“Os meus filmes têm uma ligação muito forte com a realidade”, diz João Batista de Andrade

JOÃO BATISTA DE ANDRADE (à direita) na FLIP 2019 com o escritor Joaquim Maria Botelho

por Samuel Sena

ENTREVISTA / JOÃO BATISTA DE ANDRADE

João Batista de Andrade, escritor, produtor, roteirista e diretor de cinema e televisão, nasceu em 1939 em Ituiutaba (MG). Em sua juventude, teve que abandonar a Faculdade no último ano, por conta do golpe militar de 1964, além de ter seu primeiro filme, o documentário “Liberdade de Imprensa” (1967), apreendido pelo Exército no Congresso da UNE, em 1968. Dirigiu grandes filmes como “Paulicéia Fantástica”, “Doramundo”, “O Homem Que Virou Suco”, “A Próxima Vítima”, “O País dos Tenentes”, “O Cego que Gritava Luz”, “O Tronco”, “Rua Seis, Sem Número”, “Veias e Vinhos – Uma História Brasileira” e “Vlado, Trinta Anos Depois”, e, como escritor, publicou “Um Olé em Deus”, “A Terra do Deus Dará”, “Perdido no Meio da Rua”, “Poeira e Escuridão”, “Portal dos Sonhos”, entre outros. O cineasta falou sobre sua vida e obra, além das transformações e desafios do cinema brasileiro.

O que mais lhe move hoje, o cinema ou a literatura?

Eu comecei a escrever e a filmar quando eu era universitário. Ingressei na universidade nos anos 60, em engenharia – naquele tempo não havia muita opção, ou você era engenheiro, ou médico, ou advogado – porque eu gostava muito de matemática. Aí passei a tomar contato com coisas que eu não conhecia ou conhecia pouco, como o mundo da cultura, literatura, cinema e música. Além de me apaixonar pela literatura de Tolstoi, Stendhal, Dostoievski, e especialmente Graciliano Ramos, me apaixonei violentamente pelo cinema. O momento era de uma renovação muito grande, estava começando o Cinema Novo no Brasil, e na Itália o Neorrealismo Italiano. Quando houve o golpe de 64, eu tive que sair da universidade no quinto ano e fiquei muito isolado em um apartamento. Já sabia que mesmo formado eu não ia ser engenheiro, eu seria escritor ou cineasta. Optei pelo cinema porque era o que me dava uma profissão, apesar de não parar de escrever. Escrever, fazer cinema e política faz parte da formação da minha juventude. Eu lido bem com estas três áreas de atuação. Neste momento a situação do cinema está muito difícil, temos um governo anti-cultural. A literatura não exige que você saia captando recursos, incentivo, aprovação de governo, então no momento estou mais voltado para a literatura.

O que distingue o cineasta bom do ruim?

Eu não sei o que é um filme ruim. Você pode não gostar de um filme, mas é sempre um julgamento difícil, é como julgar uma pessoa. A pessoa às vezes se expressa mal ou não expressa ideias interessantes, mas é uma pessoa. Ela pode ter um processo interno bom, de pensamento, mas não conseguir se expressar da melhor forma. Eu aprendi a diferenciar o bonito do belo. O belo é mais sublime do que beleza. Eu aprendi que o belo não está nos lugares bonitos. Eu sempre preferi filmar o povo e me identifiquei mais com ele do que com a elite da qual um dia almejei estar próximo. Naquele momento em que eu estava na universidade eu percebi que no fundo eu me identificava mais com as pessoas que não eram ricas.

Os problemas continuam os mesmos e ao mesmo tempo também são outros. O cinema atual trabalha bem os temas sociais e políticos? Ao seu ver existe uma maior dificuldade em abordá-los hoje?

Na época em que eu era estudante, num momento de muitas ideias no Brasil que foi os anos 60, era natural que o cinema fosse mais politizado e houvesse a busca de um cinema mais profundo e revelador. A renovação do cinema se dá no final dos anos 50 até 64. O cinema com o qual eu me formei é um cinema que tem um certo espírito épico. Não que os outros não sejam épicos, mas minha geração acreditou muito em um futuro brilhante para o país. Hoje não há esse sentido épico. Os próprios jovens não acreditam mais, há muita desesperança, os filmes falam muito sobre dramas pessoais. Os jovens tendem a pensar que tudo está perdido. É uma geração que está lidando com uma dificuldade nova, uma dificuldade enorme de tentar se expressar e ao mesmo tempo mostrar este incômodo, este vazio que a própria realidade está impondo, principalmente agora com este governo.

O seu filme “A Próxima Vítima” mostra uma visão diferente a respeito da abertura política e da redemocratização do país durante os anos 80, diferente de muitos que acreditavam que grandes mudanças estavam por vir.

O filme não revelava a esperança de que aquilo ia proporcionar uma grande mudança, o que é interessante, pois mostra os meus dois lados. Os meus filmes têm uma ligação muito forte com a realidade. Não são minhas ideias ou esperanças que os conduzem, mas o que eu descubro. Tenho uma paixão pelo cinema que tenta revelar a realidade e retirar a névoa, a mistificação que existe sobre a realidade; portanto, às vezes, os filmes são amargos.

15-07-2019

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