O sal da terra

 

O sal da terra

Uma antiga fábula relata a história de um jovem que queria ser um Mestre  Espiritual. Era sua maior aspiração. Filho de uma família abastada e aristocrática, recebera esmerada educação. Distinguido com vários títulos acadêmicos, admirável era sua inteligência e formação cultural. Seu fascínio pelos mistérios espirituais e esotéricos levou-o a renunciar a tudo. Alguém, de sua intimidade, sugeriu-lhe procurar um monastério distante da cidade. E para lá se dirigiu o nosso jovem.

Chegando ao monastério, bateu insistentemente na porta. Como ninguém o atendesse, decidiu aguardar ali mesmo nas escadarias do templo. Permaneceu no local por vários dias. Dormiu nos degraus frios, padeceu fome e umidade das chuvas 

Finalmente alguém o atendeu e o conduziu à presença do Grão Prior, a quem revelou suas nobres aspirações.  Ouvido atentamente, recebeu uma resposta positiva, em tom solene:

– “Muito bem, você pode ser um dos nossos. Aqui há muito a aprender e pode ser um bom caminho para realizar suas aspirações. Nossa jornada diária abrange estudo, práticas espirituais e trabalho. A disciplina é rígida e há muito trabalho”.   

– “Para mim está bem”, – respondeu o jovem com o coração agradecido – “farei o melhor e me submeterei humildemente a todas as regras”.

– “Então jovem discípulo, pode começar o seu trabalho. Pegue o balde e a vassoura. Limpe o piso e os sanitários”.

– “Mas, Grão Prior, não há outro trabalho para mim? Tenho vários títulos acadêmicos”.

O Grão Prior, calma e pacientemente redarguiu: “Aqui não fazemos distinção de tarefas. Todo trabalho necessário é nobre. .

Muitos anos se passaram. Aquele jovem, agora nem tanto, empenhou-se a fundo naquela que considerava a missão de sua vida. Destacou-se pelo seu brilhantismo nos estudos, e pela diligência nos trabalhos e práticas. Nos velhos alfarrábios da biblioteca do monastério encontrou respostas para os mistérios do Universo e inspiração para seus ideais. Tornou-se um orador como poucos. Sua eloquência, aliada à sua inteligência e sensibilidade, a todos impressionava.

Um dia, foi chamado à presença do Grão Prior que, já avançado em anos, olhou-o com bondade, e falou pausadamente:

– “Meu caro discípulo, seu tempo entre nós já terminou. Com muita honra enalteço seu brilhantismo. Nada mais há para você aprender aqui. Portanto, já está liberado”.

– “Então, finalmente, já sou um Mestre espiritual !”, exclamou o discípulo com os olhos brilhando.

A essa manifestação de júbilo o Grão Prior respondeu seriamente:

– De forma alguma você já é o que está imaginando. Sua passagem por este monastério foi apenas a primeira etapa de uma longa caminhada. Você leu muito, meditou mais ainda, aprendeu o máximo que podemos ensinar. Entretanto, para ser um Mestre ainda lhe falta muito. Talvez nem o consiga nesta encarnação. Você não tem a vivência prática do conhecimento aqui adquirido”. O conhecimento sem aplicação não passa de  erudição vazia, inócua. Calado, o discípulo ouvia as ponderações do ancião.

-“Agora é chegado o momento de você retornar ao mundo de onde veio e empregar tudo o que aprendeu em benefício da humanidade. Será sua grande prova. Conhecimento é poder. Poder transformador. Se  bem empregado mudará as coisas para melhor. Essa é a missão. O seu fiel cumprimento será um capital anímico, o mérito necessário para tornar-se um Mestre”. 

-“Volte ao convívio com os homens. Você encontrará um mundo conturbado, reflexo dos conflitos humanos. Certamente não encontrará a paz deste monastério. Mas cuide para que ela esteja em seu coração. Conhecerá o Bem e o Mal em suas formas mais extremas; os bons e os infames; miseráveis e opulentos; os egoístas, sedentos de poder, e os idealistas generosos. Faça a diferença. Seja você mesmo a mudança que pretende no mundo, mas sem soberba. Que as ações falem mais alto que suas palavras.

Aturdido com o que ouvia o discípulo perguntou: – “Mas quem me dará atenção? Quem me ouvirá? 

– “ Alguns  lhe darão importância e eles  serão o começo. Lembre-se da exortação do Divino Mestre: “Sede o sal da terra e a Luz do mundo”. O sal cumpre a sua função de dar sabor ao alimento. Ninguém  o vê, mas sua presença é percebida. Que seria do alimento sem ele? Faça seu trabalho sem alarde, mas doe-se nele”.

-“Seja o sal da terra.  Já será o suficiente”. Namastê!

Por Gilberto Silos  

 

  

Sobre Gilberto Silos 223 Artigos
Gilberto Silos, natural de São José do Rio Pardo - SP, é autodidata, poeta e escritor. Participou de algumas antologias e foi colunista de alguns jornais de São José dos Campos, cidade onde reside. Comentarista da Rádio TV Imprensa. Ativista ambiental e em defesa dos direitos da criança e do idoso. Apaixonado por música, literatura, cinema e esoterismo. Tem filhas e netos. Já plantou muitas árvores, mas está devendo o livro.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*