perdeu a opacidade deixando ver o exterior de maneira límpida como se nada estivesse bloqueando a visão tamanha sua transparência. Sem um ruído a nave se jogou do edifício estendeu uma aba se transformando em alguma coisa parecida com um chapéu voador e planou em direção ao mar.
Elisa viu a ponte e o cais do porto passar ligeiros diante de seus olhos antes de sair da enseada e mergulhar no mar. Os motores foram ligados com um leve estalo e uma pequena vibração anunciou que estavam a caminho. A luz que irradiava do interior da nave conseguia iluminar apenas alguns metros da água em derredor, mais a frente tudo ficava escondido por uma densa escuridão que obrigava o piloto ficar atento aos instrumentos de bordo. Muitos quilômetros depois chegaram a um enorme tubo artificial encravado em uma montanha. O piloto se comunicou com alguém em sua língua alienígena e a porta de aço se abriu como o diafragma de uma máquina fotográfica. O tubo sugou a nave jogando-a montanha acima a uma velocidade impressionante. Quando saiu na outra extremidade o mar não era o mesmo. Animais marinhos abundavam sob um mar calmo e iluminado.
A nave emergiu próxima a costa do litoral norte de São Paulo. A madrugada estava se iniciando, percebia-se a lua em seu apogeu. Elevaram-se no ar e seguiram viagem para o continente atravessando a serra do mar e cruzando a cidade, àquela hora adormecida.
– Fomos identificados! – o piloto exclamou olhando para trás.
Quase simultaneamente as palavras do piloto dois caças AMX da aeronáutica apareceram no horizonte voando em sua direção. A nave parou no ar abruptamente e os aviões passaram como se não os tivessem visto. Percorreram alguns metros retornando com uma manobra radical para a direita. Passaram novamente pela nave sem vê-la continuando sua trajetória desaparecendo no horizonte.
– O que houve? – Elisa perguntou espantada.
– Eles não conseguiram nos detectar – o piloto respondeu sorrindo – estamos sem massa.
Imediatamente acelerou a máquina sem qualquer movimento perceptível em seu interior deixando para trás as luzes da cidade e entrando nas sombras da zona rural. Seu destino era a serra da Mantiqueira onde parou suspenso no ar sobre a casa solitária no final de uma pequena estrada de terra batida.
– Kreuk passe o scanner na casa – Poleck ordenou ríspido.
– Não tem ninguém na casa – o piloto respondeu após ligar o equipamento – Espere tem alguém sentado na sala.
– Deve ser ela – vamos descer.
Elisa levantou-se e se aproximou do scanner observando a imagem projetada no visor. A mulher estava sentada à mesa manipulando um objeto luminoso. O rosto e o corpo eram apenas linhas, mas percebiam-se os órgãos femininos dentro do esqueleto. O útero, a mama e os órgãos genitais eram reconhecíveis.
– Margot? – perguntou sem esperar resposta.
– É melhor pousar ela já sabe que estamos aqui. É bom que fique alerta – Poleck recomendou batendo a mão no ombro do piloto.
A nave despencou em direção ao solo parando alguns segundos antes de se chocar no pasto a quinhentos metros da morada. A porta se abriu com aquele chiado conhecido de todos e a escada se projetou em direção ao chão de terra e grama.
Os três seguiram em direção a casa, deixando aquele ao qual chamavam Kreuk vigiando a espaçonave. Poleck foi à frente com a arma escondida dentro da mão em cunha. Chegaram à porta sem nenhuma surpresa indesejável. O homem segurou a maçaneta e girou para ambos os lados – estava chaveada. Bateu com os nós dos dedos e esperou irritado. Ouviu o barulho de pés se arrastando em sua direção. Afastou-se para o lado na expectativa, esperava ver a porta se abrir a qualquer momento.
Continua no próximo capítulo…
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