Superfície – Capítulo 5

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Por Milton T. Mendonça

Superfície – Capítulo 5

– Dezenove pessoas lideravam o mundo e nenhuma era político? Como é possível bisa?

– Uma das coisas que aprendera depois que descobri minha verdadeira origem e comecei a participar ativamente na cidade subterrânea foi que a liderança do mundo não era exatamente aquela que pensava ser quando morava na superfície e dava aula na universidade. Aquele homem que aparecia discursando na televisão como sendo o presidente do país nada mais era que um fantoche dos homens de negro. Hoje acredito que nem ele sabia disso. Os homens de negros eram tão poderosos que dirigiam as atuações desses políticos escondidos nas sombras. Claro que às vezes subia ao poder alguém que era nosso aliado, mas uma coisa é certa, jamais existiu um político em qualquer país com liberdade suficiente para fomentar um plano de governo tirado de sua própria cabeça.  Falar em democracia, ditadura, socialismo, capitalismo sempre foi uma grande besteira. Apenas palavras vazias.

– A civilização não alcançou este estágio atual de liberdade e felicidade individual por causa da nossa tecnologia como muitos pensam. Não! Alcançamos por causa da transparência. Hoje não existe ninguém nas sombras. O individuo que resolve consagrar sua vida á administração publica terá que arcar com a responsabilidade de seus atos. Não tem ninguém atrás dele assoprando idéias ou indicando caminhos a seguir… Ele está sozinho.  A política deixou de ser um jogo marcado e viciante para se transformar no que nasceu para ser: Uma linguagem para instrumentalizar o poder ou o fazer publico.

– Quando esperava os dezenove líderes saírem da nave naquele dia minhas idéias não eram tão claras como hoje. Não sabia o tamanho do problema que tinha pela frente. Às vezes é bom desconhecer as coisas. A ignorância nos ajuda a realizar.

– Hum!… Não quero fugir do assunto com preleções chatas. Vou me ater à história como a presenciei…

-…  Ficara observando os convidados descerem da nave, atônitos. Percebia-se no semblante de cada um a mistura de medo com admiração. A mistura de prazer e horror por estar fora de seu planetinha azul. Seu berço seguro e conhecido. Nosso trunfo era exatamente esse estávamos numa posição privilegiada – o sonho de qualquer negociador – se não fosse assim jamais teríamos conseguido…  Mesmo com essa vantagem absurda não fora nada fácil.

– Nos apresentamos depois de entregues os tradutores instantâneos – uma cápsula auricular com a capacidade de traduzir apenas sessenta ou setenta línguas instantaneamente, mas já não se percebia que o interlocutor falava um idioma que não era o nosso, apesar de gigantescos. A não ser que você fosse um leitor de lábios… Não era externo como agora. Colocava-se próximo a bigorna no interior do ouvido. Hoje como você bem sabe é um micro ponto subcutâneo. E não era símbolo de independência como atualmente.

– Os nomes daqueles personagens eram velhos conhecidos. Sempre estiveram presentes nas publicações sociais desde que as inventaram.  Dificilmente se abriria um livro de história sem encontrar pelo menos um deles nas suas páginas. Dependia somente de qual país ou região se procurava e a época interessada. Isto definiria se o assunto encontrado era sobre a pessoa ali na minha frente ou de um ancestral seu.  Diferente dos nossos aliados que não se perpetuavam através do sangue. Eram atraídos pela competência ou pela ética.

– Depois das apresentações os levamos para a cantina. Fui a primeira a entrar porque queria ver a expressão dos homens conforme seus olhos encontrassem as novidades. Fiquei ao lado da porta e esperei. O primeiro a entrar, um senhor alto de cabelo louro e um acentuado traço eslavo, arregalara os olhos ao se deparar com os equipamentos de aparência futurística e as garotas vestindo minúsculos biquínis esperando para servi-lo em pé frente à mesa dos aperitivos. As janelas enormes mostravam uma paisagem lunar estéril e cobreada pelo efeito da luz que incidia sobre o solo sem gravidade. Ele circulou os olhos por todo ambiente parando por alguns segundos ao passar pelos corpos jovens das meninas se fixando no exterior do complexo. Caminhou lentamente até a janela e se deteve estupefato.

– Os seguintes tiveram quase as mesmas reações com a diferença de pousarem os olhos mais ou menos tempos no corpo das jovens e se dirigirem em direção as janelas. Dois deles se voltaram para os instrumentos e iniciaram uma conversação entusiasmada sobre sua utilidade.  Anotei no leitor que levava comigo os seguintes dados de minha observação:

Elisa retirou da bolsa o leitor eletrônico e começou a digitar rapidamente. De vez em quando levantava a cabeça e fixava os olhos na cobertura acima buscando na memória alguma lembrança esquecida.  Sorria ao se dar por satisfeita continuando com a anotação. Após terminar passou o aparelho para Muai que tomava sua banana split observando curioso toda sua movimentação.  Ele puxou para perto de si e leu:

Ásia – 2: [+ mulher – lua + Tecnologia].

Leste europeu – 4: [+ mulher + Lua – tecnologia].

Oeste europeu – 6: [+ mulher – Lua + Tecnologia].

EUA – 2: [- Mulher +Lua +Tecnologia].

Oriente Médio – 2: [+ Mulher + Lua – Tecnologia].

África -1: [+ Mulher + Lua + Tecnologia].

América –2: [+mulher + Lua + Tecnologia].

– O que significa isso biselisa?

– Necessitava de informação sobre os homens e não tinha nenhuma. Precisava fazer um furo em suas couraças então criei este critério, meio vago eu sei, para definir a personalidade de cada um baseado no interesse pessoal naquilo que oferecíamos. Descobrira naquela observação tosca algumas abordagens que depois se mostraram bastante válidas. Estes dois, por exemplo – tocou com os dedos o nome dos dois estadunidenses – no momento oportuno não lhes oferecera mulheres e sim um cinto antigravitacional para cada um. O que me valeu aliados na hora que mais precisava.

– Esse pessoal – apontou para os homens do leste europeu e oriente médio – Antes de mostrarmos oficialmente a tecnologia que mais afetou o modo de vida da superfície ordenei que elas os seduzissem e os levassem para a cama deixando-os completamente enlouquecidos quando no outro dia as desmontamos peça por peça na frente de todos.

– Apesar de bastante rudimentar esse critério não me deixara desnorteada na hora de criar uma estratégia mais agressiva. E no final mostrara que estava certa.

– A sociedade lá de cima estava pronta e trabalhando em favor daqueles homens a centena de anos. Precisávamos mostrar que a mudança não os deixaria de fora apesar de não precisarmos deles. Queríamos que cressem que os tínhamos escolhidos porque confiávamos na sua capacidade de gerência e não porque estávamos querendo evitar um confronto. Eles compreenderiam por si só que essa era a chance de limpar toda sujeira que foram obrigados a enfiar garganta á baixo nos homens, mulheres, crianças e animais…  Enfiar garganta á baixo em toda natureza ao longo de várias gerações somente para poderem usufruir do luxo ao qual estavam acostumados.

– Nossa tecnologia não fora desenvolvida visando lucro, mas para continuarmos existindo. Não era uma técnica meia boca como as que eles tinham. Onde os efeitos negativos sobre tudo que vivia eram superiores a setenta por cento.

– Nossa ciência é limpa e seus efeitos sobre a vida é cem por cento benévolos. Sem efeitos negativos de espécie alguma. O lucro seria imenso e honesto.   Não precisariam mais viver nas sombras para remendar ou amarrar as pontas que iam se soltando conforme era usada, como acontecia com suas invenções.

– Baseado neste critério mostramos nossas descobertas sobre o espaço. As novas teorias sobre hiperespaco, viagens interdimensionais, nossos vizinhos não carbônicos e muitas outras coisas deixando-os perplexos. Porque sabíamos que quase a totalidade deles tinha um interesse muito grande pela lua e por extensão por todo o universo.

– Mas somente usamos minhas observações algum tempo depois. Naquele momento enquanto observava me sentia amedrontada com o que viria a seguir. Aqueles homens estavam acostumados com a negociação eram mestres na arte de manipular.

– Deixei que João iniciasse o diálogo enquanto fiquei de lado apenas aguardando. Os dezessete adultos um ao lado do outro frente à janela era hilariante. Pareciam crianças maravilhadas com alguma novidade trazida por algum amiguinho. Ouvi o comentário de um deles que desabafando irritado falou ao mais próximo: “A NASA me pediu duzentos mil dólares e seis meses de treinamento para ficar uma semana em órbita da terra naquela estaçãozinha que eles construíram. Estou na lua sem gastar um centavo e sem nenhum treinamento. Dá para acreditar?”

– Aproximei-me dos equipamentos no lado oposto à janela e um dos dois convidados que não acompanhara os demais me interpelou:

– O que é isso? Parece um cinto e pela gravura é usado para segurar as calças, mas não compreendo por que está aqui. Que material é esse? Deve ser uma liga muito especial apesar de parecer fibra comum…

– É um cinto – falei sorrindo – peguei-o desenrolei e entreguei em suas mãos pedindo que substituísse o que usava. Ele me olhou estranhamente, mas resolvera cooperar por estar realmente intrigado. Abriu o paletó e trocou o cinto com firmeza que se ajustou a sua cintura imediatamente após a ponta ser conectada a fivela.

– O que você acha? – perguntou ao seu colega.

– Ficou bom, mas a cor não combinou.

– Pedi licença e apertei a lateral da fivela. Com um brilho furta-cor a fibra mudou sua freqüência deixando escapar somente a luz da cor que se harmonizava com a calça sem esquecer a pequena diferença de tonalidade que a faria se adaptar ao gosto do usuário, naquele caso, do programador. Os dois sorriram achando graça, mas sem demonstrar entusiasmo.

– Eles me olharam interrogativamente um pouco decepcionados e antes que falassem algo apertei o centro da fivela e o homem começou a flutuar. Ficara totalmente livre da gravidade. Alcançou o teto rapidamente se apoiando com as duas mãos para não bater a cabeça.  Olhou para baixo apavorado sem saber o que fazer. Velozmente peguei o outro cinto que estava à mostra e chamei uma das moças de biquíni gesticulando autoritária. Coloquei-o em sua cintura e apertei duas vezes o centro da fivela conforme haviam me explicado. A moça saiu voando tranquilamente sendo impulsionada por dois jatos de ar que saia do cinto, por entre suas fibras, através de nano orifícios e se deslocavam longitudinalmente sem tocar o usuário a uma velocidade fantástica, milhares de vezes por segundo, acompanhando o movimento do corpo e assim estabilizando o vôo. O ar era capturado do ambiente e após dar o empuxo necessário voltava ao ambiente purificado emitindo um leve ruído que precisaria estar atento para ouvir.  O sistema era imperceptível a olho nu e isso dava a impressão que não havia nada impulsionando quem o estivesse usando criando a ilusão de que ele era portador de algum poder sobrenatural. A moça deu duas voltas em torno do homem com uma destreza impressionante parou na sua frente segurou sua mão e o puxou para o chão suavemente.

– O homem estava pálido quando apertei novamente sua fivela e ele caíra sentado na cadeira colocada estrategicamente as suas costas.

– Incrível! – Exclamara surpreso.

– Isso poderá ser fabricado em série e vendido á população? – Seu amigo perguntara impressionado.

– É nossa intenção – Respondera sucinta.

– O que o faz funcionar?

– Uma bateria de nêutron…

– Mas não se percebe nada. Onde ela está acondicionada?

– Ela mede quinze centímetros de cumprimento por meio centímetro de largura e a espessura não é maior do que um décimo. Está dentro de um dos fios da fibra…   Não se percebe por uma questão de segurança. Ela será consumida fisicamente no trabalho…

– E a duração?

– Um ano se usada ininterruptamente… Ou mais se for usada com parcimônia.

– É maravilhoso! É possível viajar longas distancias?

– É possível, mas não é aconselhável. Além de roupa especial para se proteger das intempéries precisa-se usar um capacete e óculos protetores por causa dos detritos e insetos que chegam com o vento. Existem maneiras mais confortáveis para se viajar longas distancias o senhor não acha?

– Com a ajuda de seu colega que já havia se refeito do choque por ter saído flutuando pela sala apalpara e virara o cinto para todos os lados tentando encontrar algo mais do que podiam ver. Nada encontraram é lógico não existia nada que pudesse ser visto a olho nu. O brilho característico do desejo de possuí-lo faiscando nos olhos de ambos não me passou despercebido e isto ficara gravado na minha memória. No momento oportuno quando estava procurando uma maneira de conquistar aliados lembrei-me desse episódio ao ler minhas anotações – apontou para o leitor que estava em cima da mesa – e dera de presente aos dois os cintos antigravitacionais deixando-os mais maleáveis que massa de modelar – Sorriu alegre ao completar a frase.

– Os outros homens que estavam observando as estrelas se voltaram quando o moço começou a flutuar soltando imprecações de susto. Ficaram observando de onde estavam enquanto a garota voava até o teto. Mesmo naquele momento de tensão notei que todos se concentravam em seus movimentos sensuais soltando alguns comentários sexistas de mau gosto. Depois que tudo se acalmara e as explicações fora dada os levamos para a sala onde fora instalado o Módulo de Processamento Neural. Resolvera, de improviso, que deveria deixar as duas meninas disponíveis para que outros dois visitantes interagissem com elas.

– Na sala onde estava o MPN fora disponibilizado apenas dezenove divãs – a meu pedido – faltando intencionalmente espaço para todo mundo já que eu e João não ficaríamos de fora. Expliquei a situação e avisei que as meninas fariam companhia aqueles que aceitassem não participar naquele momento. Dois europeus ocidentais foram escolhidos e se separaram do grupo deixando a local na companhia das moças que a meu pedido gravaria todo o encontro.

– Pedira para os outros se deitarem no divã o que fizeram docilmente. Estranhei a confiança que demonstraram e ainda hoje não consigo explicar a razão deles estarem tão despreocupados. Isto me deixou bastante tensa. Aquele comportamento era um mau sinal. Existia a possibilidade de estarem protegidos de alguma maneira, apesar de não conseguir imaginar como. Eles não eram ingênuos em entrar na toca do lobo, todos ao mesmo tempo, com o risco de serem eliminados. Algo estava acontecendo, pensara apavorada. Depois conforme fomos interagindo conclui que talvez eles não fossem os verdadeiros mandatários. Mas estava errada.  Até hoje não descobri a verdade. Talvez eles tenham chegado à conclusão mais simples de que podíamos tê-los matados a qualquer momento e não precisávamos levá-los a lua para isso. Ousadia é o que não lhes faltavam. Então relaxaram.  Como não tínhamos intenção de fazer-lhes mal deixei as coisas fluírem naturalmente para ver o que acontecia.

– Expliquei o funcionamento do MPN e me coloquei a disposição para tirar qualquer duvida. Precisavam apenas perguntar que eu ou João estaríamos ali para responder. Em seguida colocamos os aparelhos de transferência neural em suas cabeças.

– Deitamos em nosso divã e ficamos prontos para mais uma viagem. Fechei as pálpebras e o zumbido característico encheu o espaço a minha volta. Abri os olhos lentamente e me deparei com a nave correndo a milhares de metros por segundo em um universo brilhante e cheio de cor. Desafivelei o cinto de segurança e me Levantei. Olhei em volta meio tonta e me deparei com nossos visitantes acordando surpresos em suas cadeiras…

Continua no próximo capítulo…

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