por Alexandre Lúcio Fernandes
O gesto de espreitar antecipa qualquer dedução, qualquer limite que decora o mapa da alma. E o corpo padece, atiça as ranhuras pelas quais os medos deslizam sorrateiros. Seguir em frente faz-nos ter uma existência furtiva que delibera as rotas sem a certeza do querer, sem caracterizar exatamente a textura de nossas amplitudes. Há um sobrepeso na atmosfera que precipita a letargia dos dias, a falsa consciência de véus obscuros no céu e nos becos. E o mundo se torna conivente com as limitações e todas as falhas pertinentes nas fronteiras do âmago.
Uma escuridão densa contamina o ambiente, resultado de um manto negro de nuvens, oriundas da poluição humana. Mas ultrapassa as barreiras físicas. É um negror de caráter mais intenso, residente no espírito, no céu interno das massas humanas. Não é visível, tampouco transponível. Mas é presente, muito latente dentro do perceptível território por onde a alma transita. E medos culminam sob uma frieza inconsequente, refém de atos transcendidos pelas rachaduras dos homens, pelos becos perigosos erigidos nessa corrupção dos sentimentos tão eloquente – e infeliz – nos dias de hoje.
Em meio a essa redoma opaca que cobre as cabeças, a esperança retroalimenta as sensações engavetadas, espanadas pelo desajuste dos dias negros. Sobra a coragem de espionar trincas nessa couraça que se criou em razão da iniquidade tão abundante por aí, desse esvanecimento que desembrulha tensão e tristeza pelos detalhes da vida. Não há senso que se descubra, razão que se oculte em detrimento de nascentes alheias, por luzes distintas e paralelas aos desejos mundanos. Mas as frestas escapolem ao olhar humano, as delicadezas camuflam-se nas ininterruptas piscadelas.
Os intransitáveis caminhos subvertem as emoções, sobretudo aquelas tão embebidas com o cálice do amor. Mas não inibe a capacidade de sobrepujar as derradeiras faces de um mundo doentio. E a vontade é força que agiganta. Porém, haja habilidade para desvencilhar os enigmas, as neblinas e as camadas que circundam os reles espaços por onde ainda cinge luz. Em meio à cegueira induzida pelo ciclo vital desequilibrado, raro é debulhar a alma nos parcos raios de luzes que esquivam das armaduras de dor e tristeza, de demasiada matéria desumana.
Contudo, não é efêmero o que se busca, nem desprovido de valor. Em meio às dificuldades de se locomover na contramão dos dias nebulosos, abençoado é quem consegue, nessa insistência em investigar o mundo, encontrar brechas na penumbra e ser raiado com a luz do amor. Porque em meio a tanta cegueira, enxergar é fruto de esperança.
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