O sentimento ainda vive…

Foto: Dawid Zawiła

 

O sentimento ainda vive…

por Alexandre Lúcio Fernandes

Um zelo singelo contorna nosso corpo, causando um furor que domina nossos gestos. O sorriso, meio acanhado, dissimula uma fadiga, porém, ele é seduzido por algo que ainda martela lá no fundo; algo que ainda respira. A alma se ouriça com tamanha ansiedade, desejando desalojar as palavras escondidas pelo tempo. Pois lá dentro, os sentimentos se amontoam, parecem em desuso, espaçados e meio cobertos por um tecido fino de desconfiança.  Ainda que latentes, um manto cobre-os com indecifrável mistério, como se fosse uma noite ousando perdurar, e um sol abstendo de nascer.

O silêncio perdura, gritando por nossos poros, realinhando nossos pedaços desajustados e entregues pelos cantos, passivos e abandonados. É fé que ainda navega nos rios internos, ainda empurrados por um surrupio leve de quem muito se arrasta, alimentando meios de persistir no passo legítimo. Nos rasgamos por inteiro, para encontrar a força que nos permite sorrir; para compreender essa lacuna que nos aquieta e nos impõe em sono, numa flutuante involuntária. A alma, dilacerada, no fundo, tenta se recompor em meio às nuances, agora tão incorpóreas.

Apenas existimos em parcelas, sustentadas por contornos que vez ou outra se dissipam, sem sintonia, com as lágrimas que teimam em fugir pelos olhos. Viver tem momentos que exigem coragens absurdas, como pulos cegos em abismos, ou escaladas em montanhas íngremes. Não é possível explicar essa tormenta que afunila o coração com inquietantes emoções, sensações escorregadias que parecem sufocar nossos desejos mais sinceros. A alma tem fissuras pelas quais a chuva ainda penetra, feito um telhado cheio de goteiras, furos por onde a esperança dribla os muros doloridos.

Respiramos para atenuar, dar voz ao que sobrevive dentro de nós, pois o sangue ainda purifica, cicatriza, pulsa por todo o corpo. O corpo se distorce e entoa, declama a vontade excessiva de um espírito que cede para renascer, se espalhar em felicidades. Acordamos todo dia para confrontar, mostrar a nós mesmos que estamos determinados em se manter de pé. Ainda existem sorrisos que abraçam nossos olhos; olhos que ainda amam nossos sorrisos. É através de pequenos gestos que abastecemos o coração, o ‘motor’ que nos move. Porque o sentimento, este sim, ainda teima em viver.

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