O que tem para hoje
O que tem para hoje? Uma reflexão sobre a velhice.
Quem, como eu, já passou dos 80, deve acautelar-se em relação a alguns insidiosos inimigos. Os maiores, penso eu, são a entropia física e a cristalização mental e espiritual. A primeira é inevitável. O peso e o preço dos anos incidem sobre nossa estrutura física e orgânica. Mas, a outra pode ser evitada.
Um dos agentes responsáveis por esse processo cristalizador é o apego a pretensas verdades absolutas, apregoadas, dentre outros, por algumas religiões e ideologias, que delas se autoproclamam detentoras.
No atual estágio de evolução da humanidade, a verdade absoluta soa como deslavada ficção.
Não faltam dúvidas e paradoxos neste mundo mutante, mas há quem abrace dogmas, talvez por sentir-se mais seguro no quadradinho das certezas.
Fazendo contrapontos, há quem, a exemplo do filósofo Alan Watts, entende que o mais sensato é a insensatez de ser uma metamorfose ambulante – como Raul Seixas em sua música – e lançar-se de peito aberto no turbilhão das incertezas. Algo assim como caminhar com a alma leve na travessia do desconhecido, cruzar a ponte na escuridão para encontrar a luz na outra margem. Essa decisão requer coragem.
Para os mais renitentes, pensar assim é flertar com o caos. Porém, o que é o Caos (com maiúscula)? Os filósofos quânticos creem na existência de uma “Ordem Implícita” no aparente caos, sempre realinhando e reorganizando as coisas no Universo. Para eles grande parte da humanidade não percebe a infinita sucessão de ciclos regendo a vida, e que a única certeza no Cosmos é a mudança, a transformação constante.
Mas, voltando à velhice, recordo as palavras de Mário Quintana em um de seus poemas: “Vamos abrindo mão das certezas, pois já não temos certeza de nada. E isso não nos faz a menor falta. Paramos de julgar, pois não existe certo ou errado, e sim a vida que cada um escolhe e experimenta”.
Bom seria nós os idosos e também os mais jovens – por que não? – cultivarmos essa liberdade de espírito. Alados são os pensamentos a arriscar voos em todas as direções.
É o que tem para hoje.
P.S .: O autor desta crônica também não tem certezas a respeito do que escreveu.
Por Gilberto Silos.
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