Pelo que seu coração sangra hoje?

Por Eliane de Fátima Camargo[1]

A pergunta que hoje é título deste texto, já havia feito no texto da coluna passada: “O chicote muda de mãos e as lutas são ressignificadas”. É pensando sobre ela que construo as linhas que seguem…

-Pelo que seu coração sangra hoje?

No momento que escrevi aquele texto, tomada pela voz chameguenta de Gonzaguinha, o questionamento me pareceu mais poético do que filosófico. No entanto, em um dos comentários, feito pela querida leitora, Teresa, a pergunta me foi devolvida. Não conheço a mesma, mas agradeço a leitura e a devolutiva da indagação, que me rendeu algumas boas horas de inquietude.

A devolutiva me fez lembrar um comentário que me fizeram uma vez:

-Cuidado para não criar problemas que não pode resolver-

Devo dizer, meu lado filosófico prefere mais as perguntas, do que as respostas.  Embora, as respostas sejam sim, muito necessárias.

Sendo eu: a mulher, a estudante, a educadora, a mãe… Esta questão me fez pensar sobre várias formas de respostas, mas hoje,  me permito a ser, somente a humana. Pois é a partir dela que todas as minhas faces se constroem. Lembrando Nietzsche: sou humana, demasiadamente humana!

A minha resposta, não poderia ser diferente: Meu coração sangra pelas vozes que são silenciadas, pela violência que muitas pessoas estão sofrendo, inclusive, enquanto escrevo. Meu coração sangra por não poder mudar o mundo. Meu coração sangra, porque minha escrita, ainda que seja a minha luta, não é suficiente para modificar as estruturas de um sistema opressor.

Por mais que eu escreva contra o fascismo, temos um fascista sentado na cadeira da presidência. Por mais textos que escreva contra o racismo, contra a desigualdade, contra a homofobia, contra o machismo. A violência continua tendo endereço certo, a periferia. São corpos negros, corpos de mulheres, que são mortos todos os dias, apenas por serem quem são.

Por mais que escreva todos os textos possíveis sobre a educação, ela continua sendo negligenciada pelos governantes e por grande parte da sociedade.

Ainda que, por nuances diferentes, percebo que todos os dias sangro pelas mesmas coisas. O coração de revolucionárias (os) é cheio de feridas que doem, que não cicatrizam. Contudo, é também revolucionária a esperança que nos move, pois a luta não é só feita com armas, é preciso se encher de coragem para que  não percamos a guerra, antes mesmo de começar.

É certo, a resposta que mais me dói: Meu coração sangra porque diante do mundo, sou o que Galeano, em sua escrita crítica, definiu: Sou a ninguém, que luta também, por muitas (os) “ninguéns”. Como ele diz:

“Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada. Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos: Que não são, embora sejam. Que não falam idiomas, falam dialetos. Que não praticam religiões, praticam superstições. Que não fazem arte, fazem artesanato. Que não são seres humanos, são recursos humanos. Que não tem cultura, têm folclore. Que não têm cara, têm braços. Que não têm nome, têm número. Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local. Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata[2].”

Mas hoje, diferente de todas as respostas que até então escrevi, meu coração apenas sangra…

Me perdoem, esta resposta, vou  guardar para mim.

[1] Professora, feminista. Graduada em Filosofia, Sociologia, especialista em metodologia do ensino e mestranda em Filosofia (PROF-FILO-UNESPAR)

[2] GALEANO, Eduardo. O livro dos Abraços. Trad. Eric Nepomuceno. 9ª ed. L8PM. Porto Alegre, 2002, p. 42.

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