Por Milton T. Mendonça
Superfície – Capítulo 13
– Família! Esse é o grande problema de Ganimedes. A senhora talvez ache difícil de compreender a principio, mas nosso problema é o excesso de valor que se da à família. Uma célula egoísta que olha apenas para si mesmo e corrompe tudo a sua volta apenas para que possa ter uma vida tranquila e auspiciosa.
– Espera um pouco!
– Calma! Deixe-me explicar… Deveríamos priorizar a justiça e a verdade e não a família. A família existe somente para proteger os covardes e para mantê-la entregamos nossa alma à escuridão. Deixamo-nos corromper e corrompemos os outros em nome desta proteção.
– A família é o projeto mais importante que existe!
– Não! A família é o motivo de estarmos nessa situação desesperadora. A história da terra também está cheia de desgraça motivada pela necessidade de proteger a família. Antes do homem da caverna chegar a terra era um caos porque a família era colocada acima dos homens acima da justiça. Leia sua historia! Veja os Césares, os Kennedys… E muitos outros. A partir desta ideia expandimos para o nacionalismo que tem o mesmo principio de injustiça em seu conceito. A justiça deveria ser o foco, a prioridade. Quantas mortes foram efetivadas para salvar um filho? Porque meu filho é mais importante que o seu? Porque minha mãe é mais importante que a sua? Porque é minha? Porque é meu filho? Se a senhora não percebe o germe da corrupção aí acredito que não seja a pessoa com quem devo conversar.
– Os homens da caverna também valorizam sua família.
– Não do mesmo modo que os homens da superfície valorizavam. A família é importante da mesma maneira que um amigo é importante, mas não está acima do individuo. Devo pedir que leia sua própria história?
– Quantos corruptos foram colocados em posição de destaque na antiga sociedade terrena pela força de suas famílias? Quantos votos um politico medíocre recebeu pelos contatos de sua família? Isso gerou o caos… A sociedade da terra deteriorou da mesma forma que minha sociedade está se deteriorando. Mesmo com civilizações inteira desaparecendo ou simplesmente implodindo vocês nunca perceberam o verdadeiro erro em seu paradigma. Por uma questão de método a terra levou milênios para alcançar o ponto de ruptura enquanto o nosso sistema talvez não aguente duzentos anos. Vocês foram salvos pelos homens da caverna e nós? Teremos esta mesma sorte?
– Não podemos culpar a família por todos nossos problemas…
– Não a estou culpando pelos meus problemas, mas sim pela corrupção que ela trás em seu âmago. A sociedade de Ganimedes é formada por células familiares desde o principio. Não existem cidades em Ganimedes e sim núcleos familiares… Aldeias onde o sistema patriarcal foi levado ao extremo como experiência política. O governo central é reflexo desses grupos. Cada célula elege um líder e esse líder elege o Paredro – o mentor da comunidade.
– Nosso problema começou com a manobra imoral da família mais poderosa de Ganimedes – os Mandros. Na geração anterior o líder da família Mandros articulou uma dissenção e pediu ao conselho a divisão de sua família em três núcleos autônomos por divergência interna. Após uma demorada discussão o Paredro fora obrigado a aprovar e eles se separaram. Agora o governo está nas mãos destes três núcleos. E sem uma mudança radical na estrutura do governo nossa sociedade não sobreviverá para fazer história.
– Ouvimos falar dessa manobra. Mas ouvimos falar também que sua sociedade nunca foi tão bem sucedida como agora. Não recebemos criticas somente elogios por parte de nossos empresários que estão em contato direto com o governo. Nunca vimos motivo para intervir…
– Existe controle total por parte do governo. Nada sai e nada entra sem passar pelos sensores. Toda informação contraria ao governo é automaticamente modificada para torna-la a favor.
– E a religião o que diz?
– Engraçado perguntar isso… Nossa religião é nossa resiliência. Não temos nada formal por enquanto, como deve saber, apesar de existir um movimento nessa direção. Não temos algo puramente ganimediano. Houve uma união entre as várias filosofias da terra, mas é apenas um embrião sem nenhuma força política. Somente nossa resiliência nos dá força nas horas difíceis… Precisamos de um mártir.
– O que está me dizendo é muito sério. Preciso refletir sobre isso. Preciso voltar à reunião com essas novas informações e tentar comprovar sua veracidade. O senhor aceitaria esse desafio? Deixaria-me voltar e testar essas informações?
– Talvez…
– Não se sente seguro? Posso rebater seu discurso… É disso que tem medo?
– Não! Tenho duvidas na sua capacidade em discernir a verdade… Será bombardeada com mentiras. O engodo é mais fácil de disseminar do que a verdade. A imoralidade é uma arma poderosa não tem amarras… Usa de todos e de qualquer argumento sem reserva.
O general levantou-se do sofá caminhou até a porta profundamente concentrado. Abriu-a e chamou:
– Soldado! Leve a senadora aos seus aposentos.
O soldado esperou que se aproximasse levando-a pelos corredores. O guerreiro parou finalmente frente à porta, que se descortinou assim que dobraram o corredor seguinte, de uma outra sala que não aquela onde estivera nas últimas cinco horas, abrindo caminho para que a senadora adentrasse ao aposento maior e mais confortável. Lá dentro End se entretinha no console virtual enquanto o homem vestindo uma indumentária oficial olhava pela janela, absorto.
Elisa estacou surpresa e um enorme sorriso de satisfação aflorou de seus lábios ainda jovens.
– End!
Exclamou excitada.
– O que faz aqui?! Não esperava encontra-la tão cedo.
End ao vê-la levantou-se ligeira e se aproximou com os braços abertos a espera de um abraço.
– Que alegria!
Sussurrou apertando-a nos braços que se fecharam ternos.
Após os primeiros momentos de emoção Elisa afastou-a de si e olhando–a nos olhos perguntou:
– O que faz aqui, minha querida? Não me diga que foi sequestrada como todos nós?
– É tão bom revê-la senadora!
End segurando os ombros de Elisa exclamou com lágrimas nos olhos.
– Não, eu não fui sequestrada. Aceitei o convite do general porque concordo com suas reivindicações…
– Reivindicações? É assim que você chama este ato de terrorismo? Sequestrar pessoas?! Não acredito End que você mudou tanto assim…
– Está enganada! Houve o sequestro sim, mas foi mais um ato de desespero do que de terrorismo… Você não conhece nossa verdadeira situação.
– Como?! E suas informações? E toda sua eloquência?
– Tudo manipulado… Nada daquilo era verdade. Foi um engodo para manter a policia secreta afastada de mim e de minha família. Estamos vivendo um regime de terror… Um regime de exceção.
Elisa encarou-a por vários segundos perplexa. Alguns segundos depois seus olhos se fecharam como se salvasse as informações recebidas saindo do transe que a mantivera ausente. Olhou para os lados confusa. Seus olhos rodaram a sala pousando no homem que a observava.
– Quem é você?!
Exclamara irritada.
– Sou o senador Hesíodo. Seja bem vinda senadora ao campo de batalha.
– Conheci sua filhinha.
Respondeu excessivamente calma quase catatônica.
– Sim! Também conheci seu bisneto… Muito inteligente. Ela está em ótima companhia.
– Obrigada…
Elisa olhou-o surpresa.
– Você não foi sequestrado, não é?
Afirmou categórica.
– Não. Trouxe minha família por uma questão de segurança.
A senadora soltou os braços numa demonstração inequívoca de impotência e sentou-se no sofá que esperava ao lado encostado a parede.
– Sentem-se, por favor, e me explique à situação…
Após alguns segundos o senador se curvou em direção a Elisa e num sussurro quase inaudível iniciou as explicações.
– Senadora quero pedir desculpas pelos inconvenientes em nome da resistência de Ganimedes. Tudo isso foi planejado com um propósito. Precisávamos de ajuda da terra, mas era impossível conseguir por causa do controle que o governo exerce sobre tudo e todos. Fui eu que convenci o senado a exigir sua presença e a sequestramos porque sabíamos que o governo teria que comunicar o fato a terra e eles mandariam o exercito. Eles estão aqui agora. Mandaram suas naves mais velozes e sitiam o orbe não deixando que nada saiam ou entrem.
– O exercito está aqui?!
Elisa exclamou surpresa.
– Sim chegaram ha uma hora e exigem o desbloqueio das comunicações. O governo hesita.
– Como sabem? A comunicação não está bloqueada?
– Está, mas somente para fora da lua. Internamente o bloqueio não é tão fácil. Interceptamos a comunicação da nave mãe com o governo.
– Quem é o comandante?
– O almirante Nael Frozz. Ele exige o desbloqueio porque acredita poder localizá-la… É possível?
– Sim! E eles não negociarão…
– Ótimo! Vamos esperar o governo abrir a comunicação e depois a senhora poderá se comunicar com o Almirante. Precisamos que a senhora fique do nosso lado…
De repente uma explosão fez tremer as paredes quebrando a janela. O ar escureceu pela fuligem e gritos se fez ouvir por todo lado…
Continua no próximo capítulo…
Faça um comentário