Riqueza cultural brasileira é aliada das histórias de terror – ENTREVISTA

 

Qual o elemento essencial do terror? Expoente do gênero mescla folclore brasileiro e conflitos humanos em livro

Jefferson Sarmento, autor de “Terra de Almas Perdidas”, comenta importância das referências nacionais na literatura e tece opiniões sobre as características indispensáveis para uma boa história de horror

Riqueza cultural brasileira é aliada das histórias de terror – ENTREVISTA

 

 

Expoente do terror nacional, Jefferson Sarmento publica o sétimo livro Terra de Almas Perdidas com referências conhecidas do público brasileiro. A obra é baseada na lenda do “cramulhão da garrafa”, o diabinho capaz de realizar qualquer desejo em troca da alma. O escritor e editor explica a escolha: “assim como vampiros, lobisomens e bruxos que povoam livros traduzidos são reinvenções do folclore de outros povos, temos nossas próprias entidades fantásticas que carregam toda uma gama de possibilidades”.

Segundo ele, apresentar essas narrativas conhecidas há séculos no país pode se tornar um convite para que os leitores redescubram suas próprias identidades e conheçam a si mesmos. Mais que isso: “é uma fonte para discutirmos a realidade ao nosso redor e nossos paradigmas enquanto seres humanos”.

Na entrevista abaixo, ele trata sobre este tema e também aborda os elementos necessários para escrever uma boa história de terror, como os conflitos humanos. Leia:

1 – “Terra de Almas Perdidas” conta a história de Jonas, um homem em fuga após cometer um crime. Ele se envolve com um circo, se apaixona por uma mulher e faz um pacto com o cramulhão da garrafa. O que você quer mostrar com a trajetória deste protagonista?

Jefferson Sarmento: Existe um arco, uma trilha que perpassa essa jornada do personagem, que é cheia de repetições de situações em que ele se vê forçado a encarar suas fraquezas vezes seguidas, em circunstâncias em que precisa rever seus medos, suas culpas, tentar fazer diferente. Jonas é uma pessoa comum que é levada a escolhas impossíveis e momentos que agridem sua razão, escancaram suas falhas como ser humano. Nesse sentido, o que quero é que as pessoas se vejam no lugar dele: fariam diferente? Ele não é um herói perfeito, pelo contrário: é cheio de erros, vícios, paixões pelas quais faria qualquer coisa.

2 – A obra tem inspirações no cramulhão da garrafa, uma famosa lenda do folclore no Brasil. Como surgiu a ideia de tratar sobre essa figura presente no imaginário dos brasileiros?

J.S.: A semente dessa história está no adolescente que um dia pensou em encontrar uma lâmpada mágica de Aladim. Tanto que a versão inicial dessa história se chamava “1001 Dias”, uma alusão direta às “1001 Noites”, de Sherazade. Qual não foi minha surpresa quando comecei a pesquisar sobre o cramulhão e encontrei referências do jinn árabe que inspirou a história de Aladim nas nossas lendas mais sertanejas! Essa entidade do nosso folclore é uma herança portuguesa, que já citava diabinhos em garrafas em suas próprias lendas muito antes do descobrimento — certamente influenciados pelos mouros que invadiram a península ibérica no século VI.

3 – Para você, qual a importância de aproximar os leitores dessas referências nacionais e da cultura do próprio país a partir da literatura?

J.S.: A cultura brasileira é de uma riqueza inspiradora! Assim como vampiros, lobisomens e bruxos que povoam livros traduzidos são na verdade reinvenções do folclore de outros povos, temos nossas próprias entidades fantásticas que carregam toda uma gama de possibilidades! E que tal mergulharmos nas lendas nacionais para redescobrirmos criaturas e histórias em que reconheçamos nossas referências anteriores, em que nós possamos nos reconhecer? Mais que isso, usar essa fonte para discutirmos a realidade ao nosso redor e nossos paradigmas enquanto seres humanos.

4 – A obra trata, também, sobre assuntos como a idolatria, a ganância, o amor e o medo de enfrentar os próprios erros. Como você mescla o terror com temas tão cotidianos da vida humana?

J.S.: Uma boa história de gênero (terror, ficção científica, suspense…) só é boa de verdade quando o leitor consegue se ver, de alguma forma, nos personagens — e encarar os dilemas deles com os filtros dos próprios valores. As situações fantásticas, em si, podem impactar pelo horror ou pela capacidade imaginativa de se descrever uma cena sobrenatural —, mas esse impacto perde efeito depois de um tempo, porque vai parecer vazio sem o elemento humano, sem que o leitor perceba o amor, o medo, os dilemas, os motivos reais por trás das ações e reações dos personagens, os motivos pelos quais eles fazem o que fazem. É isso que alimenta o motor da história e o interesse do leitor em questionar-se: se faria daquela forma, se teria a coragem necessária para levar um anel mágico para o outro lado da Terra Média para destruí-lo, se mergulharia nos esgotos da cidade para confrontar um palhaço devorador de medos, se venderia sua alma para salvar a mulher que ama.

5 – Você já publicou várias obras que enveredam por gêneros como terror e suspense. Quais são os principais desafios para a escrita de um livro de terror?

J.S.: Encontrar o elemento humano — e isso tem a ver com a resposta anterior. É claro que gosto da ideia de que uma leitura possa mexer com os medos de quem está lendo, mas mais que isso, o que eu busco é fazer com que essa pessoa se coloque nas situações dos personagens. Nesse sentido, entender os mecanismos que fazem com que a leitura seja prazerosa e desafiadora é muito mais importante do que criar o monstro perfeito. Em Terra de Almas Perdidas existe uma segunda criatura que é a materialização dos erros, pecados, crimes e culpas de cada um. É uma espécie de pedágio para a garrafa com o diabo dentro — essa segunda criatura não realiza desejos, ela representa tudo aquilo que você está disposto a fazer por eles. E o horror não está em sua aparência, mas na ideia de que o leitor possa se enxergar nela — aqui está o desafio do escritor: fazer com ele se perceba isso.

6 – Depois de “Terra de Almas Perdidas”, você já tem planos para publicar novas obras? Se sim, pode nos dar spoilers?

J.S.: Já pensando para o ano que vem, que tal um mergulho mais profundo nas raízes do nosso folclore? Uma aventura de fantasia e horror que traga o que é mais emblemático do nosso folclore para uma jornada moderna. Em “A Menina que Fotografava Estranhos”, o próximo livro, nós vamos ser levados por Magnólia “Mag” Ventura para esse mundo de coisas, lugares e criaturas estranhas. Ela descobre um dia que algumas das fotos que tira apresentam esses elementos que não deveriam estar ali: um velho que já estava morto, uma porta numa árvore, um menino com cabelos vermelhos e pés tortos… e uma antiga criatura, conhecida como A Velha, que está atrás dela para… bem… vamos ter que esperar para descobrir para quê.

Sobre o autor: Formado em Publicidade e Propaganda, com pós-graduação em Escrita Criativa, o fluminense Jefferson Sarmento é editor da Tramatura, que tem um catálogo de obras de fantasia em formato físico e e-book. Como escritor, envereda por histórias de terror, suspense, ficção científica e fantasia. Já publicou os títulos: “A Casa das 100 Janelas”, “Noites de Tempestade”, “Relicário da Maldade”, “Alice em Silêncio”, “Os Ratos do Quarto ao Lado”, dentre outros. “Terra de Almas Perdidas” é seu trabalho mais recente.

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Para saber mais sobre o livro “Terra de Almas Perdidas”, clique aqui!

 

 

LC - Agência de Comunicação MARIA CLARA MENEZES

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