Quimera – Capítulo III

Quimera –  Capitulo III

Por Milton T. Mendonça

A manhã ensolarada enchia de luz o calçadão e as lojas cheias de gente nos convidava á entrar. Fui seguindo Elisa enquanto olhava as vitrines esperando ver em seu rosto o brilho da vontade de possuir algo. Passamos por uma joalheria e nos deparamos com algo insólito. Uma cruz trabalhada artesanalmente na madeira Olea europaea incrustada em ouro. A vendedora nos jurou que a madeira era uma antiguidade e que fora deixada na loja naquele mesmo dia com a ordem expressa de entregá-la a primeira pessoa que se interessasse por ela. Colocou-a sobre o balcão e foi chamar o proprietário: Um judeu baixo com a barba pela cintura e um kipá no alto da cabeça. Ele nos cumprimentou em iídiche e nos convidou para ir ter com ele em seu escritório nos fundos da loja.

– Meu nome é Gamaliel.

Dissera solene.

– Fui incumbido de entregar o presente á você.

Anunciou olhando para mim.

– Presente! Que presente?

Perguntei espantado levantando-me da cadeira onde sentara esperando ter a chance de negociar o único objeto que Elisa mostrara interesse.

Gamaliel abriu um sorriso de orelha a orelha mostrando várias obturações de ouro 18k e estendeu a cruz em minha direção.

– O pedaço de madeira usado para confeccionar a cruz é parte da árvore que serviu de amparo para o Cordeiro em um momento de grande aflição emocional logo após a mais bela homilia registrada pela história. O ouro incrustado em seu corpo foi retirado das minas de Ufir na época da construção do  templo de Salomão e guardado por séculos após sua destruição por Nabucodonosor II até ser trabalhado pelas mãos hábeis do artesão e dada a Lucano, o apóstolo que não conhecera seu mestre, por ter salvo a vida do filho de um grande e poderoso mercador. Provavelmente nos primeiros cinco ou dez anos do holocausto do Cordeiro ainda no século III ou IV A.C. É o símbolo do Deus desconhecido. O Deus escondido pelos Judeus que Lucano procurara a sua vida toda o encontrando somente em Jerusalém muito tempo depois de o sacrifício ter sido consumado.

– Diz a lenda que ele estava na Grécia, na casa materna, quando o céu escureceu naquele dia fatídico. O jovem médico sentiu o impulso irresistível de sair pelo mundo atrás do chamado que lhe fora feito e quando anunciado todos que o amavam o consideraram louco quase sendo preso por sua genitora. Fora salvo no último momento por seu padrasto romano.

– Nunca ouvi falar de Lucano… Século III ou IV A.C. Não compreendo! Esse símbolo já era sagrado?

– Pelo nosso calendário o Cordeiro não nasceu no século I, mas no século III ou IV A.C. Irônico não é?  Esse símbolo já era adorado por algumas sociedades secretas no Egito, na Grécia e na Persa há centenas de anos. É o símbolo do Deus desconhecido e tem uma forte ligação com o Deus Judeu.

– Mas e Lucano?

– Lucano é o nome grego de Lucas. O apóstolo retardatário.

– Por que o presente para mim? Deve valer uma fortuna…

– Você encontrou a porta. Bateu e ela se abriu.

Olhei para Elisa e ela sorriu de volta. Não percebi espanto em sua expressão apenas concordância. Voltei a olhar para o judeu e pude ver poeira do deserto em sua barba grisalha. Suas mãos velhas e enrugadas apoiada no tampo da mesa sugeriam que seu dono era um erudito e passara a vida vasculhando livros em busca de conhecimento.

– Porque o espanto?  Você buscou… Viajou em busca da verdade. Lutou contra a escuridão… Foi sincero na sua jornada.

– O que significa esse presente?

– Não tenha medo! O presente não são algemas, mas um amuleto. Você está entrando em um território muito perigoso. A escuridão vai caça-lo… Persegui-lo incansavelmente na tentativa de conquistar sua alma. Vai tentar confundi-lo. Vai tentar iludi-lo. Vai tentar fazê-lo  desistir. Porque sabem que a partir de agora você vai resgatar almas… Vai invadir o inferno e trazer de volta á luz as almas que eles capturaram.

– Você é o inimigo que deve ser destruído a qualquer custo…

Articulou a última frase me entregando a cruz e se levantando. Fizemos o mesmo. Gamaliel contornou a mesa colocou os braços em nossos ombros e nos empurrou gentilmente para fora da loja.

A luz do sol me cegou por um segundo e quando olhei para a porta ele havia desaparecido. A cruz em minhas mãos brilhou e senti uma força irresistível me puxar unindo meu ser a sua matéria delicada e uma nova vitalidade preencheu meu corpo como se minhas células recebessem uma carga de energia vivificadora.

– Vamos almoçar?

Elisa perguntou segurando minha mão e me levando em direção ao carro. Andamos pela multidão calmamente até chegarmos a Rua Rubião Junior.

De repente me lembrei de que não havia comprado nada para ela e me voltei apressado. Com certeza aquele Judeu esquisito tinha algo que iria interessa-la. Corri para loja e entrei pela porta como um furacão. Estaquei perplexo ao perceber que não era uma joalheria, mas uma oficina de bijuterias. Retornei a calçada e olhei a fachada. Não havia me enganado era ali mesmo. Tornei para dentro e mandei a atendente chamar Gamaliel.

– Não existe nenhum Gamaliel aqui, senhor.

Respondeu categórica.

– Moça! Acabei de conversar com ele agorinha mesmo. Por favor, chame-o para mim.

Rebati com convicção.

– O senhor está enganado. Não saí daqui a manhã toda e não o vi entrar.  E não conheço nenhum Gamaliel.

Desesperado com a recusa da atendente atravessei rapidamente o acesso ao lado do balcão e me precipitei para os fundos da loja. No meio de uma confusão de material de artesanato três moças trabalhavam ouvindo musica sertaneja pelo radio. Abri a porta seguinte e me deparei com o banheiro. Nada mais havia.

– Senhor! Se não sair imediatamente vou chamar a policia.

Ouvi a voz da atendente ás minhas costas.

Voltei-me e sai para a calçada pedindo desculpas pelo inconveniente. Quando cheguei ao carro Elisa me esperava encostada ao paralama calmamente.

– O que houve?

Perguntou-me enquanto abria a porta. Entrei e me debrucei sobre o volante escondendo o rosto. Estava mortificado pelo que acontecera e não conseguia explicar o desaparecimento de Gamaliel e da joalheria. Liguei o Chevrolet e sai do estacionamento me dirigindo lentamente em direção ao fundo do vale.

– O que aconteceu?

Elisa voltou a perguntar me olhando curiosa.

– Voltei a joalheria e não a encontrei. Em seu lugar existe uma oficina de bijuterias… Muito menos Gamaliel. Você o viu não é mesmo?

– Claro!

– Você tem uma explicação plausível para isso?

Perguntei-lhe voltando minha cabeça em sua direção.

– Você quer lógica?

– Sim! Por favor.

– Lógica é besteira. A lógica somente serve para acalmar a razão. Não significa absolutamente nada. A não ser que esteja construindo algo… Como uma máquina, por exemplo. Ou um algoritmo. Aí sim a lógica é muito útil. Fora isso somente serve para enganar os sentidos e desviá-lo da verdade. As maiores mentiras da humanidade foram levadas a cabo usando a lógica para convencer os incautos. O cérebro foi criado para trabalhar com a lógica e isso o desarma e o faz acreditar no que está vendo ou ouvindo. Quando muitas vezes é a apenas o exercício da imaginação de algum espertinho.

– Espera aí!

Gritei e freei o veículo fazendo ranger os pneus.

– Como deverei explicar isso? Com as emoções?

– Também não. As emoções são tão ou mais prejudiciais do que a lógica. A emoção nos leva a praticar atos abomináveis…

Enquanto falava os carros que vinham atrás começaram a buzinar enchendo o ar com uma sensação de urgência me fazendo ligar o motor do Chevrolet e acelerar saindo do caminho.

– Como devo explicar isso?

Perguntei mais uma vez. Olhei para Elisa com o rosto rubro de cólera. Se ela não me desse uma explicação razoável a mandaria descer ali mesmo e nunca mais queria vê-la de novo.

– Com o espírito. Com a inteligência. A inteligência é a linguagem do espírito. Quando a usamos verdadeiramente sem deixar nenhum ruído vindo da lógica ou da emoção interferir percebemos a verdade.

Olhei para ela espantado e comecei a rir. Gargalhei feito um louco fazendo o automóvel zigzaguear pela rua abrindo uma nova seção de buzinadas. Encostei-me ao meio fio e fiquei ali rindo e desafogando minha mente que estava preste a explodir.

– Isto é alguma brincadeira?

Perguntei depois de conseguir me acalmar.

– Detesto religião. Nunca me preocupei em conhecer os mistérios que para mim devem continuar sendo mistérios.

– Suas atitudes diante dos problemas e suas virtudes morais foram consideradas satisfatórias. Você foi alistado…

– Como? Mas…

– Estamos em uma guerra. Ou você se torna nosso aliado ou nosso inimigo. Não existe neutralidade.

– Não podem fazer isso comigo. Nem sei quem são…

– Nunca ouviu falar de Jonas e a baleia? Você está na mesma situação que ele…

Liguei o carro enfiei o pé com força na embreagem e arrastei a marcha para a primeira pisando fundo no acelerador disparando pela Avenida Teotônio Vilela ultrapassando os veículos a minha frente com buzinaços rápidos e estridentes. Estava zangado e dirigi em silêncio até o restaurante onde estacionei com uma guinchada de pneus assustando os transeuntes e deixando o porteiro impressionado com minha habilidade.

– Vou continuar pintando!

Exclamei quando nos sentamos á mesa.

– Não é problema…

Ela respondeu com o sorriso zombeteiro.

O almoço foi servido e comemos em silêncio. Meus pensamentos estavam a mil por hora. Não sabia o que pensar. Tentei me lembrar da história de Jonas e somente pude pensar em como Deus o perseguiu por não ter aceitado suas ordens. Fora jogado no mar pelos tripulantes do navio onde se escondera e fora engolido por uma baleia e levado exatamente para onde tinha sido mandado. Não conseguira escapar.

Revi minha vida e depois de analisar os prós e os contras achei melhor obedecer. Não achei muito interessante servir o outro lado. Não gosto de escuridão. Sorri com a perspectiva de conhecer algo que muita gente daria um braço para saber. Almocei tranquilo pedi sobremesa e café para os dois. Paguei a conta com meu cartão de crédito deixando uma pequena gorjeta. Estava de bom humor apesar de tudo. Afinal, pensando bem, estava do lado de Deus.

Saímos do restaurante e caminhamos até o estacionamento. Colocava a chave na fechadura quando fomos abordados por três homens. Dois deles seguraram Elisa que não se debateu ou emitiu som algum apenas aceitou tranquilamente as mãos em seu braço. O outro tocou meu ombro e sussurrou em meu ouvido:

– Não faça alarde e acompanhe-me, senão sua amiguinha morrerá.

Levei um susto enorme e pensei correr, mas olhando para Elisa percebi o sinal imperceptível de seus olhos e seu semblante calmo me tranquilizou.

– O que vocês querem? Vou chamar a polícia.

Ouvi a gargalhada dos dois homens que seguravam Elisa e me senti ridículo.

O leve puxão no braço me fez acompanha-lo até o carro estacionado no meio fio. Sentado no banco do carona outro personagem aguardava. O enorme óculos escuros tapava quase metade de seu rosto macilento e seus cabelos finos e louros encoberto por um chapéu de feltro negro era visível apenas na nuca.

Fomos empurrados para dentro do automóvel e ladeados pelos dois brutamontes. O motorista ligou o motor e saiu lentamente aumentando a velocidade gradativamente enquanto nos afastávamos do restaurante.

Fomos jogados no quarto da casa velha de fazenda como sacos cheios de ossos. Não sabia onde estava apesar de ter tentado obsevar o percurso. Depois que saímos do asfalto e adentramos pela zona rural perdi totalmente a noção de espaço. Meu senso de direção nunca fora o meu forte e agora me deixara na mão outra vez.

– Onde estamos?

Perguntei a Elisa.

– Silêncio!

Exclamou seca.

Com os olhos mostrou o espelho na parede e percebi que estávamos sendo observados.

Esperamos por horas sem nos comunicarmos. Toda vez que tentava iniciar um diálogo ela cortava furiosa.

Finalmente quando já não conseguia enxergar minhas próprias mãos a luz negra acendeu no teto e a porta se abriu deixando entrar o homem de óculos escuros e chapéu de feltro. Em seguida entraram os dois acompanhantes com cara de poucos amigos.

– Por favor, senhor, queira nos acompanhar.

O homem falou suavemente enquanto os dois capangas seguraram o meu braço e fui levado para fora do quarto. O corredor longo e estreito finalizava em uma sala sem janelas com apenas quatro portas uma ao lado da outra distante mais ou menos dois metros entre si. O homem de chapéu de feltro abriu a mais próxima e descemos as escadas que nos levou ao subsolo. A luz negra era a única iluminação disponível e embaralhava a visão. Estava em todos os lugares. Uma sensação incômoda tomou conta de mim.

Percorremos outro corredor estreito e claustrofóbico que nos levou para outra sala maior, também sem janelas. Fui obrigado a me sentar na cadeira frente a mesa disposta bem no seu centro. O homem de chapéu de feltro sentou-se do outro lado e ficou me observando sarcástico. Ele havia tirado os óculos escuros e seus olhos eram duas bolas vermelhas sem íris sem pupila sem nada. Apenas duas bolas enormes e vermelhas. Não consegui desviar os olhos de tão impressionado. Senti falta do meu material de pintura.

– Quero a cruz do doutor!

Exclamou com a voz gutural e profunda.

Sacudi os ombros e fiz a careta de quem não entende o que está ouvindo.

Ele ficou me observando por algum tempo fixamente.

– Quero a cruz!

Exclamou mais alto com ódio na voz.

– Não sei do que está falando.

Respondi firme.

No mesmo instante deu um tapa com toda força no tampo da mesa fazendo estremecer a cadeira onde eu estava sentado.

– Porque não me explica que cruz é essa?

Perguntei com a expressão mais inocente que consegui encontrar por detrás do susto.

Levantou-se chutando a cadeira que voou longe e saiu da sala batendo a porta. Estava furioso.

Fiquei sozinho, mas não arrisquei qualquer movimento. A luz negra deixava fantasmagórico tudo que olhava e isso mexia com meu equilíbrio.

Passara-se algum tempo onde o silêncio era a minha única companhia até que a porta se abriu e outro individuo surgiu sorridente do outro lado. Esse era baixo corpulento com a camisa larga e florida por fora das calças, olhos maliciosos. Trazia nas mãos um charuto fumado pela metade e uma garrafinha com alguma bebida alcoólica. Era a imagem do turista norte americano. Colocou o charuto na boca e pegou a cadeira colocando-a de pé e sentou-se folgadamente.

– Olá! Sou o conselheiro Mike.

Afirmou me olhando simpático.

– Fiquei sabendo que está com a cruz. Espero que seja um rapaz de juízo e a entregue ao homem. Ele é muito impaciente e pode ser cruel quando contrariado.

– Não sei do que está falando.

– Sabemos que esteve com o judeu.

– Que Judeu?

– Aquele da joalheria… O estraga prazer.

– Porque ele quer a cruz?

Resolvi mudar o rumo do interrogatório e tentar entender o que estava acontecendo.

– Que é isso! Você sabe! O carnaval está chegando. E esse é o centésimo…

– Tem a minha palavra que não sei do que está falando.

Respondi firme olhando nos seus olhos.

– Você é novato? Não foi treinado, não é?

Ele perguntou depois de demonstrar surpresa e confusão. Sua gargalhada fez  sacudir a mesa quase derrubando-o ao chão.

– Não vejo onde está a graça.

Afirmei demonstrando meu descontentamento.

– Você é religioso?

Perguntou-me se recompondo.

– Não!

– Acredita na religião?

– Talvez.

– Tudo que se ouve dentro de um templo é a pura verdade. A guerra entre o bem e o mal. O domínio do mal por mil anos. A prisão de Lúcifer e sua volta triunfal… É tudo verdade.

– Isto quer dizer o que?

– A cada cem anos Lúcifer tenta escapar de sua prisão. Estamos nos preparando para mais um ritual centenário para seu retorno. E dessa vez estamos preparados não falta nada… A única coisa que pode atrapalhar seu retorno é a cruz de Lucano. Não podemos deixar que nosso esforço seja sabotado. Não dessa vez!

– Como ela conseguiria atrapalhar?

– Ela iluminaria a escuridão necessária para o ritual.

– Ainda não compreendo.

– Você não conhece o ritual, não é mesmo?

– Não! Nunca ouvi falar…

– É complicado…

– Diga como é.

– Hummm… Está bem! O ritual consiste de energia, ausência de luz, os componentes físicos para fazer ligação com a dimensão espiritual, o sacrifício de um corpo como substituição por aquele que queremos. Local data e hora adequada onde as forças necessárias se agruparão para maximizar a energia e finalmente o cântico secreto dito em voz alta pelo sacerdote.

– Isso é uma piada? Você está me tirando para bobo? Até parece um filme B muito mal elaborado.

–  Essa sempre foi a nossa maior jogada: Fazemos todos acreditarem que é tudo fantasia. Coisa de criança. Quando se dão por conta já perderam suas almas e estão nos ajudando.

– Você não explicou como é o ritual…

– É simples. Na meia noite da segunda feira que antecede a terça-feira de carnaval, a noite em que milhares de entidades maléficas menores estão soltas no país, pegamos o espelho circular de um metros de diâmetro laminado em prata pura colocamos no centro de uma encruzilhada tendo no ombro esquerdo o muro ou o campo de um cemitério com três corpos recém-enterrados e no direito um tridente composto por três ruas com o dente central se transformando no cabo que comporá a encruzilhada onde realizaremos o ritual. Acendemos três velas equidistantes no perímetro do espelho apagamos todas as luzes em um raio de quinhentos metros no mínimo e evocamos Lúcifer através do cântico secreto enquanto sacrificamos alguns corpos inocentes. Normalmente de crianças. O mais difícil é encontrar as disposições geográficas já que essa configuração de rua onde um tridente seja fácil de visualizar não é muito corriqueira. Com o cemitério em sua margem esquerda é quase impossível.

– O que acontece, então?

– Ora! Lúcifer e seu staff serão libertados e o mundo sofrerá pelos seus pecados por mil anos.

– E a única coisa que pode malograr o seu intento é a cruz que supostamente está comigo? É isso?

– Exatamente! Com a cruz não será possível manter a escuridão por tempo suficiente. Teremos sete minutos a partir da meia noite para consumar a conjuração. Depois disso somente podemos voltar a tentar daqui a cem anos.

– Porque está me contando tudo isso? Creio que está me enrolando com esse papo de filme de terror trash… Filme de Zé do Caixão.

– Dê-me a cruz! Sabemos que está com você. Não podemos tocá-lo por causa disso.

O homem acabou de falar e seu rosto se transformou em uma máscara horrenda pulando em cima da mesa e babando no meu peito.

O susto foi terrível. Gritei e me joguei para trás caindo de cabeça no chão duro.

– Não sairá daqui até o mestre chegar e dar um jeito nas coisas.

– Entregue-me a cruz e ficará livre!

Exclamou com ódio desceu da mesa e se retirou da sala me deixando sozinho.

Lembrei-me de Elisa e compreendi toda aquela conversa espiritual. Estava tentando me interessar talvez até me explicar o que acabara de saber pelo demônio. Na verdade sempre me interessei pelo espírito, mas nunca dessa maneira. Sempre gostei de pensar mais no lado intelectual, filosófico… Teórico? Será que nunca passei de um  teórico? –  Pensei comigo mesmo – Teórico talvez, mas sincero.  Nunca desejei o mal consciente á ninguém. Nunca ultrapassei o limite entre o bem e o mal… Ou estou me enganando?

O tempo passou lentamente e como ninguém aparecesse e não estava amarrado resolvi tentar escapar. Levantei-me da cadeira e caminhei pela sala esticando as pernas. Nada aconteceu. Nenhum alarme ou pessoa apareceu. Abri a porta com cuidado e tudo permaneceu em silêncio. Sai para o corredor e olhei para ambos os lados. A esquerda imaginei ver a escadaria e segui em sua direção encostado á parede. Subi os degraus vagarosamente e empurrei a porta que se abriu sem esforço. Estava tudo claro com a luz do dia invadindo cada canto da casa. Meus olhos ressentiram com a luminosidade, mas não deixei que isso me parasse. Caminhei em direção ao quarto onde estivera anteriormente e me deparei com Elisa sobre a mesa toda ensanguentada. Aproximei-me e reparei que era apenas tintura apesar do rosto estar um pouco maltratado. Toquei seu braço e ela abriu os olhos assustada. Quando me viu quase deu um grito de alegria. Desamarrei-a e a levei para fora a segurando pela cintura.

O sol quando tocou nossa pele foi como um balsamo. Elisa endireitou o corpo e se afastou andando sozinha. O carro que nos trouxera estava parado próximo ao galpão corremos até lá e entramos sem fazer barulho. Puxei o fio por baixo do painel e fiz a ligação direta saindo ligeiro da propriedade e percorrendo todo o caminho de terra até o asfalto. Voltamos para a cidade deixando o carro no estacionamento do restaurante onde havíamos almoçado. Entramos no Chevrolet e retornamos ao apartamento.

A ansiedade nos manteve em silêncio todo o trajeto e quando chegamos a casa Elisa correu ao banheiro e ouvi o barulho da água escorrendo do chuveiro.

– Ela foi tomar banho.

Pensei comigo mesmo estranhando esse comportamento.

Fui ao ateliê e sentei frente ao cavalete. Não sentia vontade de pintar. Pela primeira vez em muitos anos não senti o impulso de colocar na tela alguma experiência que tivera. Aquilo era assombroso demais precisava conversar com Elisa. Esperei-a sair do banho tomando uma taça de vinho. Esse era o momento para um porre.

Elisa saiu do banho e sentou-se no divã enxugando os cabelos.

– Que nojo!

Exclamou fazendo uma careta.

– O que aconteceu com você?

– Eles babaram em mim… Ai! Que nojo!

Fiquei observando-a se pentear depois de largar a toalha e não me contive.

– Isso tudo é verdade?

Perguntei. Precisava saber a história completa.

– Infelizmente é. Falta uma semana para a porta se abrir. Sinto muito, mas tentei explicar… É difícil explicar para o cético… E convenhamos você é totalmente ignorante sobre as coisas do espírito.

– Se eles são tão espertos como dizem como consegui escapar facilmente?

– Eles usam a lógica e as emoções, mas não a inteligência. Passaram tanto tempo tentando nos enganar que não conseguem mais ver nada além do próprio nariz. Como os humanos, aliás.

– E agora?

– Agora temos que impedir Lúcifer de escapar porque esse sabe usar a inteligência… Será o fim do mundo se conseguir.

– Ele falou sobre o ritual…

– Não se preocupe acredito que não conseguirão encontrar o local apropriado. Destruímos todos que encontramos. Eles podem tentar uma variação… Temos que ficar espertos.

– O demônio que me entrevistou disse que tinha todos os componentes para o ritual. Gabou-se de que dessa vez conseguirão.

Elisa levou um choque com minhas palavras e sua expressão se intensificou.

– Tem certeza? Ele falou que não faltava nada?

– Sim! Disse que dessa vez teria sucesso. Sua certeza era indiscutível.

– Precisamos descobrir o local do ritual…

– Existem poucos cemitérios na cidade não vai ser difícil.

– É! Dê-me a cruz…

Retirei a cruz do bolso e lhe entreguei. Segurou-a e apertou sobre o peito.

Precisamos descobrir o local do ritual urgente…

Continua…

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