Brien Fing nasceu em Gana. Seu pai era embaixador do Reino Unido no país africano. Viveu em Acra até o final da adolescência, quando o pai diplomata foi convocado para ser o representante de Elizabeth II na Colômbia. O jovem teve que se adaptar muito rápido à vida num país sul-americano. Ainda mais em um que vivia o drama da guerrilha e do narcotráfico. Aos 16 anos, ao sair da escola, foi sequestrado pelas Farc. Do centro de Bogotá foi conduzido à floresta.
Na mata conviveu um longo tempo com os terroristas, tendo que atuar no esconderijo como cozinheiro, garçom e gari. O problema maior era realizar todas essas tarefas algemado e vendado. Toda vez que Brien Fing salgava demais a comida, derrubava suco na mesa ou deixava lixo jogado pelo acampamento era castigado. A punição mais comum era ler dezenas de vezes O Livro Vermelho, de Mao Tsé Tung. Em chinês. Como tudo na vida tem o seu lado positivo, a condenação acabou tornando Brien Fing um grande poliglota. Ao ser libertado pelas forças armadas colombianas, já estava decidido: seria diplomata como o pai.
Pela habilidade com os idiomas, e por ter feito um curso supletivo em Relações Internacionais no Paraguai, logo conseguiu a vaga de cônsul de Gana em Assunção. Queria muito chegar a embaixador de sua nação na China. Pediu até apoio ao pai influente, mas este já abandonara a carreira para redigir os briefings das entrevistas de Elizabeth II à imprensa.
Em função disso, foi obrigado a aceitar postos em nações não tão estratégicas. Começou pela Somália, depois Congo, Libéria e Sudão. Seu último posto nessa fase foi Togo. Para conseguir despachar teve que construir a própria embaixada e acumular as funções de motorista, faxineiro, porteiro e mordomo dele mesmo.
Como realizou tudo com a eficiência esperada foi promovido. Gana o enviou para a Ucrânia durante a guerra contra a Rússia. Em Odessa, por sua experiência junto às Farc, Brien Fing era diariamente colocado como escudo humano em frente a escolas, creches e hospitais. Por se tratar de um cargo de risco, sempre que não era atingido por algum estilhaço, podia passar fins de semana alternados descansando em Mariupol. A hospedagem, no interior de tanques ucranianos, era paga pelo governo ganense.
Por isso, sua participação, essa semana, no encontro com embaixadores em Brasília foi tão prazerosa. Para quem havia saído de um país em ruínas, até se sentar sobre um formigueiro seria esplêndido. Houve até um instante, no final do evento, que Brien Fing, de tão satisfeito, quase bateu palmas. No entanto, ao notar o silêncio ao redor, desistiu de aplaudir. Ao deixar o local ainda viu que tinham escrito seu nome errado no telão: BRIENFING. “Depois dessa, melhor ser escudo humano na Ucrânia” – declarou ironicamente a jornalistas, antes de pegar o voo para Kiev.
Na longa viagem de volta, certamente pensou: “que Gana nunca tenha ganas de me nomear embaixador no Brasil. Antes Senegal que Distrito Federal…”
(Publicado originalmente no Estadão)
Realmente, uma vergonha mundial.
Por que diabos estamos neste buraco há três anos e meio?
Temos que sair dessa ou vou para Kiev também.