Por Milton T. Mendonça
A tela ficava lá em cima do cavalete. Toda branca. O ateliê na semi-escuridão esperava ansioso pelo rosto que seria esculpido. O artista perambulava pelas ruas à espreita, procurava a mulher misteriosa que o perseguia em sonho. Ela era bela como a primavera, cabelo solto ao vento, olhar perdido no horizonte, tez branca como a lua em céu de brigadeiro.
Os dias passavam lentos, monótonos. Nos fim de tarde, cansado pelo caminhar constante ele pensava vê-la cruzando a rua ou virando uma esquina e corria em seu encalço ansioso, desesperado. Mas, somente encontrava mulheres vulgares, olhares vazios, sorrisos sem esperança. Parava abrupto e se virava aterrorizado, voltando para seu ateliê que, como ele, esperava. Solitário.
No dia seguinte, a procura recomeçava. Uma luz brilhava em seus olhos famintos. Os dedos percorriam a tela em branco, traçando as linhas do rosto, o formato do nariz. Ele a amava.
Foi num desses dias abafados, calorentos, que ele resolveu mudar o rumo dos passos. O artista, encurvado pelo tempo, caminharia por novas veredas. O ateliê se iluminou. A tela em branco, única, sentiu-se viva. Reflexo colorido tingiu fugaz sua trama virgem.
Ele partiu. Atravessou o rio. Pagou o barqueiro e seguiu caminho observando as pessoas que passavam céleres atrás de seu destino.
Caminhou por toda região até o cair da tarde. O sol já pensava em se pôr quando ele a viu. Correu como sempre fazia, ansioso. Pode vê-la ao virar a esquina entrando na casa amarela no fim da rua. A lâmpada acesa jogava uma luz triste no chão de terra. Ele parou, coração apertado, uma angústia latejando no peito. Uma lágrima rebelde caiu pela pálpebra semi-aberta, descendo frouxa pelo rosto cansado.
“Era ela?” “Finalmente a encontrara?” Correu como nunca. Seus pensamentos se chocando, tentando se libertar da angustia de mais um engano. O sorriso esperançoso forçando saída. Ele correu. A casa baixa o esperava. A porta aberta, escancarada, o convidava a entrar. Segurou o medo, como se segura um cavalo selvagem e entrou. Na sala vazia, sobre uma mesa dura de madeira negra, ela estava deitada. Seu rosto branco, ainda belo, sorria para ele. Ela estava morta.
Uma dor aguda atingiu seu peito. Um grito mudo sufocou sua garganta. Depois do enterro solitário, ficou três dias e três noites sentado ao lado do tumulo, cismando. Levantou-se no final do terceiro dia, sem olhar para os lados e desceu até o rio onde se sentou a margem. algum tempo depois o encontraram morto.
Foi recolhido pelos funcionários da prefeitura e levado ao necrotério. Despachado pelo médico, foi enterrado, talvez por falta de espaço, ou quem sabe, simplesmente por ser indigente, na mesma cova onde estava a moça solitária.
Alguns anos depois, na hora de recolher os ossos, encontraram os dois abraçados e ao lado o retrato acabado.
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