Data de leitura: 07-07-2023 a 07-07-2023 Nome: Luísa FRESTA
Ficha de leitura
Título: O SOL NO CAMINHO
Autor: Sérgio Bernardo[1]
Editora: selo Off Flip ©
Coleção/ Edição: –
Ano de publicação: 2019
Género literário: Haicai
Número de páginas: 139
Resumo:
A compilação de haicais de Sérgio Bernardo, que acabo de reler, ao cabo de dois anos, apresenta-se-me agora como um livro novo. Não poderia, portanto, estar mais de acordo com o conselho de Carlos Martins, que assina o prefácio de O SOL NO CAMINHO:
“(…) a segunda leitura de um haicai, geralmente abre novas possibilidades de interpretação. Então, leitores, seu desejo por mais poemas pode se realizar ao relerem este mesmo livro (…)”.
O livro contém cem haicais dispostos harmoniosamente pelas páginas e acompanhados por sóbrios desenhos a preto e branco de Olga Yamashiro (ilustradora e origamista), com silhuetas de pássaros e outros elementos da natureza, folhas, galhos, ramos e arbustos, sempre com traços finos e seguros, sombras e pontilhado. As imagens estão, como seria de se esperar, intimamente ligadas à temática predominante do livro (caraterística dos haicais originais), ou seja, a natureza.
O projeto gráfico assinado por Mariana Poli é muito agradável quanto ao formato (nada convencional), tamanho e tipo de letra, sem falar na própria disposição dos desenhos em relação ao texto. A foto de capa, da autoria de Sônia Brandão foi também uma escolha muito feliz.
“Dessas mexericas[2]
Colho metade do pé ─
A outra é das aves”
P.11
Sérgio Bernardo louva a natureza praticamente em todos os textos. Minimalistas, exatos, precisos e suaves. O autor contempla a natureza e nós contemplamos os haicais; o leitor vai encontrar muitas aves e insetos, pardais, pombos, canários, corujas, sanhaços, gaviões, morcegos, abelhas, mosquitos, mariposas, entre outros animais, aprender sobre fauna e flora brasileira, conhecer ou reconhecer espécies nativas e trazidas de outros pontos do globo.
O leitor não brasileiro vai certamente achar curiosos e engraçados certos nomes de aves e plantas com os quais não está familiarizado. Talvez até os conheça por outro nome: a ponte entre as várias designações é, necessariamente, a imagem.
Por exemplo, a viuvinha, pássaro presente em várias zonas do Brasil, assim como o canário-da-terra; o sabiá, considerado popularmente como a ave nacional do Brasil; o bico-de-lacre, originário da África subsaariana; a mosca-das-frutas, que tem muitas espécies nocivas para a fruticultura; as tarturanas, lagartas que podem libertar toxinas nocivas; os vaga-lumes, que eu conhecia sobretudo como pirilampos…
Nesta obra vamos também encontrar referências a muitas frutas, árvores e flores (quase lhes sentimos o cheiro e o sabor!) que fazem parte da nossa infância ou ambiente habitual, do nosso imaginário ou recordações. A ameixa, o ipê, a acácia, as bananas, a cerejeira, a nespereira, a orquídea, o milho, o cipreste e a palmeira, a dália, o hibisco, e a íris.
Mas há também outras plantas que podemos conhecer por outros nomes: a grama (relva), a palma de santa-rita (gladíolo), o flamboyant (acácia-rubra) ou os agapantos (flor do amor, de origem africana). Não se espante se passar por versos que falam de folhas de taioba, jabuticabeiras ou quaresmeiras: algumas destas árvores ou arbustos são nativas do Brasil, outras podem ter sido lá introduzidas em diferentes momentos.
Como curiosidade, saiba o leitor que o autor, na sua dedicatória, menciona explicitamente a principal fonte de inspiração para o livro:
“Para Seu Francisco (em memória), cujo quintal, vizinho ao meu,
Inspirou grande parte destes haicais.”.
Então, veja bem tudo aquilo que o haijin Sérgio Bernardo nos oferece através dos seus haicais: ele dá-nos, para além de imagens suaves e poderosas, a possibilidade de uma nova familiaridade com a terra e algumas chaves do diálogo com o planeta.
Sobre a forma poética haicai, Regina Alonso, autora do posfácio, relembra que se trata de um “poema de 17 sílabas em 3 versos (5/7/5)”. E acrescenta, sobre a presente obra:
“(…) Sem hermetismos, numa linguagem simples, os haicais de Sérgio Bernardo seguem a última lição de Bashô a seus discípulos: que eles não compusessem haicais de forma muito rígida, pois ‘a flor do haicai está na frescura de sua escrita’(…)”.
Concordo com esta análise, posto que o autor cumpre a essência e o espírito do haicai, essa forma poética breve de origem japonesa que ganhou o mundo e que o mundo ganhou também. A esse propósito recordo que muitos autores de várias origens continuam a dedicar-se a homenagear e expandir o haicai. Jorge Luis Borges é um ilustre exemplo: após uma viagem ao Japão, publicou vários haicais que reuniu no livro La cifra, em 1981.
Vejamos outros temas também abordados por Sérgio Bernardo:
Sociedade
“Casa demolida ─
Como toda a família
Marimbondos sem teto”
P.112
A presença humana e o quotidiano
“Do ipê [3]caem flores ─
O varredor só vê lixo
Onde vejo o belo”
P.17
Serenidade
“Manhã silenciosa ─
Quase é possível ouvir
o arrastar das nuvens”
P.59
No posfácio de Regina Alonso (O caminho do haicai), ela refere-se ao autor nestes termos:
“(…) Leio os haicais de Sérgio Bernardo e descubro um haicaísta de fato. Seus haicais querem dizer, exatamente, o que dizem (…)”.
Creio que para opinar sobre uma forma poética tão sintética, depurada, breve, faz sentido que economizemos as palavras, cingindo-nos ao essencial. Por isso sublinho que O SOL NO CAMINHO é um livro de grande merecimento para quem começa a saborear o haicai e para quem já tem alguma rodagem como leitor desta forma poética.
Onde encontrar o livro: O sol no caminho (haicais) | Selo Off Flip (selo-offflip.net)
[1] “Sérgio Bernardo, aos poucos fui descobrindo, é cronista, poeta e haicaísta que entende como poucos o ofício de um escritor, seja em prosa ou em verso (…)”. In prefácio, de Carlos Martins
“(…) nome artístico de Sérgio Corrêa Miranda Filho é jornalista, poeta, contista, cronista e haijin (…)”. Excerto da badana do livro.
[2] Tangerina ou tangerineira (Brasil). Fonte: Priberam
[3] Pau d’arco. Fonte: Priberam
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