Os pés de barro
Entre 1803 e 1804, mesmo sofrendo de uma surdez já avançada, Beethoven compôs a sua Terceira Sinfonia. Também chamada de Eroica, ela marcou o fim do Classicismo e o início do Romantismo na música erudita.
Beethoven dedicou a Eroica a Napoleão Bonaparte, a quem admirava por entender que personificava os ideais da Revolução Francesa, de “Igualdade, Liberdade e Fraternidade”. Via no corso um gênio militar que combatia com todas as suas forças os poderes da Igreja e os monarcas absolutistas que reinavam na Europa.
O tempo e os fatos históricos, porém, trouxeram-lhe uma grande desilusão, ao revelarem o caráter e as intenções de Bonaparte. Os ideais libertários transformaram-se em tirania e desejo incontido de poder.
Já tendo conquistado boa parte do território europeu, ele mesmo se coroou imperador na catedral de Notre-Dame, adotando o título de Napoleão I.
Aquela admiração converteu-se numa profunda aversão. O genial músico alemão, num acesso de ira, quase destruiu o manuscrito original da Eroica, revogando a dedicatória a quem muito admirava. Indignado, declarou: “Ele não é mais que um mortal comum. Agora vai pisotear os direitos dos homens. Imagina-se superior a todos e transformou-se em tirano”.
Napoleão Bonaparte, acabou derrotado pelos seus inimigos. Morreu em 1821, encarcerado na Ilha de Santa Helena. E Beethoven descobria, então, que seu ídolo tinha os pés de barro e acabara de ruir.
A história da humanidade é povoada de muitos ídolos de pés de barro. Geralmente, homens dotados de forte carisma, que conseguiram empolgar e iludir multidões com seus feitos e sua retórica sedutora. Mas, o tempo e as circunstâncias se encarregaram de revelar seu verdadeiro caráter e suas verdadeiras intenções, justamente os seus pés de barro. Mais tempo, menos tempo, acabaram ruindo, esfacelando-se. Alguns foram executados, outros encarcerados ou acabaram no mais profundo ostracismo. O pó do esquecimento é a pena mais suave para aqueles que traem seus ideais e seus povos.
Nesse particular, o Brasil não é diferente das outras nações. Sua história registra, também, a presença de falsos heróis que conseguiram e conseguem enganar o povo por algum tempo. Esta crise econômica e moral que atinge nosso país revela que estamos cercados de ídolos de pés de barro. Tornam-se apenas heróis de si mesmos, fadados ao fracasso final.
Por Gilberto Silos
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