O VELHO E O MAR – de Ernest Hemingway

Data de leitura:                                               01-08-2024 a 05-08-2024                             Nome: Luísa FRESTA

Ficha de leitura

Título:                                      EL VIEJO Y EL MAR

Autor:                                       Ernest Hemingway[1]

Editora:                                    Random House Mondadori ©

Coleção/ Edição:                    –

Ano de publicação:                 2004

Género literário:                      Novela

Tradução para espanhol:       Lino Novas Calvo

Número de páginas:               112

 

Resumo: O Velho e o Mar, a última grande obra de ficção publicada em vida do autor, é um livro que há muito aguardava na minha mesa de leitura, por variadíssimas razões: o tema, o autor e as recomendações insistentes dos amigos. Creio que nunca li nenhuma novela parecida, tão intensa, com tão poucas personagens e passada quase exclusivamente no mar.

A maior parte da história é contada como um monólogo, um diálogo com a própria sombra, ou um ruminar de ideias. Hemingway, como muitos dos grandes narradores, foi também moldado pelo jornalismo e pelas experiências vividas e testemunhadas. Por outro lado, sem a sua paixão pela pesca artesanal – e profundo conhecimento – e a permanência em Cuba, por exemplo, esta novela não teria sido escrita nestes termos, tão realistas, tão vistos e sentidos de perto. A estadia em Cuba deu-se após a Segunda Guerra Mundial, na qual o autor foi correspondente de guerra. Hemingway usa uma linguagem sóbria e simples para nos falar dos limites da força e da veemência das obsessões. A narrativa é comovente e acentua a ideia do sucesso extraído de uma abissal derrota.

Mas desengane-se quem pensa que o livro é só o relato de um velho pescador que se fez ao mar, sozinho, para recuperar a sua dignidade e respeito na comunidade, uma vez que a sorte parece tê-lo abandonado. Será isso, mas muitíssimo mais.  É difícil acrescentar algum comentário original sobre uma obra que catapultou o seu autor para o prémio Nobel, em 1954. Já tudo foi dito, desconstruído, interpretado.

Em todo o caso, um dos aspetos mais marcantes é a relação de profunda cumplicidade e amizade que une Santiago, o velho pescador, a Manolín, jovem companheiro de pescarias. No tempo da narração o rapaz não está com ele no mar, mas ampara-o em todas as circunstâncias, alimenta-o, protege-o, encoraja-o a pescar e promove a sua sobrevivência, autoestima e paz de espírito.

Essa relação é verdadeiramente especial, sóbria, protetora, como a de um avô e um neto muito próximos e cuja união, indestrutível, não carece de palavras.  Santiago é um pescador cubano adepto fervoroso de basebol, dos New York Yankees e de Joe DiMaggio, bastante solitário, que atravessa um deserto interior devastador, um momento de profunda frustração, por não conseguir pescar nada durante quase três meses. Na verdade, o livro refere oitenta e cinco dias: parecem mais de três meses pois dia após dia a angústia e a consciência do fracasso abrem uma ferida ainda maior na autoestima de Santiago, sobretudo quando compara os seus revezes ao sucesso de outras embarcações e pescadores.

O velho é um homem cheio de coragem e determinação, para quem a dignidade parece ter um valor maior do que a própria vida, ou a sobrevivência. Porque para ele não há vida sem esse autorrespeito e a consideração da comunidade. Nesta novela, os conhecedores do ofício de pescador apreciarão também as minuciosas descrições dos instrumentos usados no barco, os anzóis, os iscos, todas as ferramentas, equipamento, cuidados, rotinas e procedimentos.

As armadilhas da meteorologia, a imensidão e os caprichos do mar, os perigos, os peixes, tudo é referido exaustivamente, com uma grande delicadeza, rigor e paixão. Santiago embarca numa aventura silenciosa que nos é contada por diálogos imaginários e pensamentos soltos. Resiste estoicamente à dor, à fome, à exaustão. E após uma dura luta consegue pescar um descomunal espadarte. Ocorreu-me comparar a aventura desta personagem com o próprio autor, cujo espírito aventureiro e atração pelo risco são sublinhados em inúmeras análises.

É uma luta temerária em que se observa o respeito do homem pelo animal, que, no entanto, acaba por capturar após um período de astúcias, cansaço mútuo, perseguição e navegação quase à deriva. Não há como ignorar a violência desta perseguição; o ato de pescar o espadarte (ou marlim) oferece um momento de glória do velho pescador, por todo o sofrimento que implica de parte a parte.  Diria que Santiago não terá ficado em muito melhor estado do que a sua vítima. Por outro lado, a novela continua intensa e assustadoramente viciante após esta prolongada batalha, uma vez que o pequeno barco é perseguido por tubarões, um após outro, cada vez mais numerosos, astutos e ferozes.

O leitor vai temer pela vida de Santiago ao longo das páginas que se seguem, estará em constante sobressalto. Mas ao mesmo tempo deverá aperceber-se que a força do velho pescador advém de não temer a morte, uma vez que ele próprio é um predador, um resistente, um homem aquém da vida e além da morte. A sua missão, obsessiva e pessoal, é proteger a sua presa a qualquer custo. Santiago irá enfrentar uma luta violentíssima com vários inimigos traiçoeiros e quase invencíveis para tentar salvaguardar a integridade do grande peixe.

A partir deste ponto todos os comentários seriam supérfluos, indesejáveis mesmo. Trata-se do desfecho do livro, e ninguém deve intrometer-se nessa intimidade construída entre leitores e escritores.

A título de curiosidade, sublinhe-se que esta narrativa foi escrita em Cuba em 1951 e publicada em 1952, a pedido da revista Life. Em suma, O Velho e o Mar (que li nesta belíssima tradução em língua espanhola apenas porque era o exemplar disponível na biblioteca da zona), é uma novela imprescindível sobre coragem, solidão, sobrevivência, a violência inata dos seres vivos e as teias invisíveis do afeto. E, acima de tudo, sobre dignidade.

[1] Biografia do autor: “Ernest Hemingway nasceu em Oak Park, no Illinois, a 21 de julho de 1899, e suicidou-se em Ketchum, no Idaho, em julho de 1961. Em 1953 ganhou o Prémio Pulitzer, com O Velho e o Mar, e em 1954 o Prémio Nobel de Literatura. Romances como O Adeus às Armas ou Por Quem os Sinos Dobram, além do já citado O Velho e o Mar, consagraram-no como um dos grandes nomes da literatura do século XX..”

Fonte:  https://www.wook.pt/autor/ernest-hemingway/29983/122

 

 

 

 

 

 

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Sobre Luisa Fresta 39 Artigos
Luísa Fresta, portuguesa e angolana, viveu a maior parte da sua juventude em Angola, país com o qual mantém laços familiares e culturais; reside em Portugal desde 1993. Desde 2012 assina crónicas e artigos de opinião em jornais culturais, revistas e blogues de Angola, Portugal e Brasil, essencialmente sobre livros e cinema africano francófono e lusófono. Esporadicamente publicou em sites ou portais culturais de outros países como Moçambique, Cabo Verde e Senegal. Em 2021 e 2022 traduziu O HOMEM ENCURRALADO e ESPLANADA DO TEMPO, ambos do poeta brasileiro Germano Xavier (edição bilingue português-francês/Penalux). Em 2022 ilustrou o poemário infantojuvenil DOUTRINA DOS PITÓS, do poeta angolano Lopito Feijóo (Editorial Novembro). Desde 2020 mantém um grupo virtual intitulado ESCOLA FECHADA/ MENTE ABERTA, criado no início da pandemia, destinado a divulgar literatura infantojuvenil e artes plásticas, nomeadamente ilustração, com especial incidência no universo lusófono e francófono. O principal objetivo é consolidar os hábitos de leitura das crianças, estimular a leitura em família e o gosto pelo desenho; e aproximar escritores e ilustradores de leitores e da comunidade escolar. Tem textos dispersos por antologias, alguns dos quais integraram projetos pro bono, e outros premiados em Portugal e no Brasil, desde 1998; assim como um livro de poesia vencedor do prémio literário Um Bouquet de Rosas Para Ti, em Angola, atribuído pelo Memorial António Agostinho Neto (2018). Curiosidade: o poema Casa Materna, que dá título ao livro (originalmente designado por Casa ambulante), foi distinguido com o 2º prémio de poesia internacional Conexão Literária (Câmara Municipal de Divinópolis/Brasil) quando a obra já se encontrava em processo de edição. OBRAS DA AUTORA: Contexturas (contos, baseados em quadros de Armanda Alves, coautora), Livros de Ontem, 2017; Março entre meridianos (poesia, 1º prémio “Um Bouquet de Rosas para Ti”), MAAN, 2018; Março entre meridianos (reedição), Livros de Ontem, 2019; A Fabulosa Galinha de Angola (infantojuvenil), Editorial Novembro, 2020; Sapataria e outros caminhos de pé posto (contos), Editorial Novembro, 2021; Burro, Sim Senhor! (infantojuvenil), Editorial Novembro, 2021; Casa Materna (poesia), Editorial Novembro, 2023; A Idade da Memória (infantojuvenil, contos inspirados na poesia de Agostinho Neto. Coautora: Domingas Monte; ilustrações: Júlio Pinto), Mayamba Editora, 2023; No País das Tropelias e Desventuras (Coleção Capitão/ infantojuvenil), Editorial Novembro, 2024.

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