O Nietzsche de Foucault

Por Vinicius Siqueira

Do Colunas Tortas

“Eu não construo novos ídolos; os velhos que aprendam o que significa ter pés de barro. Derrubar ídolos – isto sim é meu oficio”.

Friedrich Nietzsche

Foucault foi um pensador diferente. Sem dúvida, foi um corte na filosofia. Foucault não era um filósofo, não era um epistemologista, não era um teórico da ciência e nem da teoria do conhecimento. Seu pensamento se dispersou sobre toda a teoria social e a filosofia, produzindo aquilo que ele chamou de arqueologia e, posteriormente, genealogia.

Para muitos, seus trabalhos são de arqueogenealogia, trabalhos que envolvem a análise enunciativa (arqueologia) e a história sob o ponto de vista do poder (a genealogia), entretanto, sua criação imaginativa não é totalmente crédito de sua genialidade. Na verdade, sob o ponto de vista foucaultiano, não há genialidade criadora tão fácil de identificar, já que os enunciados já foram há muito ditos e cabe aos sujeitos, normalmente, repetí-los. Enunciados são possibilidades históricas e não individuais.

Então, de onde vem a inspiração foucaultiana para a arqueogenealogia? São várias influências, que passam da interpretação de Hegel feita pelos filósofos franceses, pela filosofia da ciência de Bachelard e Canguilhem, pela discussão dos círculos marxistas franceses e termina em nosso alvo no presente artigo: Nietzsche.

Os usos de Nietzsche

foi um filósofo explosivo, mas somente parte dessa dinamite ficou nas mãos de Foucault: a genealogia do poder nietzscheana foi transformada em matriz de análise ao autor francês. Primeiramente, Michel Foucault se desvencilhou do humanismo presente na França do pós-guerra. Depois, utilizou o espírito nietzscheano para dar mobilidade às práticas sociais através de um trabalho de pesquisa e interpretação das condições de possibilidade de seu surgimento.

Explico: para Foucault, o objetivo da pesquisa não é encontrar uma verdade que está esperando ser descoberta por um método apurado. A pesquisa produz significados, produz verdade. Verdades que funcionam como ficções, mas não mentiras.

Quando Foucault trabalha inserindo as práticas sociais em suas condições históricas, o efeito imediato é desnaturalizar qualquer prática: por exemplo, as práticas sexuais. Em seu trabalho sobre a história da sexualidade, cada prática sexual é colocada num jogo de relações que lhe dão condição de existência. É necessário realizar esta desnaturalização e olhar todas as práticas sob um ponto de vista histórico para observar os regimes de verdade que lhes dão suporte e, assim, condicionam nosso modo de pensar (e de agir).

O problema das pesquisas (principalmente políticas) era o uso da dicotomia entre verdade-ilusão, ciência-ideologia. Para Foucalt, essas dicotomias já não têm espaço. O problema da política, por exemplo, não é a ilusão, mas é própria verdade. Deve-se entender que o problema é própria verdade na medida em que as relações de saber-poder, os discursos e as práticas de exercício do poder, fabricam e legitimam uma verdade que se impõe como natural, absoluta e incondicional.

Assim como Nietzsche, nunca foi objetivo de Foucault mostrar caminhos: seu livro sobre a história da loucura nunca apontou a maneira correta de tratar loucos, pelo contrário, exibia cruamente a maneira como a psiquiatria se formou a partir da loucura e como sua atividade sempre foi de cortar a razão da desrazão, separar o sujeito racional do século XIX do sujeito irracional dos séculos anteriores. Não havia mais espaço, então, para o louco místico, tolerado por ter uma ligação mais próxima com Deus ou por prever o futuro, como os séculos anteriores à ascensão do iluminismo possibilitaram.

Os caminhos para qualquer superação do presente estavam abertos, mas não apontados.

Na verdade, Foucault lida com singularidades históricas: a construção de um novo modo de vida não passa pelo questionamento do ser enquanto sujeito transcendental, mas sim enquanto sujeito histórico. Desta forma, a superação também não está no recolhimento, na boa moral, na ação individual libertadora, mas sim na ação em sociedade, na transformação dos próprios regimes de verdade para a construção de um mundo diferente.

Não há um “si mesmo” individual, mas uma singularidade histórica que deve ser sempre construída a partir da visão do “nós mesmos”, das relações que constituem os sujeitos.

2018

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