O velho casarão

 

O velho casarão

 

Nestes dias de janeiro, dias tensos, por sinal, o Brasil anda assombrado por fantasmas do passado. Passado, que prefiro permaneça nos compêndios de História, aguardando o seu julgamento. Ficar olhando pelo retrovisor, em vez de mirar perspectivas, nunca nos trará a paz. Por melhor que tenha sido o passado, não vale a pena repeti-lo. A vida é dinâmica e os ponteiros de seu relógio caminham sempre para frente. O passado deve apenas servir de lição e suas feridas, algumas ainda não cicatrizadas, indicam o que não devemos fazer, nunca mais. Seguir adiante, olhando para frente, talvez seja o melhor conselho que a História possa oferecer.
Em meio a essas preocupações correntes, procuro sempre uma pausa refrescante, uma brisa suave para me abstrair um pouco dessa dura realidade. Hoje, uma sexta-feira calorenta de verão, encontrei esse refúgio leve na beleza da poesia de Cora Coralina.
Estou degustando, mais uma vez, as páginas do livro “Poema dos becos de Goiás e estórias mais”, onde a sensibilidade mágica dessa poeta goiana canta o mais puro dos Brasis, o Brasil do interior de Goiás, Brasil-Central, Brasil-coração.
Um dos poemas – “Velho Sobrado” – evoca lembranças dos tempos de minha infância e adolescência na cidade de Casa Branca, pequena cidade paulista encravada na região antigamente chamada de Média Mogiana. Nela ainda sobrevivem ao tempo e aos homens, alguns belos casarões. Um deles, localizado na Praça Ministro Costa Manso, antigo Largo da Boa Morte, era o sobrado da família Guerreiro. No estilo colonial mineiro, foi construído no século XIX. Luiz guerreiro e seu filho único, Edgar, foram meus professores de História no ginásio. Eram pessoas admiravelmente cultas, com várias viagens pela Europa. Deles guardo gratas recordações, principalmente do velho professor Luiz, profundo conhecedor da história brasileira, sobretudo daquelas passagens que, por alguma razão ou vergonha, os livros didáticos não abordam. O casarão assobradado era um autêntico museu, onde a família mantinha obras de arte e uma boa biblioteca.
Há cerca de dez anos estive em Casa Branca e, para minha tristeza, notei a situação de abandono em que se encontrava o imóvel. Era visível seu estado de deterioração. Isso surpreende, porque pelo que consta o prédio já estava tombado pelo Patrimônio Histórico. Como a família não deixou descendentes, desconheço quem tem a posse do imóvel, mas por se tratar de patrimônio tombado cabe responsabilidade ao Poder Público.

 

VELHO SOBRADO

“Um montão disforme. Taipas e pedras,

amarradas a grossas aroeiras,

toscamente esquadrinhadas.

Folhas de janelas.

Pedaços de batentes.

Almofadas de portas.

Vidraças estilhaçadas.

Ferragens retorcidas.

Abandono. Silêncio. Desordem.

Ausência, sobretudo.”

Essa parte do poema de Cora Coralina me fez viajar ao passado, a recordar o velho sobrado dos Guerreiro. Como ele deve estar nos dias de hoje?

Por Gilberto Silos

 

Sobre Gilberto Silos 225 Artigos
Gilberto Silos, natural de São José do Rio Pardo - SP, é autodidata, poeta e escritor. Participou de algumas antologias e foi colunista de alguns jornais de São José dos Campos, cidade onde reside. Comentarista da Rádio TV Imprensa. Ativista ambiental e em defesa dos direitos da criança e do idoso. Apaixonado por música, literatura, cinema e esoterismo. Tem filhas e netos. Já plantou muitas árvores, mas está devendo o livro.

1 Comentário

  1. Fiquei muito curiosa e com vontade de conhecer esses velhos casarões que devem guardar lembranças de muitas pessoas…no entanto, como você disse, tudo que é passado, ficou no passado, o relógio anda sempre para frente.
    Abraço, amigo Gilberto!

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