Por Milton T. Mendonça
Superfície – Capítulo 3
– Senti uma comichão na pele e logo depois perdi a consciência. Acordei segundos antes de meu corpo se fixar ao lado de João. Seu sorriso apareceu embaçado quando o vi pela primeira vez e foi ficando mais denso na proporção em que ia voltando ao normal. Logo depois consegui mexer os braços e senti o toque de suas mãos em meu rosto.
– Tudo bem? – Perguntou-me.
– Acho que sim. – Falei zombeteira.
– Enquanto mexia com meu corpo na tentativa de ver se faltava algum pedaço outro membro da expedição se condensou ao meu lado. Logo todos estavam dentro da sala de reunião da ONU lotada com centenas de representantes civis. Separada da multidão a maioria dos chefes de estado do mundo estavam sentados onde seus representantes costumavam se acomodar para discutir questões de ordem mundial. Os soldados que vieram conosco faziam uma barreira nos separando dos homens da superfície.
– Elisa estava séria olhando para as pessoas que nos observavam perplexas. Os jornalistas formavam uma massa compacta no lado direito do recinto espremidos em um canto. Percebia-se que o local era pequeno demais para tanta gente. Centena de Flash fotográfico não parara de pipocar desde o momento em que chegara e isso era bastante irritante. Passaram-se vários minutos angustiantes enquanto esperávamos o secretário geral da ONU iniciar a conferência e foi com grande alívio que o vi se levantar decidido e pedir silêncio com gestos firmes. Imediatamente todos se calaram na expectativa.
– Senhores chefe de estado e convidados – iniciou seu discurso de abertura – Hoje tenho a honra e o privilégio de ser o anfitrião de um povo que veio nos oferecer sua amizade na esperança de encontrar a receptividade necessária para uma interação produtiva e rica em sentimentos nobres. Ao contrário dos rumores de que eles são seres de aparência estranha, conforme a mídia divulgou nas últimas semanas, poderão ver com os seus próprios olhos que eles são, na verdade, muito parecido conosco tanto no físico quanto em pensamento. Estou propenso a acreditar, conforme informação que acabo de receber, que eles são os remanescentes da décima segunda tribo de Judá que estava perdida desde a época de Salomão – mais tarde Elisa dissera que aquilo era ótimo como lobby quando lhe perguntaram por que não havia desmentido. O secretário geral levantou um pedaço de papel e mostrou ao publico como prova de que não era responsável caso aquilo não passasse de fantasia de intelectuais delirantes.
– O discurso prosseguiu enumerando as vantagens da aliança entre os dois povos. A pouca informação que dispunha sobre a cidade subterrânea deixou seu discurso vazio terminando abruptamente. Pediu silêncio e depois de um pequeno suspense – o homem era mestre na arte de impressionar – chamou o nome de Margot que estava ao meu lado tensa como corda de violino. Toquei seu braço tentando transmitir força. Os soldados abriram passagem e ela subiu a escada em direção ao microfone. Estava linda com seu vestido vermelho amarelado que descia até os tornozelos – essa era a cor do grande líder – O rubi que despontava de seu pescoço incrustado em uma corrente de ouro maciço rodeado por pequenos rubis lapidados de uma forma peculiar era enorme. O bracelete e a tiara que usava eram de esmeraldas gigantescas para o padrão da superfície e a sandália estilo grego confeccionada com folhas de ouro a fazia deslizar enquanto caminhava. O seu cabelo negro brilhante e sua pele pálida – apesar de não tão pálida quanto o restante da população da cidade subterrânea – criavam uma imagem absolutamente inverossímil. Quando a vi frente ao microfone fiquei maravilhada. O flash das maquinas fotográficas explodiram desde o momento que ela surgira de trás dos guarda costas até dez minutos mais tarde quando pediu silêncio sinalizando para os fotógrafos. O murmúrio na sala era de encanto. Os homens estavam extasiados e as mulheres terrivelmente amedrontadas – Conforme fora apregoada pela mídia no dia seguinte a apresentação.
– Povo do planeta terra – iniciou o discurso soltando sua voz melodiosa. Estamos aqui para oferecer nossa amizade e nosso conhecimento no intuito de transformar esse pequeno e maravilhoso orbe em um lugar de paz e prosperidade. Somos irmãos diante do criador do universo e nossa aproximação deve ter sido planejada pela sua mente prodigiosa há bilhões de anos atrás. Trazemos conosco uma ciência desenvolvida em um tempo tão grande que não devo enumerar para não espantar os mais humildes, mas posso afirmar que tivemos tempo de conhecer o universo além da simples observação… E de criar uma medicina que proporcionará a todos uma vida mais agradável e feliz longe da dor e da solidão.
– Assistimos o desenvolvimento desse planeta e estamos presentes em sua memória desde épocas inimagináveis, como pode ser lido nos livros sagrados de várias civilizações que antecederam a atual… Digo isso para que não tenham medo de nossa presença. Não lhes queremos mal. Acreditamos que chegou a hora de nos unirmos para construir a maior civilização jamais criada em qualquer canto do universo e, para provar nossa boa intenção estamos entregando nesse momento o conhecimento que fez do meu povo o que ele é hoje: Um líder entre todas as raças existentes.
– O que queremos em troca? – Algumas pessoas devem estar se perguntando. Eu responderei: Nada! Não é uma troca o que estamos oferecendo, mas um presente. Queremos que aprendam conosco para podermos nos comunicar melhor. Uma melhor comunicação entre nosso povo é imprescindível para reinventarmos um universo que beneficiará todos aqueles que vivem ou viverão algum dia nessa dimensão ao qual chamamos de realidade.
– Lembro-me como exultaram com essa perspectiva – Elisa falou se virando para Muai – Assim que Margot acabara de pronunciar a última frase todos os presentes aplaudiram por vários minutos. No outro dia ficara sabendo pelos jornais que o mundo todo aplaudiu com entusiasmo suas palavras. O resto do discurso foi uma arenga. Ela não podia contar sobre o verdadeiro motivo de estarmos ali e ficou arengando até o ultimo parágrafo quando convidou todos á presenciar o desfile que havíamos preparado.
– Gostaria – Exclamou respirando fundo em uma demonstração de talento dramático – de convidá-los a assistir ao desfile de nossas máquinas de guerra e outras tecnologias. Ri-me de sua sutileza. Quero aproveitar os convidados e a mídia presentes para entregar as primeiras informações sobre nossa cultura e nossa ciência. Como todos devem imaginar este é apenas uma síntese. Convido os senhores dignitários presentes a formar conosco um grupo de trabalho para darmos continuidade ao repasse total e irrestrito de tudo que descobrimos nesse longo caminho que percorremos até estarmos com vocês hoje.
– Com um sinal chamou o secretário geral da ONU que estava sentado na primeira fila ao lado do presidente dos Estados unidos da América. Enquanto ele caminhava em sua direção uma enorme caixa trabalhada artisticamente em uma pedra de diamante bruto encontrada nas minas próxima ao vulcão além do oceano interior, cheia de DVDs contendo informação suficiente para convencê-los da sinceridade de suas palavras condensou frente ao microfone. Todos se levantaram perplexos. Margot retirou a chave de rubi pendurada em seu pescoço e a entregou ao homem fazendo uma leve reverencia. Ele examinou-a com uma expressão perturbadora. Com os passos titubeantes caminhou até a caixa e abriu seu cadeado também lapidado em rubi. Com as duas mãos espalmadas no lado superior do artefato tentara em vão levantar a tampa que teimara em não se mover sendo preciso que dois presidentes – não me lembro de quais países – que estavam sentados na primeira fila se levantassem de um pulo e subissem ao palco para ajudá-lo. Após algum esforço os três dignitários retiraram vários DVDs de dentro do receptáculo mostrando ao publico que aplaudiram freneticamente.
– Quando todos se acalmaram uma grande tela de LCD baixou sobre o palco escondendo Margot do publico deixando visível somente a caixa e os três homens que a manipulavam. Rapidamente, conforme fora combinado, Margot e toda comitiva se juntaram próximo ao microfone e se posicionaram cada qual com seu pé direto sobre o ponto vermelho pintado previamente pelos homens da segurança que estiveram visitando o local na semana anterior. Segundos depois os corpos ficaram opacos desaparecendo em seguida retornando aos veículos espaciais de onde haviam saído.
– Enquanto isso a imagem da sede da ONU surgiu na tela mostrando ao fundo a multidão compacta circundando o edifício e se estendendo num raio de vários quilômetros quadrado. A câmera que mostrava a imagem percorreu toda sua extensão e depois se voltou para o céu azul focando o vazio. Segundos depois centenas de pontos escuros surgiram cobrindo o sol e foi crescendo, crescendo até tomarem forma e ficarem reconhecíveis.
– As espaçonaves se aproximaram do edifício escurecendo quase toda cidade. Passaram por ele sem parar seguindo viajem em direção ao horizonte deixando todos embasbacados com tamanha exuberância. Muito tempo depois as três últimas naves cruzaram a sede da ONU encontrando todos aterrorizados com sua enormidade e aparência esdrúxula. Dentro da sala os presidentes das nações convidadas estavam assombrados com a tecnologia apresentada. Temiam seu poder destrutivo mesmo sem ter presenciado o quanto podiam ser mortíferas. Tínhamos conseguido passar a mensagem.
– Nos dias que se seguiram a conferência a mídia de todo o mundo deixara qualquer notícia de lado e se concentrara em nossa presença. Tudo o mais fora esquecido. O mundo nos aclamava e convidava a permanecer na terra. As naves circundaram o planeta para as populações de diversos países poderem contemplá-las. Centenas de aviões e outros veículos particulares nos seguiram por terra mar e ar. A apresentação fora considerada um sucesso.
– Ficamos cinco dias nos veículos acompanhando sua peregrinação e aproveitamos para nos reunir e definir estratégias, montar grupos de trabalho e elaborar códigos e senhas necessárias a comunicação futura. Seria difícil nos encontrar todos ao mesmo tempo outra vez, o que realmente nunca mais acontecera – Após as apresentações as naves dispersaram voltando ao seu local de origem. Nossa espaçonave retornara à cidade subterrânea e nos preparamos para o trabalho que nos esperava. Eu e seu avô fomos designados inicialmente para a área de ciência e tecnologia. Ficamos responsáveis por manter a ligação entre as duas culturas. Éramos a ponte que permitiria o homem da superfície atravessar o abismo cultural que nos separavam.
– Nos meses seguintes quase não conseguimos sair das salas de reunião. Enquanto Margot se reunia com chefes de estado, às vezes em grupo, outras vezes individualmente, meu pessoal se reunia com cientistas de todo o mundo. Mas como havia prometido minha primeira tarefa foi entrar em contato com o Dr. Scarenzi.
– Dr. Scarenzi? – Perguntei assim que atendera ao telefone.
– Sim? Quem fala?
– Sou eu Elisa! Como vai? Combinamos que entraria em contato logo após as apresentações…
– Elisa! – Exclamou perplexo após longo silêncio. Percebia-se o tremendo esforço que fazia para não demonstrar sua incredulidade.
– Então era verdade? Espero que não tenha se magoado…
– Não se preocupe doutor eu também demorei em acreditar.
– Em que posso ajudar minha filha? – perguntou submisso.
– Estou mandando e-mail com algumas informações sobre ciência e gostaria que o senhor avaliasse e me retornasse. Estou responsável pelo repasse da tecnologia alienígena e gostaria de incluir a sua universidade… Se tiver interesse é claro!
– O coitado ficara sem fala. Esperei alguns segundos e perguntara:
– Não tem interesse doutor?
– Claro que sim – respondera quase gritando – estava em choque – Como pode pensar tamanha tolice? Estamos muito interessados.
Imaginei-o em pé apoiado na mesa com o lenço nas mãos levando-o ao rosto como um tique nervos enxugando o suor. Estava à beira de um enfarto.
– Estamos combinados então. Até logo doutor – Desligara o telefone sem lhe dar tempo para responder.
– Infelizmente nem todos estavam interessados no conhecimento. Os problemas começaram a surgiu logo na primeira reunião – Elisa comentou com tristeza.
– Como assim bisa? Tem gente que não gostou? Mas não era tudo de graça? – Muai perguntou espantado.
– Convocamos pela mídia todo órgão de ensino interessado em se unir a nós. Levamos quase cento e oitenta dias para organizar os grupos de maneira a não demonstrar nenhum tipo de favoritismo. Não usamos nenhum critério que pudesse sugerir qualquer tipo de preconceito. Foi uma grande decepção quando descobrimos que nem todo mundo estava com boas intenções.
– O que aconteceu bisa? – Muai estava alerta olhando fixamente para Elisa.
– Acompanhei uma das naves que deveria buscar a primeira turma – eram quase dez mil pessoas que foram levadas em cinco transportes modificados especialmente para esse fim. Construímos em tempo recorde um imenso anfiteatro na lua com toda infra-estrutura para uma permanência de noventa dias com uma possível prorrogação, caso necessário. Esse foi o tempo sugerido pelos especialistas para transferir todo nosso conhecimento. Claro que não entramos em detalhes técnicos. Apenas fizemos uma pequena demonstração de cada item e passamos à suas mãos a senha autorizando o ingresso no domínio que criamos para esse fim. Lá estava o conceito e o processo de fabricação de toda nossa tecnologia.
– Aí aconteceu…
Continua no próximo capítulo…
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