Teresa Bendini entrevista o contista Diego Lops

“Diego Lops nasceu em Porto Alegre, onde estudou Jornalismo e Letras. É contista, cronista, revisor, tradutor, mau poeta, dicionarista amador, colecionador de frases, como se não bastasse, namora uma bibliotecária que também é escritora. A autora, Camila Serrador”.

Essa é a definição contida em seu livro “Pessoas Partidas” acerca do seu ofício literário. A obra, que se trata de um livro de contos, ganhou o III Prêmio UFES (universidade Federal do Espírito Santo).
Seus contos são ambientados em cenários como Porto Alegre, Canadá, Argentina e EUA, entre outros.
O homem que perdeu o coração, um velório inusitado, o suicida que acha um jeito diferente de morrer, são algumas das histórias que me fazem recomendar o livro. Histórias leves, irônicas, ásperas e às vezes violentas, retratando com sutileza a existência surreal do ser humano. Estive com Diego em Campos do Jordão, durante a II Jornada Literária. Por e-mail ele me concedeu essa entrevista.

Fale um pouco da sua escrita literária e também da sua opção literária? Porque os CONTOS?

Sempre fui fascinado por contos. Minha prática de escrita desde pequeno e também os exercícios em oficinas literárias sempre me conduziram ao conto, de modo que foi natural que meu primeiro livro, o Pessoas partidas, fosse um livro de contos.

Em quais contistas se inspirou? Quais seus Contos preferidos, aqueles que considera geniais? Poderia comentar alguns deles, para que o leitor da Revista sinta vontade de lê-los?

É sempre difícil falar em inspirações, pois mesmo os escritores que mais admiro podem não aparecer nos meus próprios contos. Mas há algumas características de alguns autores que coloco como meta, mesmo que jamais as alcance. Poderia citar a honestidade crua de Bukowski, a perfeição estética de Tchekhov, a sutileza e a fina ironia de Machado de Assis, a concisão e o insólito de Kafka, o humor sofisticado de Woody Allen. São como uma cenoura pendurada na frente de um burro. Todos eles têm contos geniais, então seria injusto apontar apenas um conto desses autores, todos são um bom começo.

Alguns dizem que o Romance realiza a COROAÇÃO do escritor, escrever um Romance é sinônimo de estar pronto. De se consagrar como escritor..você concorda?

Não poderia discordar mais. O romance, por sua natureza e extensão, tolera falhas que jamais seriam admitidas pelo conto. Pela sua forma breve, o conto precisa dar o seu recado em poucas páginas – até mesmo em poucas linhas –, os elementos dramáticos devem ser enxutos, a ação concentrada, as frases milimetradas, o ritmo cronometrado.
Enquanto um romance seria uma maratona de resistência, permitindo pausas, cãibras e sprints ao longo do caminho, escrever um conto é tentar correr uma corrida de 100 metros com obstáculos tendo uma corrente amarrada ao pescoço. Alguns dos maiores escritores do planeta são grandes contistas, como Milan Kundera, Italo Calvino e Alice Munro. Apesar de tudo isso, os livros de contos, por alguma razão obscura, seguem sendo preteridos por editores, desprezados pela crítica, escanteados de premiações literárias e, o pior de tudo, ignorados pelo público leitor.

No Conto ..”Se der , eu volto”, a Gabriela é narrada como sendo uma revolucionária, bem engajada e entusiasta das causas sociais. Os personagens de um Conto podem nascer de pessoas reais? Digo isso porque tive a impressão que foi sua namorada que te inspirou. No seu livro, há outros personagens que também são personagens reais? Como se sentiria se algum deles entrasse em contato com você, porque se viu protagonizado no Conto?

Claro. Tudo o que acontece à sua volta pode servir de inspiração ao escritor. Muitos têm uma resistência quanto a esse pensamento, acreditando que admitir que fatos ou pessoas reais sejam usados como fonte para a ficção é uma prova de falta de poder criativo, ou coisa que o valha. Erico Verissimo revelou que muitos dos personagens da saga O Tempo e o Vento foram baseados em parentes ou conhecidos, e não há nada de mal nisso.
Mas também ocorre de uma inspiração da vida real não se traduzir com fidelidade na ficção. Nos meus contos, a caracterização de uma personagem pode ser mais metafórica do que literal. A Gabriela, do conto Se der, eu volto, por exemplo, não representa necessariamente alguém com cabelo pintado de verde, mas alguém que revoluciona o mundo interno do protagonista.

Em relação a sua entrada no meio literário, como isso ocorreu? Acha que Concursos Literários devem ser incentivados e de que forma?

Publiquei meu primeiro livro por meio de um concurso nacional de originais promovido pela Universidade Federal do Espírito Santo, que o Pessoas partidas venceu na categoria Melhor Livro de Contos. Nesses tempos em que o valor de uma obra literária é medido unicamente pelo seu potencial de vendas, concursos independentes e sem fins comerciais como esse são fundamentais para dar espaço a novos e promissores escritores.

Fiquei sabendo que houve entre os autores, uma iniciativa de passear por recantos do Brasil, de difícil acesso, como a Amazônia por exemplo. Numa verdadeira Cruzada Literária, alguns autores se embrenharam por cantos onde há alto índice de analfabetismo. Você sabe alguma coisa à respeito disso? Parece que se tratava de um Cruzeiro.

Desconheço essa iniciativa, mas me parece fenomenal.

Sobre o LIVRO: “Pessoas Partidas”. O que poderia nos falar dele? Aliás o título do seu livro foi tirado de um dos seus Contos. Aquele que fala do choque entre as classes sociais. Esse conto sintetiza o que está no livro? Vou pegar carona no conto e perguntar sobre a questão política, aquela que esbarra na situação do Brasil de hoje, e no engajamento dos artistas. Sabemos que a ARTE, no Brasil, vem sendo atacada por grupos um tanto fascistas. Teria alguma coisa a falar sobre isso?

O livro Pessoas partidas é composto por 21 contos cujo tema comum seria o momento em que pessoas comuns são colocadas em situações-limite, das quais não podem sair indiferentes. O conto “Pessoas partidas” não sintetiza o livro, mas nomeá-lo com esse título me pareceu adequado, pois os contos englobam esse “partir” em vários sentidos, tanto o de afastamento geográfico quanto o do fragmentar psíquico e até mesmo o da quebra literalmente física.
Sobre o momento atual da arte no Brasil, só posso dizer que os ataques estão bem de acordo com o desinvestimento cultural dos últimos anos. É bastante lamentável.

Sobre as regras de pontuação na sua prática literária. Sabemos que o poema é bem mais livre, por causa da “licença poética”. Mas parece que ela se estendeu e tanto no Romance como no Conto a escrita dita “de vanguarda” se rebela contra a rigidez das normas. Isso sempre foi assim? Saramago e Valter Hugo Mãe são autores que brincam um pouco com essa rigidez imposta pelas vírgulas e ponto final. O que você acha disso? O leitor é que deve fazer essa demarcação?

Claro que o recurso da linguagem escrita coloca à disposição do escritor uma miríade de possibilidades, e isso é maravilhoso. A exploração dessas alternativas é o que dá ao escritor seu estilo próprio. Pessoalmente, porém, prefiro não embarcar no vagão da rebeldia gramatical. Colocar a forma como primordial na obra me parece um encolhimento criativo, não o contrário. Saramago e Raduan Nassar são bons escritores, mas suas escolhas pela falta de pontuação e marcação de diálogos e por parágrafos de 20 páginas sem ponto final às vezes podem aparecer puro exibicionismo; uma escrita de pura forma corre o risco de se tornar estéril. Lobo Antunes, quase um antagonista literário de Saramago em Portugal, também é um experimentador da linguagem, mas em um nível muito mais profundo, com a forma a serviço dos sentidos e da estética.

Você submete seus textos a uma revisão ortográfica, antes de enviá-los para editoras ou concursos?

Revisão é fundamental, faz parte do acabamento da obra. Apesar de eu ser revisor profissional, não confio em mim para a revisão dos meus textos, pois a leitura fica “viciada” e posso deixar passar algumas coisas. Entregar o texto a um olhar “estrangeiro” é necessário para enxergar melhor o próprio texto, tanto a grafia e a sintaxe como o sentido dele. Também é um exercício de humildade se submeter ao crivo de um leitor atento e questionador, que te faz mostrar que nada é sagrado no teu texto.

O Natal está chegando e parece que cresceu o número de pessoas que preferem presentear com bons livros. Onde encontramos o Livro Pessoas Partidas?

O livro pode ser comprado pelo site da Edufes (http://edufes.ufes.br/items/show/385) e nas livrarias Bamboletras (Porto Alegre) e Machado de Assis (Araraquara). Hoje ele também pode ser baixado online pelo repositório da UFES

(http://repositorio.ufes.br/bitstream/10/6780/1/Versao%20digital_pessoas%20partidas.pdf).

Entrevista realizada em Novembro/2017

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