Um romance sempre é uma incógnita quando o tomamos pela primeira vez nas mãos. É uma alegria quando ele nos fisga desde as primeiras páginas, mostrando que o narrador tem a força narrativa suficiente para não deixar que desgrudemos os olhos dos parágrafos, que se sucedem como os acontecimentos da vida dos personagens, como se fossem da nossa própria vida. Ou a de pessoas que conhecidas, ou lidas. Vida dos personagens, é claro, mas que são introjetadas em nós à medida que mergulhamos em suas trajetórias, que são, em geral, tão complicadas como a de todos nós, cujas (nossas) vidas dariam romances. Por isso, lemos romances. Por isso, nos deixamos levar na cadência da ficção: porque acreditamos nela, porque um pouco (ou muito), nos identificamos com ela.
Estou falando do primeiro romance do escritor e poeta Wilson Gorj, A inevitável Fraqueza da Carne. Conhecido por ser um exímio cultor da micronarrativa, do miniconto, e de ser o editor da produtiva e qualificada PENALUX, o autor vem agora nos brindar com o seu primeiro romance. Acertando, em cheio, em fazê-lo, escrevê-lo, pois nele encontramos domínio da narrativa e verossimilhança na construção dos personagens, nos levando de capítulo em capítulo, embalados pelo seu ritmo, a usufruir o que de melhor a ficção pode nos dar: embarcar na vida dessas personagens como se as conhecêssemos, ou, de certa forma, vivêssemos as suas vidas. De carne e osso, portanto, os personagens criados pelo autor.
Carlos é casado, sem filhos, leva uma vida tranquila, até que recebe a herança, de certa forma inesperada, do seu pai, um sítio. Ao mesmo tempo que se abre uma porta para o passado, onde se faz presente o trauma do abandono e da traição (seu pai havia abandonado a família por uma outra mulher). Surge a possibilidade de uma nova vida em contato com o meio rural e com as pessoas simples que lá vivem. Mesmo querendo vender o imóvel, vai tomando gosto por aquela vida, onde –principalmente depois de conhecer a filha do caseiro, por quem sente atração, sem saber os desdobramentos de toda a sua história familiar –, se deixa ficar embalado por sentimentos contraditórios.
Há várias metáforas no texto, ou entretexto, sendo a mais sutil a da jaguatirica, que simboliza o inesperado do desejo, e a mais explícita, a relação inversa com o romance de Milan Kundera (A insustentável leveza do ser), que seria mais metafísico, enquanto o romance do Wison Gorj se quer mais realista. Mas eu, como leitor, fico com a imagem certeira da jaguatirica, imagem noturna de nossos sonhos, de nossos desejos, e de nossos pesadelos.
* José Eduardo Degrazia é poeta, escritor e tradutor.
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