Por Milton T. Mendonça
Superfície – Capítulo 12
Elisa abriu os olhos e volveu a cabeça vagarosamente em busca de algo que explicasse o súbito desmaio. A cela limpa com apenas o catre onde apoiava o cotovelo e a pequena porta onde deduziu esconder a latrina a deixou perplexa.
-Onde estou?
Ouviu sua voz ao longe. A cabeça rangeu como se o cérebro esbarrasse na parede ossificada de sua caixa.
– Tem alguém aí?!
Perguntou elevando a voz, que terminou em um gemido. Segurou a cabeça com ambas as mãos e se deitou na esperança de encontrar conforto.
– Não podemos mantê-la aqui por muito tempo. Vamos soltá-la e ficar com o garoto. Ela precisa estar na reunião…
– Vamos esperar mais um pouco. Deixe os delegados procurarem um pouco mais. Doze horas… Quando fizer doze horas que a mantemos em cativeiro deixaremos que se vá. Vamos seguir o plano original… Não se preocupe vai dar tudo certo.
– Senhor! O soldado apareceu sem aviso.
– Pois não!
– A doutora acordou. Devemos nos apresentar?
– Ela está muito agitada?
– Não senhor. Está deitada… Parece que sente dor.
– Dê-lhe um analgésico!
O soldado perfilou deu meia volta e se retirou do ambiente ligeiro.
Elisa deitada em seu catre com os olhos fechados estava apavorada. Onde estaria Muai.
– Não devia tê-lo trazido como pudera ser tão irresponsável. Sabia que algo assim poderia acontecer, mas não acreditara na possibilidade. O pessoal da inteligência… Meu Deus! O que vou dizer a família.
– Não posso me apavorar preciso pensar… Ser firme. Não farão nada com ele enquanto não falar comigo. Eles querem algo… Farei tudo que pedirem… Não! Não posso ser fraca. Tenho que mostrar força…
A dor era insuportável. Levantou-se e caminhou lentamente pelo espaço exíguo de sua cela. Sentiu a cabeça como algo enorme sobre os ombros. Voltou para o leito tosco e deitou-se apertando as têmporas. A respiração rápida e entrecortada sugeria um sofrimento atroz.
A porta da cela se abriu com um estrondo fazendo-a comprimir os olhos lacrimejantes. Sentiu a presença do homem ao seu lado segundos antes de abrir os olhos e encará-lo zangada.
– Quem é você?!
Perguntou sentando-se rubra pelo esforço.
– Tome isso!
O soldado estendeu o copo com água pela metade e um comprimido ainda na embalagem.
Pegou o que lhe foi oferecido sem nenhuma pergunta. Morreria com prazer caso fosse essa a intenção de seus captores.
Passaram-se alguns segundos e sem aviso a dor foi diminuindo até desaparecer por completo deixando em seu lugar uma leveza e um alívio que a encheu de felicidade. Levantou a cabeça esquecida de onde estava até dar com os olhos em cima de seu carcereiro.
– Onde estou? O que querem comigo?
Falou ríspida.
O soldado perfilou exageradamente e pronunciou firme:
– Meu comandante pede que vá ao seu encontro.
– Você não me respondeu rapaz: Onde estou? O que querem comigo?
Repetiu a pergunta.
-Sinto muito senhora, mas não estou autorizado a falar… Acompanhe-me e meu comandante terá toda resposta que procura.
– Muito bem…
Levantou-se e encaminhou à porta que estava aberta. Atravessou a soleira e o soldado que esperava do outro lado se aproximou barrando seu caminho.
– Pode deixar Balthus ela concordou em se reunir com o comandante.
Encaminharam-se ao aposento de Fredo onde o encontraram olhando pela janela, absorto.
– Meu comandante!
O soldado voltou a perfilar e com voz sonora exclamou chamando a atenção do homem que se virou vagarosamente encarando Elisa com dois olhos negros penetrantes e frios.
– Deixe-nos a sós, soldado.
A voz saiu baixa, mas com a entonação de alguém acostumado a ser obedecido sem questionamento. Encarou Elisa por um longo momento como se quisesse descobrir seu ponto fraco.
Elisa manteve-se firme. Não desviou os olhos suportando-o consciente de sua força. Estava decidida a não deixar seu oponente iniciar as negociações com a vantagem do primeiro round.
– Boa noite doutora! É um prazer finalmente conhece-la. Sou um admirador de seu trabalho… Espero que compreenda o que estou tentando fazer aqui e não me tome por seu inimigo.
Aproximou-se de Elisa com as mãos entendida. Seus olhos confirmavam suas palavras e o meio sorriso tentava demonstrar uma simpatia que não fazia parte de sua personalidade.
Elisa parada a sua frente com o cenho sombrio fitou-o imóvel.
– Não acredito que a violência seja uma ferramenta de construção. Não posso estar ao lado ou mesmo compreender algo que usa desses artifícios. O que deseja de mim, senhor? Onde está meu bisneto? Espero que não o tenha machucado…
O homem estacou rígido ao ouvir suas palavras e sem abaixar a mão estendida perscrutou-a com olhar frio.
– Estamos em guerra, doutora! Infelizmente apenas palavras não é suficiente.
– Engano seu! Ela falou ríspida. As palavras somente deixam a desejar se não são providas de argumentos sólidos.
– Vou considerar sua desinformação consequência dos enganos da mídia. Relevarei seu comentário até deixa-la a par das nossas verdadeiras intenções. Espero que aceite me ouvir antes de qualquer conclusão.
– E meu bisneto? Quando poderei vê-lo?
– Mandarei leva-la imediatamente onde está como mostra de minha boa vontade…
Abaixou o braço e dirigiu-se a porta abrindo-a e chamando alto.
– Soldado!
– leve a doutora até o menino.
Elisa voltara-se e por sugestão do comandante encaminhara-se para a porta atravessando a soleira e seguindo o soldado que a esperava do outro lado.
Atravessaram alguns corredores até alcançar o cubículo onde Muai sentado no chão montava um enorme quebra cabeça com a ajuda de uma menina cujo cabelo quase branco caia pela fronte escondendo suas feições delicadas.
– Muai!
Elisa exclamou com voz tremula.
Muai ouvindo-a girou a cabeça e ao vê-la levantou-se de um pulo e correu para abraça-la.
– Bisa!
– Desculpe meu querido!
Ela falou em seu ouvido abraçando-o com força.
– Você está bem, bisa?! Estava muito preocupado… O que aconteceu? Porque estamos aqui?
Muai encheu-a de perguntas deixando-a atônita.
– Calma meu querido não se preocupe com nada estou aqui para protegê-lo. Fomos sequestrados por alguns homens que acreditam que eu possa ajuda-los em sua revolução. Não nos farão mal… Logo, logo estaremos nos divertindo na casa de End, está bem?
– Quem é sua amiguinha?
Perguntou tentando fazê-lo se esquecer das perguntas às quais não poderia responder e detestaria ter que mentir.
– Esta é Tétis. Ela também foi sequestrada junto com sua mãe e pai…
– Ah! Pobre criança…
Elisa falou tocando gentilmente seu queixo.
– Quem são seus pais… Como chamam? O que fazem?
– Minha mãe se chama Gália e é engenheira química e meu pai Hesíodo senador da republica de Ganimedes
Seu lábio abriu-se em um sorriso contrafeito e uma lágrima escorreu pelo seu rosto macio.
– Não fique triste, minha querida logo estaremos fora desse lugar!
Exclamou suavemente abraçando-a ternamente.
Após algum tempo abraçando-a levantou-se irada e se dirigiu ao soldado que, parado á porta observava a cena com os olhos frios de um assassino contumaz.
– Leve-me ao seu comandante imediatamente!
Exclamou ríspida com o ódio contido em cada sílaba esbofeteando o homem que reagiu como um cachorro ao ser chutado pelo dono bêbado. Voltou-se perplexo e sempre mantendo distancia da mulher levou-a pelos corredores retornando sobre os passos.
– Você é um tolo General!
Entrou na sala e encarou o comandante, lívida.
O homem levantou-se de um pulo e ficou rígido do outro lado da mesa com as mãos levantadas esperando uma tapa que nunca veio.
– Você sabe o que está fazendo? Sequestrando todo mundo ao seu bel prazer… Quando meus amigos souberem que estou presa aqui invadirão este lugar deixando pedra sobre pedra.
– Sem falar na família do senador… Quem mais está aqui? Você ficou louco?!
Exclamou a pergunta indignada.
– Calma doutora!
Exclamou apaziguador.
– A senhora não conhece a verdade. Somente foi informada das partes conveniente para os canalhas que lideram essa republiqueta de faz de conta.
Elisa apesar da raiva que sentia percebeu a mudança no rosto do soldado á sua frente. O susto expresso em seus olhos mudou para uma indignação sincera que a deixou confusa esvaziando-a da raiva. No lugar nasceu a curiosidade que costumava movê-la sempre que algo novo surgia em seu horizonte.
Seu corpo ficou rijo com as palavras do general. Endireitou-se e encarou-o fixamente.
– Muito bem, general! Conte-me o seu lado da história.
Falou séria com uma leve tonalidade de duvida na voz.
O general relaxou os músculos do ombro. Olhou-a alguns segundos perscrutando seu rosto em busca da armadilha, mas viu apenas curiosidade sincera. Sorriu e deu a volta na mesa que os separava. Chamou seu ajudante de ordem pedindo que trouxesse chá. Caminhou até o sofá a um canto da sala e antes de se sentar convidou-a a tomar o lugar á sua frente.
Elisa sentou-se e ficou esperando que se acomodasse. Olhou a sala espartana a sua volta com certo alivio. A farda do soldado não demonstrava ostentação de poder ou riqueza o cabelo bem cortado o rosto limpo das depravações que encontrara no líder de Ganimedes e que naquela ocasião não conseguira interpretar seu sentimento de repulsa a tranquilizou.
“Parece que as negociações começaram antes que eu percebesse”
Elisa refletiu esperando o momento de ouvir os argumentos que poderiam fazê-la mudar de lado.
Continua no próximo capítulo…
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