Por Milton T. Mendonça
O mistério de Elisa – 6º Capítulo
A porta se abriu e sem cumprimento algum entraram na sala espaçosa. Sobre a mesa um aparelho mostrava os quatro personagens em sua tela iluminada. Reconheciam-se nitidamente as figuras como em um filme.
– Oi Margot tudo bem?
Margot se afastou de Elisa e olho-a de cima abaixo demoradamente.
– Perdoe-me Elisa por tirá-la de seu conforto antes da hora. Mas foi preciso os…
– Cale-se! Poleck gritou empurrando Margot para longe.
Elisa segurou o braço do homem e apertou.
– Vocês disseram que queriam apenas conversar…
– Calma Elisa – Jânea ainda mais pálida que o normal interferiu afastando-a para o canto da sala.
De repente como saídos de outra dimensão o homem acendeu como uma lâmpada no meio do cômodo atirando com sua pequena arma desintegrando Poleck. Rapidamente virou-se para Jânea e pediu calma com a mão espalmada
A moça assustou-se e sem pestanejar segurou Elisa contra o corpo apertando seu pescoço esguio de forma a mantê-la imóvel. Margot do outro lado da sala pulou em cima de ambas jogando-as no chão. Elisa atordoada ficou caída enquanto Jânea levantou-se agilmente e correu para a porta. Antes que tocasse a maçaneta foi desintegrada pelo homem que atirou sem um comentário.
– Vamos! Margot exclamou ajudando Elisa se levantar.
O homem segurou sua mão e correu para a porta. Entraram no carro que esperava ao lado da casa e saíram da propriedade precipitadamente. A estrada asfaltada solitária os levou a pequena cidade de Monteiro Lobato. Atravessaram suas ruas sem chamar atenção continuando até ver ao longe a iluminação da cidade grande. O homem olhava para o céu a todo o momento através do pára-brisa preocupado com um ataque pelo ar, mas tudo continuou tranqüilo. Chegaram a cidade e percorreram suas ruas mantendo a velocidade exigida para evitar contratempos. Atravessaram o viaduto sobre a linha férrea e seguiram percorrendo o perímetro da reserva natural ali existente até o terminal central, onde retornaram pela Avenida paralela, estacionando o veículo em frente ao portão de folha de zinco, mais ou menos a altura de um quarto de distância do comprimento do primeiro quarteirão.
– Tenho um ateliê neste local – o homem falou sem preâmbulo apontando a casa de portão de zinco na outra calçada – ninguém conhece esse local e a vizinhança é tranqüila podemos ficar aqui sem medo. Jamais descobrirão nossa verdadeira identidade.
Haviam feito toda a viagem em silêncio. Elisa estava muito confusa para formular alguma pergunta e o casal tentava postergar a explicação inevitável.
– É! Aqui está ótimo por enquanto – Margot concordou olhando para Elisa no banco às suas costas esperando sua aceitação para saírem do automóvel. Ela movimentou a cabeça suavemente concordando.
Abriu a porta e saiu do carro empurrando o encosto do assento para frente deixando Elisa descer. O vento frio da madrugada assoprou seu rosto cansado. Abraçou-se arrepiada.
Atravessaram a rua e entraram no portão. Cruzaram o pátio e seguiram o corredor até alcançar o ateliê nos fundos da residência. A porta de vidro foi aberta pelo homem e os três entraram no pequeno hall.
À esquerda do aposento estava o ateliê com alguns cavaletes, armário de aço, sofá, mesa, cadeiras e muitos apetrechos de pintura.
No outro lado, à direita, uma cama de casal, um computador de última geração, prancheta de desenho e armário criava um ambiente descontraído útil para descansar entre uma tela e outra. No centro, dividindo os dois espaços um banheiro com água quente.
Instalaram-se no ateliê e depois de alguns comentários sobre os quadros pendurados na parede caíram em um silêncio constrangedor.
– Ãran! – o homem começou – Você deve estar confusa com os acontecimentos desta noite, não é? Tudo pode ser explicado, mas precisa ter um pouco de paciência – tentou brincar.
– Primeiro quero me apresentar: Sou Theófilo o guardião. Esta como você já deve saber é Margot. Outra guardiã e também senadora de nossa republica. Nós somos… Ou éramos os responsáveis pelas famílias da superfície. O que aconteceu nesta noite foi uma operação de resgate.
– Resgate? Quem foi resgatado?
– Você Elisa. Você foi resgatada das mãos dos expansionistas – Margot respondeu se animando – nós estamos à beira de uma guerra civil. A primeira de nossa história.
– Porque não conversou comigo no hotel?
– Não pude estava sendo seguida. Queria apenas confirmar se era você mesma.
– Você disse algo sobre… Como era mesmo?
– Fio de Ariadne – É um código para verificar se você era a pessoa certa.
– Um código? Não conheço esse código…
– Se conhecesse não era a pessoa certa – Theófilo respondeu com um sorriso nos lábios.
– E os fios? Eu somente estou aqui por causa dos fios capilares
– e a universidade?
– Não se preocupe com a universidade logo, logo resolveremos isso.
– Sabíamos que viria aqui atrás dos cabelos. Na Europa quando deixamos os cabelos para trás é a maior confusão. Todo mundo fala a respeito durante meses.
– É por isso que vim. É a primeira aparição no Brasil e minha universidade tem interesse em descobrir o que são esses materiais e de onde vem.
– De onde vem você já sabe… Somos nós que criamos. Mas não é de propósito. É um resíduo.
– Resíduo? De quê?
– Um buraco de minhoca. Quando fazemos viagens interdimensionais esses resíduos são criados. Mas são muito voláteis é quase impossível capturá-los. Vocês não têm tecnologia para entendê-los por enquanto.
– Não podíamos ir até você sem descobrirem onde estava e não tínhamos como contactá-la – resolvemos montar um motor interdimensional no agreste e mandar a fita para você.
– O anão nos antecedeu e você foi capturada. Tentamos resgatá-la na caverna, mas estavam preparados.
– Porque não falou comigo no hotel? O anão ainda não havia aparecido…
– Foi uma falha… Tínhamos tantas duvidas Elisa… Não queríamos precipitar nada.
– Aqueles homens foram mortos…
– Eram vagabundos contratados na região não se preocupe.
– E o filme? É tudo ficção?
– Não! É a mais pura verdade…
– Precisamos resgatar seu amigo João. Ele está nas mãos dos expansionistas e o usarão para barganhar. Eles sabem ser cruéis – Teóphilo lembrou enquanto revirava os pincéis.
– Eu tinha pensado nisso – Margot respondeu irada – Você fica para protegê-la e eu vou buscá-lo.
– Como? Vai sozinha – Elisa perguntou surpresa.
– Não! Temos um exercito preparado. Vou contatar o general e me aconselhar. Vocês vão ficar bem, Theófilo não é conhecido e é um bom soldado. Vão ficar bem…
Levantou-se olhou em volta apressada pediu a chave do carro e cumprimentou Elisa efusivamente. No portão ao se despedir apertou a mão de Theófilo e exclamou:
– Cuide-se coronel!
– Adeus senadora – respondeu firme.
O carro partiu descendo a avenida de volta a casa onde a espaçonave ficara esperando. Poderia entrar em contato com a base lunar e esperar, mas Margot não estava com vontade de esperar. Seu sangue estava fervendo de ódio dos imperialistas. Não aceitava ter sido desalojada de sua querida cidade. Não aceitava a violência por motivo fútil como aquela idéia de tomar posse da superfície. Há quantos milhares de ano viviam naquela bela cidade? Mesclar-se com o povo da superfície era um propósito saudável, mas invadir e tomar posse aproveitando suas fraquezas tecnológicas por puro prazer de governar. Pelo poder puro e simples era uma blasfêmia. Não concordava e faria tudo que estivesse ao seu alcance para quebrar a espinha daquele idiota. E para deixar claro que no futuro não haveria nenhuma chance disso acontecer novamente.
Margot dirigia com os pensamentos agitados e precisava diminuir a velocidade vez ou outra porque sua ira forçava o pé contra o acelerador. Relaxou os ombros ao entrar na estrada estadual. Carecia tomar cuidado para não quebrar algum eixo nos buracos do asfalto.
Theófilo fechou o portão e voltaram para dentro. Enquanto Elisa se acomodava no sofá trouxe leite, frios e pão francês depositando tudo sobre a mesa de tampo azul de fórmica, suja de tinta, encostada a parede. Serviu-se de uma quantidade suficiente para dois e sentou-se ao seu lado oferecendo uma parte.
Enquanto comia, Elisa perguntou:
– O que está acontecendo conte-me tudo. Preciso entender se não fico maluca.
– É uma história triste – falou depois de pensar por um momento – pela primeira vez em nossa história temos um ditador com desejo de ser imperador. Ele quer anexar a superfície. Mas nem todos concordamos com isso. Além de ser imprudente, vai destruir a civilização da crosta da mesma maneira que ela destruiu os astecas, os incas, os índios americanos e todas as outras civilizações, como você bem sabe. Algumas poderiam ter ajudado na evolução moral do homo sapiens sapiens.
– Imprudente de que maneira?
– O planeta pode ser destruído nessa empreitada. Os homens não são muito lúcidos. Idolatram a coragem em detrimento da segurança.
– Como chegou a esse ponto? Pelo que entendi sua civilização tem milhares de anos porque somente agora?
– Esse homem é um hibrido. Ele foi gerado usando matrizes sem nenhum gene ancestral, diferente do que foi feito com as famílias que vivem – ou viviam – na superfície para nos fornecer a sobrevida. Ele é uma experiência inconcluida, é a terceira ou quarta geração, não sei bem. Deixamos que se desenvolvesse naturalmente – como acreditamos que deve ser. Mostrou-se muito inteligente e um excelente político. Construiu um pequeno estado independente e somente percebemos o perigo quando já tinha tomado posse da cúpula. Imediatamente criou-se a resistência e começou uma dura batalha diplomática. As mortes são esporádicas a guerra ainda não foi declarada.
Margot se aproximou da nave. O pasto estava silencioso, alguns animais dormiam debaixo das árvores outros a céu aberto. A lua cheia iluminava tudo com um tom prateado. Ela tocou a esfera e foi escorregando a mão pelo seu dorso lentamente. De vez em quando parava e pressionava os dedos firmemente. Depois de percorrido mais da metade da lateral ouviu-se um clique e o chiado da porta se abrindo espalhou pela noite. A escada saltou para fora se fixando no chão e a luz alaranjada iluminou os degraus. Ela subiu e enfiou a cabeça para dentro da nave, estava vazia. Entrou rapidamente e sentou-se na cabeceira do console. Tocou sua superfície e ela se abriu iluminando o interior da nave. Apertou o dispositivo e a frente do veículo ficou transparente dando para ver as vacas deitada no descampado.
Segundos depois a nave estava no ar subindo velozmente, ultrapassou a troposfera a ionosfera e saiu para o espaço sideral. Margot pegou o transmissor e chamou várias vezes.
– Essas famílias o que aconteceu com elas?
– Foram assassinadas.
– Por quê?
– Foi uma jogada de mestre – Todos nós que vivemos no interior do planeta precisamos trocar nosso sangue a cada cinqüenta anos para continuarmos vivendo. Essas famílias são as doadoras do sangue. Matando-as todas, nossa civilização perecerá. Menos os híbridos que não precisam dessa revitalização. As próximas gerações serão hibridas e toda nossa semente morrerá nos próximos cinqüenta anos.
– Não entendo. O que quer dizer exatamente essa revitalização?
– Há milênios atrás quando começamos a evoluir e nos adaptar ao meio ambiente nosso povo morria jovem por falta de alguns componentes químicos que somente os raios solares conseguem produzir. Era muito difícil alguém sobreviver além dos quarenta anos. Quando chegavam aos trinta anos já era um velho senil. Apesar de nossa inteligência ter aumentado assustadoramente era de pouca utilidade, pois nos faltava tempo. Para demonstrar sua sabedoria a natureza forçou o nascimento de algumas crianças super dotadas e precoces a cada geração para dar continuidade aos trabalhos de seus antecessores. Viver pouco atrasou muito nossa evolução tecnológica, é claro, mas não estagnou. Finalmente foi descoberta a cura para a degeneração do corpo. Conseguimos cruzar o gene de um descendente do nosso primeiro rei, aquele que iniciou a civilização no interior do planeta, com um homem da superfície que estava evoluindo na direção certa. Criou-se a metodologia necessária, o ferramental e, a partir daí começamos a viver mais. Apesar de termos resolvido o problema ficamos dependentes desses híbridos. Eles precisavam morar na superfície por causa do sol. Tivemos que criar um pacto entre nós.
– Um pacto?
– No começo fora fácil. Eles reproduziam entre si – proibimos que cruzassem com outros povos e tudo corria bem. Mas conforme o tempo foi passando ficou difícil controlar. Então dentro desse grupo escolhemos doze famílias e criamos um novo pacto mais às claras. Isto foi na renascença. Em 1497, mais ou menos, calculado pelo ano solar da superfície.
A nave saiu da atmosfera e cruzou o espaço em direção a lua. Margot conseguira se comunicar com o comando da resistência e estavam esperando por ela. Digitou as coordenadas no computador para pousar no lado escuro da lua e programou a velocidade para 0.0125% da velocidade da luz, reclinou o assento deitou a cabeça. Fechou os olhos. Em alguns minutos estaria conversando com o general.
– Que tipo de pacto?
– Nós cuidaríamos deles e eles nos doariam seu sangue a cada cinqüenta anos. Tudo muito simples. A cada geração desceriam na cidade e trocaríamos seu sangue – seria como uma hemodiálise. Uma vez na vida somente. Umas férias. Sairiam da cidade mais inteligente, mais rico, mais culto. As vantagens eram muitas.
– Somente vantagens?
– Tinha os sacrifícios também.
– Quais eram os sacrifícios?
– Não podiam casar com estranhos – somente entre eles. As doze famílias não moravam próximas. Quando o menino estava na idade de se casar os pais procuravam as famílias e escolhiam uma jovem esposa para ele. Depois do casamento viajavam para a cidade subterrânea. Quando voltavam eram outras pessoas… Além de imensamente ricos.
– Isso não me parece sacrifício.
– De alguns séculos para cá, depois das pestes, fome, desentendimento religioso que assolou a Europa ficamos preocupados. No final de mil seiscentos mais ou menos resolvemos que deveríamos ter um casal apartado da família e morando separado, de preferência bem longe, em outro continente, para evitar um desastre onde desaparecessem todos de uma vez. Seria impossível reconstruirmos uma família se todos desaparecessem de uma vez em algum holocausto.
– Esse era um sacrifício. Como era feito?
– Escolhia-se por sorteio.
O veículo circundava a lua pela segunda vez quando o raio trator o capturou e puxou para dentro do hangar encapsulado em pedra. Margot estava em pé esperando o barulho característico do contato entre duas partes de metal quando ouviu o tumm esperado e a nave ficou imóvel. Abriu a porta e desceu pisando firme no chão enxadrezado. Apenas um homem a esperava. Estendeu a mão e a tocou na altura do ombro.
– É um grande prazer revê-la senadora.
– Estou em uma missão de guerra meu general. Precisamos resgatar um prisioneiro na cidade subterrânea.
– Nossos amigos já me tinham avisado, o homem acredita que poderá negociar sua vida por um acordo que nos fará esperar enquanto completa sua preparação para o ataque.
– Ele é jovem, general. Tem apenas sessenta e cinco anos.
– Tem algum plano senadora?
– Estou pensando igual aos homens da superfície: invadir e destruir general. Estou muito zangada com a falta de sensibilidade deste animal. Quero colocá-lo de joelhos perante a assembléia. Vou exigir a eliminação total e sem piedade dos híbridos da classe dele. De todos eles general!
– Não podemos deixar isto voltar a acontecer senadora.
O homem olhou-a com respeito. Os dois caminharam por corredores que mais pareciam labirintos. A iluminação âmbar e a pouca gravidade deixava-os bem humorados a despeito da situação de emergência que os unia.
– Apesar de tudo general, é ótimo estar aqui depois de tantos anos. O senhor se Lembra quando viemos fazer o treinamento de sobrevivência no espaço? Foi há uns duzentos anos não é? Naquela época pensávamos em povoar outras estrelas – fico feliz que essa idéia tenha se tornado inviável – fez uma pausa – desnecessário seria o termo correto. Gosto deste pedaço do universo general. Sinto-me em casa não importa em qual quadrante esteja. Mas lá pelo centro… Não general. Lá é para os não carbônicos. O senhor não acha?
– Concordo com a senhora senadora: Aqui temos toda emoção que precisamos… Gosto de vir aqui e sentir essa baixa gravidade. O corpo fica mais jovem.
Entraram em um globo gigantesco de material transparente onde se via as estrelas com uma limpidez inimaginável. Alguns telescópicos imensos estavam apontados para o centro da galáxia. Centenas de telas estavam espalhadas por todo lado projetando imagens de várias estrelas diferentes ao mesmo tempo. Muitas pessoas de ambos o sexo com uniformes colado ao corpo trabalhavam em grupos ou individualmente na análise deste conteúdo.
Atravessaram o globo e percorreram outro corredor que os levou a uma sala onde se via uma mesa redonda com o holograma da cidade subterrânea saindo de seu centro e alguns homens discutiam e gesticulavam enquanto mostravam um para o outro, ou apagavam, alguma parte da imagem.
– Depois que me contatou resolvi iniciar o planejamento senadora. Esses são alguns dos homens que poderão ajudá-la resgatar nosso amigo.
– Senhores – Levantou a voz se dirigindo ao grupo – Esta é a senadora Margot Liebvnich. Ela será a responsável pela nossa missão. Gostaria que expusessem o nosso plano. Não podemos nos esquecer que existe outro refém que não aquele que queremos resgatar e se agirmos de maneira incompetente poderá sofrer retaliação e isto não nos interessa. Temos o dever de preservar o líder que nos trouxe a melhor administração dos últimos quinhentos anos. Iremos resgatar o visitante… Somente ele! Não devemos por em risco a estabilidade delicada do conflito.
– Era um peso grande para algumas mulheres, mas o preço sempre foi pago e isto acabou fortalecendo o vinculo entre nós. Sempre cuidamos muito bem dessas crianças. Nunca souberam de nada e todos foram felizes com os pais adotivos. Jamais foi preciso usá-los para reiniciar uma família.
– Não deveria ter mais de doze famílias depois desses anos todos?
– Não! Estamos no final de um ciclo. Faltam apenas dois anos para a revitalização e esse é o momento que o número de membros das famílias é menor. Todos já doaram sangue e não poderão mais doar porque o corpo não agüentaria outra transfusão e a pessoa morreria. É nesse momento que novas famílias deveriam se formar. Doze é o numero das famílias originais. É apenas uma referência. Na realidade foram mortas quase cento e oitenta pessoas. Foi eliminada qualquer chance de se formar novas famílias. Não existe mais ninguém com o gene modificado a partir da matriz. Nossa reserva de sangue não está completa e foi decidido que somente será usada nos mais jovens. Nos próximos cinqüenta anos todos os mais velhos morrerão.
– E os que já doaram não podem ter outros filhos?
– Alguns já passaram da idade… Acontece uma alteração química no corpo daquele que recebe o sangue criando uma espécie de imunidade. O sangue do mesmo doador não faz efeito duas vezes.
– Mas os filhos…
– Para os filhos ficarem aptos os pais nunca podem ter doado sangue.
– E o casal de criança apartada da família?
Theófilo pensou por alguns minutos como se não soubesse o que dizer:
– Não sei. Não existe um casal de criança apartada da família. Pela primeira vez desde quando foi instituída essa prática não foi apartado um casal de nenhuma família.
– Mas eu pensei…
– Imagino o que deve ter pensado. Mas você não é uma criança apartada – Sinto muito.
– Mas… Então porque me seqüestraram? O que estou fazendo aqui?
Duas naves deixaram a lua em direção a terra no momento que o sol nascia no hemisfério sul. Entraram na atmosfera queimando o escudo de proteção fazendo parecer a quem observasse da terra que era um meteoro se desintegrando nas altas camadas. Esse era o protocolo. Não podiam se mostrar abertamente. Mergulharam no oceano descendo a oitocentos metros de profundidade. Estacionaram sobre um banco de areia e aguardaram.
Na base lunar o general tentava se comunicar com seus aliados na cidade subterrânea. O plano precisava de ajuda interna. Era impossível entrar na urbe sem alguém disposto a abrir a passagem pelo lado de dentro. Essa segurança sempre fora considerado um exagero, mas agora ele percebia o quanto estavam certos.
– Irmão solicita contato com parente próximo! – articulou mais uma vez ao microfone.
O led vermelho piscou mostrando que o contato não fora conseguido. Apesar de a caverna estar quilômetros abaixo da superfície as ondas de radio atravessava sua espessa parede de rocha com certa facilidade. Há muito tempo tinham transformado seu teto em uma enorme antena conectada à superfície através de milhares de pontos inseridos nas construções levantadas ao longo dos séculos sobre a crosta, o que lhes permitiam receber e transmitir qualquer forma de comunicação.
– É um mau sinal – ponderou – Alguém deveria estar vigiando.
Pensou em usar microondas ou eletromagnetismo para se comunicar, mas a chance de ser detectado aumentaria exponencialmente, não podia se arriscar. Apertou o botão novamente:
– Irmão solicita contato com parente próximo! – Repetiu o chamado.
Preocupado com as possíveis conseqüências do silêncio encontrado do outro lado, sentiu um choque e suas mãos tremeram quando o alto falante começou a emitir ruído antes de a voz urgente encher o ambiente.
– General! Fomos descobertos! Todos estão mortos… Eles estão chegando! – Ouviu-se um estrondo e o radio emudeceu.
O general ficou olhando o aparelho a sua frente hipnotizado.
– Todos estão mortos? – murmurou perplexo.
Levantou-se enérgico após alguns momentos de indecisão e circulou com passadas decididas pela sala, soturno, resmungando para si mesmo palavras duras e raivosas. Parou frente ao console e apertou algumas teclas. O rosto de Margot surgiu sério no visor de titânio.
– Diga general! Até agora não vimos nenhum movimento no canal. Quando nossos amigos poderão abri-lo?
– Não vai, senadora!
– Como?!
– Estão todos mortos. O canalha conseguiu nos vencer.
A senadora ficou em silêncio olhando-o perturbada.
– E agora, general? Está esperando um ataque à base lunar?
– Não acredito nisso. É muito arriscado! A superfície pode entrar na disputa e ele não quer isso. Não está preparado… Por enquanto.
– O que sugere que façamos general. Não podemos ficar esperando indefinidamente…
– Espere um pouco mais… Desligo!
O general levantou-se e caminhou enérgico pelo corredor. Parou em uma porta sem inscrição alguma e entrou intempestivo. Na mesa redonda de centro alguns homens confabulavam debruçados sobre alguns desenhos e gráficos mostrados na tela iluminada que tomava quase todo seu diâmetro.
– Senhores! Exclamou autoritário – Temos um problema urgente. Larguem tudo e ouçam-me.
Continua no próximo capítulo…
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