Rodolfo Entrevista Sidney Gusman

Essa ENTREVISTA foi publicada na Revista Entrementes, Edição de Inverno de 2015

Por Rodolfo Salvador

 

 

 

É com muito prazer que apresento essa entrevista com Sidney Gusman, um dos maiores especialistas em quadrinhos do Brasil, uma pessoa que além de portar um conhecimento enorme sobre quadrinhos é totalmente acessível, tendo colaborado para com essa entrevista de forma muito simpática.

Antes de mais nada, vamos conferir um pouco da história desse Cara.

Jornalista formado Gusman é editor chefe do planejamento editorial da Maurício de Sousa Produções, já ganhou nove vezes o troféu HQ MIX, escreve desde 1990 textos sobre quadrinhos para jornais como a Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, Jornal da Tarde, etc., escreveu também textos para a revista Superinteressante, já trabalhou para a Conrad e para a Panini.

Lançou entre 2005 e 2006 os livros “100 Respostas sobre Super-heróis”, “100 Respostas sobre Hanna-Barbera”, “100 Respostas sobre Batman” e o livro Grande sagas – DC, pela editora Abril. Em 2006 também lançou na décima nona Bienal do livro de São Paulo o livro “Mauricio – Quadrinho a quadrinho” também pela editora abril.

1) Primeiramente quais são os quadrinhos que você está lendo por esses dias, tanto as nacionais quantos as “gringas”?

Raramente eu passo um dia sem ler uma história em quadrinhos. Tanto no trabalho, quanto em casa. Nesse momento, estou lendo HQs europeias que trouxe de minha última viagem, como Cinco por Infinito, do espanhol Esteban Maroto (esta série saiu no Brasil pela Ebal, em capítulos, mas este é um volume compilado), Os Companheiros do Crepúsculo, do francês François Bourgeon, que saiu no Brasil pela Nemo e que talvez seja minha HQ favorita em todos os tempos.

Além disso, tenho verdadeira obsessão por ler tudo que sai no Brasil. Como hoje isso é impossível, leio algumas mensais (de diversos gêneros) e todos (sim, todos) os álbuns que saem no nosso mercado.

Das revistas mensais, o que acompanho: J. Kendall – Aventuras de uma criminóloga (Mythos), Vertigo (Panini), One Piece (Panini), Olb Boy (Nova Sampa), 20th Century Boys (Panini) e Monster (Panini), além de uma ou outra série de super-heróis que sai em revistas mix.

2) Sidney, trabalhar com o Mauricio de Sousa é o sonho de uma grande parcela dos fãs de quadrinhos, conte para a gente como é sua rotina no trabalho?

Sempre digo que o Mauricio é mais meu amigo do que meu chefe; e isso é um presente dos deuses. O cara enxerga muito adiante de todo mundo. Sabendo aproveitar (e eu sei), a pessoa que trabalha perto dele tem muito a aprender. Não é à toa que chegou ao patamar que ocupa.

Além de trabalhar com algo que amo (quadrinhos), ainda estou com uma lenda vida do mercado nacional e com liberdade para fazer projetos como esses que tenho lançado desde 2009. Com enorme sucesso.

Minha sala é praticamente do lado da do Mauricio, e é raro o dia em que ele não passa alguns minutinhos me perguntando “como estão as novidades” ou “se chegou algum desenho novo” dos seus projetos. Fala a verdade: tem preço uma coisa dessas? 🙂

Mas, claro, minha rotina é movida a muito, muito trabalho. Afinal, além dos projetos de quadrinhos, eu edito todos os livros que saem pela MSP. E trabalhamos com 16 editoras no momento. Tem dias em que acho que vou ficar louco, mas no fim tudo dá certo.

E os resultados têm sido incríveis. Nos últimos cinco anos, a MSP cresceu dez vezes no mercado de livros, e isso não é pouco. Basta ver que, a cada Bienal, nossa média de lançamentos fica sempre entre 18 e 23 livros. É muita coisa! E todas fazendo sucesso, felizmente, o que é recompensador.

3) Na minha opinião a linha de quadrinhos “graphic MSP” é um sopro de ar fresco e renovado no mercado brasileiro de quadrinhos, que  até pouco tempo era um mercado polarizado, no nível de publicações mais elaboradas. Existe uma intenção do Mauricio de Sousa em dar prosseguimento a essa linha ou ela já tem um número certo de histórias a serem lançadas?

A história do projeto MSP 50 marcou minha carreira.

Em toda data redonda do Mauricio ou da Mônica, a MSP fazia edições comemorativas muito legais, mas basicamente compilando material já lançado. Eu queria que o mercado prestasse uma homenagem aos 50 anos de carreira do Mauricio, em 2009. Cheguei pro Maurício e apresentei a ideia. Ele deu uma reclinada na cadeira e falou: “Você vai cuidar bem dos meus filhos?”. “Como se fossem meus”, respondi. Aí, comecei a fazer a seleção dos escolhidos e o resto é história.

Os três MSP 50 se tornaram a maior vitrine de autores das HQs nacionais nas últimas décadas. Assim, usei a força do Mauricio para apresentar essas feras que produzem Brasil afora e, ao mesmo tempo, prestamos uma das mais legais homenagens que um autor de quadrinhos recebeu em vida.

E não tem preço ver a alegria do Mauricio com essas releituras.

O que mais ouvi desde 2009, quando saiu o primeiro MSP 50, é: “Como ninguém pensou nisso antes?”. Não sei, mas sorte que fui eu. O projeto tinha tudo para dar certo. Eu escolhi os autores a dedo, garantindo sempre a diversidade de estilos e gente de diversos pontos do País. Os autores todos queriam mostrar seu carinho pelo Mauricio. E os fãs sempre imaginaram ver os personagens em outros traços. O resultado foi esse sucesso incrível.

E o prolongamento desse projeto já começou em 2012, com a linha Graphic MSP, que já teve dois álbuns lançados com enorme (mesmo) sucesso de público e crítica: Astronauta – Magnetar, de Danilo Beyruth, e Turma da Mônica – Laços, de Vitor e Lu Cafaggi. E ainda em 2013 saem mais duas: Chico Bento – Pavor Espaciar, do Gustavo Duarte, e uma do Piteco, feita pelo paraibano Shiko!

4) Em uma entrevista recente o desenhista  Mike Deodato Jr elogiou a iniciativa “Graphic MSP”, porém afirmou que cláusulas contratuais com a Marvel o impediriam de realizar um trabalho com vocês. Na sua opinião esse tipo de contrato de exclusividade, que segundo o autor Grant Morrison em seu livro “Superdeuses” é algo recente no mundo dos quadrinhos atrapalha o mercado?

Não sei dizer, pois não conheço a fundo o teor desses contratos. Mas certamente eles são vantajosos para os artistas, pois garantem a eles bons rendimentos.

De todo modo, caras como o Mike Deodato ou o Ivan Reis, que são exclusivos das grandes editoras dos EUA, tiveram autorização de Marvel e DC, respectivamente, para integrar os MSP 50. E como eu não desisto fácil…

5) Ainda sobre a linha “Graphic MSP” existe a possibilidade da dupla Fábio Moon e do Gabriel Bá  realizar alguma história?

Jamais revelaria quem são os autores que estão nos meus planos.

E, assim que escolho os autores com quem vou trabalhar, só comento sobre eles; não sobre quem não foi escolhido.

6) Recentemente, saiu numa matéria no jornal “Folha de S.Paulo” sobre quadrinhos nacionais, na qual se afirmava que muitos quadrinistas brasileiros estavam encontrando maiores facilidades em lançar seus quadrinhos primeiramente no mercado externo e somente depois lançando cá no Brasil. Em sua opinião o mercado brasileiro de quadrinhos ainda é um mercado de difícil acesso?

O mercado mudou demais em dez anos. A Abril deixou de ser uma potência; a Panini, que nem existia, ocupou o primeiro posto; a Conrad sumiu das bancas; e os quadrinhos passaram a estar mais presentes em livrarias. Além disso, houve um crescimento significativo da produção nacional.

Hoje tem muita, muita gente publicando seus materiais no Brasil. O mercado redescobriu os quadrinhos, porque estão sendo produzidos bons materiais.

Muitos dizem que não temos um mercado. Discordo. As pessoas vivem dizendo que nas bancas só tem o Mauricio, mas a Luluzinha Teen está aí faz quatro anos; a JBC segue firme e forte, assim como a Panini. Acontece que o mercado nacional migra para uma mescla (interessante) de bancas e livrarias.

É uma grande mudança. Primeiro, porque as livrarias abrem mais espaço para HQs a cada dia, pois descobriram a força dessa mídia. Segundo porque hoje há vários autores trabalhando direto para esse nicho. E as editoras começam a alcançar números interessantes. Se antes se comemorava a venda de dois mil exemplares; hoje há obras de quadrinhos com mais de 15 mil vendidas. Não é pouco.

Vejo o Brasil como um mix dos mercados europeu e americano. Isso porque a tendência é que as bancas continuem sendo um terreno difícil para autores nacionais – a não ser que surja uma editora disposta a investir sabendo dos riscos envolvidos (distribuição, baixas vendas no começo etc.). Ali, o domínio do Mauricio deve continuar por bastante tempo. E é por isso que penso nas Graphics MSP como um facilitador para esses (e outros) autores publicarem outros trabalhos em bancas.

Ao mesmo tempo, as livrarias passam a ser uma excelente opção. Por conta de editoras que descobriram esse potencial e também dos planos de incentivo à produção, como o ProAC, e de compra de livros (e quadrinhos) para escolas, como o PNBE.

7) Saindo um pouco do Sidney profissional da empresa  Maurício de Sousa e indo na direção do Sidney fã e conhecedor do universo dos quadrinhos eu pergunto, como você analisa o mercado americano de quadrinhos hoje, com suas expedições ao cinema e uma certa queda nos roteiros, que parecem sempre serem feitos num modelo pré-pronto?

Sou um fã de super-heróis desde sempre, mas hoje, para mim, é difícil ler uma HQ do gênero que não me faça torcer o nariz. Há coisas boas, sim, mas é tão minoria que desanima.

Esse negócio de matar personagens, fazer reboot de universos, interligar megassagas etc., já deu no saco. Ao menos pra mim. Com tanto material bacana em bancas e livrarias brasileiras, fica difícil encontrar ânimo para acompanhar super-heróis.

Na minha opinião, o mercado norte-americano de super-heróis, hoje, se contenta em trabalhar com aquele número X de leitores e ganhar (muito) dinheiro funcionando como abastecedor de Hollywood.

8) Toda a minha coluna sobre quadrinhos aqui no “Entrementes” é baseada numa premissa que eu desenvolvi ainda na Universidade, de que os quadrinhos enquanto uma manifestação artística (onde forma é conteúdo) refletiria em suas páginas os fatos históricos de sua época, pois antes de  ser um roteirista, desenhista etc., esse profissional é um cidadão do mundo que vota, compra, assisti jornal etc. Um exemplo disso seriam o alinhamento político que as duas grandes editoras americanas a Marvel e a DC (mas principalmente a Marvel) tiveram em suas histórias após o 11 de setembro. O que você tem a dizer SOBRE essa relação entre fatos e quadrinhos?

Isso existiu desde sempre, com maior ou menor engajamento dos personagens. Na Segunda Guerra Mundial, por exemplo, quase todos os super-heróis deram sopapos em Hitler.

Enxergo como algo natural, como uma tentativa “jornalística” (entre aspas, mesmo) de retratar fatos que marcam a vida dos leitores. Isso torna as edições datadas? Sim. Mas, ao mesmo tempo, confere a elas um caráter histórico depois de um tempo.

9) Você poderia falar para gente quais são suas obras, roteiristas e desenhistas preferidos ?

Bom, primeiro vou elencar os meus autores favoritos que considero excelentes tanto em roteiro quanto em arte: Hugo Pratt, François Bourgeon, Will Eisner, Osamu Tezuka, Miguelanxo Prado, Carl Barks, Bill Watterson, Hergé, Franquin, Laerte, Mauricio de Sousa (e dane-se quem achar que é porque trabalho com ele; o cara era genial quando escrevia e desenhava suas próprias HQs – basta ver a Coleção Histórica e as Tiras Clássicas da Turma da Mônica), Quino e Liniers. Frank Miller já esteve nesse time, mas hoje está fora.

Agora, os meus roteiristas favoritos: René Goscinny, Neil Gaiman, Giancarlo Berardi, Gianfranco Manfredi, Kazuo Koike (Lobo Solitário), Dennis O’Neil, Alan Moore, Brian Azzarello (em 100 Balas), Ed Brubaker, Alejandro Jodorowsky, Warren Ellis, Garth Ennis, Brian K. Vaughan, Guy Delisle, Bill Willingham (em Fábulas). Devo ter esquecido algum, mas é uma boa lista.

Os desenhistas favoritos: Neal Adams, Milo Manara, Enrico Marini (pra mim, o melhor do planeta na atualidade e, infelizmente, pouco publicado aqui), Takehiko Inoue, Flavio Colin, Alan Davis, Uderzo, Ivo Milazzo, Alex Ross, George Pratt, Moebius, Paolo Eleuteri Serpieri, Julio Shimamoto, Samuel Casal, John Cassaday, Alex Raymond, Hal Foster, Gustavo Duarte, Danilo Beyruth, Esad Ribic, Mozart Couto, Ivan Reis, Vitor Cafaggi, Hideo Yamamoto (Homunculus), Goran Parlov (especialmente em Mágico Vento), Joe Kubert e outros que certamente esqueci.

Por fim, um listão de HQs.

Companheiros do Crepúsculo, do François Bourgeon: um primor de HQ, que merecia ser filmada pelo cinema.

O Cavaleiro das Trevas: pra mim, a melhor história do Morcegão em todos os tempos.

O Spirit, do mestre Will Eisner: pelo conjunto da obra.

Watchmen: por mostrar que quadrinhos de super-heróis podiam ir além do ponto em que então se encontravam.

Ken Parker, de Giancarlo Berardi e Ivo Milazzo: pelo conjunto da obra.

Sandman, de Neil Gaiman: uma das melhores séries de quadrinhos de todos os tempos.

Um Contrato com Deus, do Eisner: um primor.

Asterix e Lucky Luke, na fase escrita por René Goscinny.

Corto Maltese: pelo conjunto da obra, mas especialmente por A Balada do Mar Salgado e Sob o Signo do Capricórnio.

Lobo Solitário: a melhor HQ de samurais que li.

Traço de giz, do Miguelanxo Prado: uma das melhores HQs de viagem no tempo que li. E sem fazer uso de nenhuma máquina mirabolante.

Os Passageiros do Vento, do François Bourgeon: outro clássico das HQs europeias.

Retalhos, do Craig Thompson: uma HQ linda que usa os recursos dos quadrinhos com mestria.

Maus, do Art Spiegelman: por contar a Segunda Guerra Mundial de forma nua e crua, mesmo com bichinhos” como personagens. Não é à toa que faturou o Pulitzer.

Gen – Pés Descalços: um mangá maravilhoso que todo mundo deveria ler.

Calvin e Mafalda: pela genialidade num espaço tão diminuto quanto uma tira.

10) Finalmente  para encerrar eu gostaria de perguntar para você qual é sua opinião sobre a editora HQM que entrou recentemente no mercado com o quadrinho “The Walking Dead” e também com o copilado de quadrinhos da editora “Valiant” “X0Manowar”. Você acha que essas publicações vão fazer bem para o mercado relativamente monopolizado dos quadrinhos no Brasil, já que essas publicações apresentam um preço acessível e um material da alta qualidade?

Acho injusto falar de apenas uma editora do mercado, sendo que há várias fazendo bons trabalhos.

Para ler a Revista completa, clique abaixo:

Sobre Elizabeth Souza 407 Artigos
Elizabeth de Souza é coordenadora e editora do Portal Entrementes....

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