Os jogadores de cartas
Na minha infância, minha casa era um verdadeiro cassino. Meu pai gostava de jogar cartas e recebia parentes e amigos que passavam a noite jogando. Eu sempre fiquei encantada com o jogo e não me cansava de ver as gravuras das cartas de um baralho comum. Gostava dos ouros, das copas, das espadas e dos paus. Gostava de ver os ases, os reis, as damas ou rainhas, os valetes, os coringas, enfim, aquele emaranhado de figuras fascinantes. Mas o engraçado de tudo isso é que nunca tive vontade de jogar e acho que de todos os meus irmãos, sou a única a não jogar baralhos ou qualquer outro tipo de jogo. O meu interesse foi conhecer os 22 Arcanos Maiores do Tarô de Marselha, Egípcio ou qualquer outro, pela beleza das gravuras e mais ainda pelo significado de cada uma.
O Tarô representa o caminho do iniciado que começa na carta número 1, do Mago e termina na carta 21, do Mundo, é claro que, se o iniciado conseguir passar todas as fases do seu aprendizado. Um iniciado não pode desistir pelo caminho, deve chegar ao final na carta 21…mas somos livres para escolher ou não, chegar ao final de um caminho ou perambular sem rumo, andando em círculos. Um iniciado pode desistir no meio do seu caminho (quando encontra uma pedra?). Nesse caso, ele fica vagando numa carta sem número ou carta 0, que é o louco do Tarô, uma figura peculiar carregada de uma simbologia explícita – A figura de um andarilho, com uma sacola nos ombros à beira do abismo, prestes a cair ou saltar e um cão que morde a barriga da sua perna, talvez seja esse, o único resquício de consciência que lhe resta. Ele adquiriu conhecimento, carrega o mesmo em sua sacola, mas não sabe o que fazer com isso, fica como um louco, perdido e sem rumo.
Mas voltando ao baralho comum, o jogo de baralho sempre me encantou ver os outros jogando, mesmo nunca jogando. Este ato simbólico e ao mesmo tempo banal, mexe comigo. Gosto de manusear os baralhos, ver cada carta, o colorido, as figuras, o tamanho e a sensação de embaralhar as cartas, senti-las nas mãos. Cada carta conta uma longa história através dos desenhos, que remonta o antigo Egito ou ao emaranhado dos antigos conhecimentos guardados secretamente. E nos traz de volta tudo isso, como se descobríssemos algo que estava latente em nosso inconsciente.
E contei tudo isso porque quero mostrar abaixo algumas pinturas de Paul Cézanne, um dos meus impressionistas queridos e depois uma obra do ilustrador coreano Kim Dong- Kyu.
Paul Cézanne pintou uma série de cinco quadros onde retrata personagens sentados em volta de uma mesa jogando cartas. Todos esses quadros tem o mesmo nome “Os jogadores de carta”. Ele pintou no final de sua vida. E tem um desses que me encanta demais.
Só uma observação: No quadro abaixo, cinco pessoas estão neste ambiente, todos em silêncio e concentrados. Três homens estão jogando e duas pessoas estão observando, também em silêncio. Uma figura feminina, sentada, acompanha o jogo. Era exatamente assim que eu ficava em minha casa acompanhando o jogo e os jogadores (só que em minha casa o número de jogadores era maior). Quando vi o quadro me identifiquei instantaneamente e esse quadro de Cézanne me fascina. A memória de sensações sempre está em alerta, não é mesmo?
Elizabeth de Souza
22-02-2022
E olha só o que aconteceu com a gente:
No quadro abaixo uma ilustração de Kim Dong-Kyu
Para saber mais de Kim Dong-Kyu:
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