Mal range a porta de entrada e cai uma aranha do lustre, ali teimando, dependurada no vácuo dos anos. Dois gritos de desespero da sinhá primeira, a matriarca de gerações tantas, e eram quase uivos os lamentos da coitada.
Raspando com a unha, vê-se que sem conta foram as demãos de cal, todas de incertas datas e tons sortidos. Demãos que, descobertas, não esquecem mas também não trazem de volta o que presenciaram, desde o início do ciclo da cana.
Cinquenta e seis vergonhas escabrosas varridas para debaixo do tapete persa da sala de visitas. Alinhados, os retratos a óleo dos barões e sinhozinhos, alternando com armas, um chifre de veado e o velho espelho encabeçado pelo brasão da família.
Mais uns passos pelo extenso assoalhado e se chega ao oratório, com o terço benzido por Pio IX, um cálice de igreja do tempo das Bandeiras e o Santo Antonio em gesso e de túnica desbotada – tantos foram os banhos de lágrimas em loucos pedidos de graças.
Cinzas de assados e vestígios de sangue, no borbulho de compotas. A cozinha, indústria de ervas e tripas. Traços de esperma incrustados entre um azulejo português e outro sugerem a devassidão de sei lá quem, flagrado em pecado mortal.
Esta é uma obra de ficção
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