TOPÁZIO, um conto de “CONTEXTURAS” (contos de Luísa Fresta e quadros de Armanda Alves)

TOPÁZIO

Quadro de Armanda Alves

Naquele dia Lígea tinha chegado atrasada ao encontro. Oceano já a esperava sentado no muro baixo à entrada do metro, com um boné rasgado e virado para trás. Saltou agilmente do murete e deu-lhe um beijo discreto, quase inventado. Lígea largou-o rapidamente, a sua timidez obsessiva impedia-a de qualquer contacto físico mais público, ou vice-versa. Tal gesto seria quase trivial, não fosse o facto de Lígea e Oceano se estarem encontrar pela primeira vez. Na verdade, Lígea gostava de Kwanza, o sobrinho de Oceano, e esperava vê-lo ali, àquela hora, tal como tinham combinado por mensagem.

Kwanza, no entanto, corria já veloz e fluido para outra foz; Oceano, mais sossegado e experiente, sabia-o, e não queria deixar Lígea à espera de uma ausência anunciada. Oceano gostava de Lígea que, surpresa, o esbofeteou.

O homem recompôs-se dessa agressão quase esperada que lhe pareceu até um gesto afável. Sorriu e murmurou apenas: – Feliz aniversário, Lígea.

A mulher voltou-se com violência para o homem que já tinha deixado para trás.

– Mas quem diabo é o senhor, afinal? Eu estou à espera de outra pessoa.

Oceano apresentou-se e esclareceu o mistério, ao mesmo tempo que engendrava uma justificação plausível. Que Kwanza “estava em viagem, uma emergência de trabalho”, mas que lhe tinha pedido que ali fosse, para se desculpar. E desembrulhou então um magnífico topázio de forma indefinível dentro de uma pequena caixa forrada a veludo preto. – Toma, é para ti – acrescentou com uma nota de rudeza. O homem tinha uma pronúncia invulgar que Lígea não reconheceu. No fundo da caixa, uma pequena chave e um número de 9 algarismos.

No dia 31 do último mês do ano, um telefone vibrou com a chamada de Lígea.

– Abre, estou à tua porta – disse-lhe, tremendo. E entregou-lhe o seu beijo tímido.

 

 

Sobre Luisa Fresta 30 Artigos
Luísa Fresta, portuguesa e angolana, viveu a maior parte da sua juventude em Angola, país com o qual mantém laços familiares e culturais; reside em Portugal desde 1993. Desde 2012 assina crónicas e artigos de opinião em jornais culturais, revistas e blogues de Angola, Portugal e Brasil, essencialmente sobre livros e cinema africano francófono e lusófono. Esporadicamente publicou em sites ou portais culturais de outros países como Moçambique, Cabo Verde e Senegal. Em 2021 e 2022 traduziu O HOMEM ENCURRALADO e ESPLANADA DO TEMPO, ambos do poeta brasileiro Germano Xavier (edição bilingue português-francês/Penalux). Em 2022 ilustrou o poemário infantojuvenil DOUTRINA DOS PITÓS, do poeta angolano Lopito Feijóo (Editorial Novembro). Desde 2020 mantém um grupo virtual intitulado ESCOLA FECHADA/ MENTE ABERTA, criado no início da pandemia, destinado a divulgar literatura infantojuvenil e artes plásticas, nomeadamente ilustração, com especial incidência no universo lusófono e francófono. O principal objetivo é consolidar os hábitos de leitura das crianças, estimular a leitura em família e o gosto pelo desenho; e aproximar escritores e ilustradores de leitores e da comunidade escolar. Tem textos dispersos por antologias, alguns dos quais integraram projetos pro bono, e outros premiados em Portugal e no Brasil, desde 1998; assim como um livro de poesia vencedor do prémio literário Um Bouquet de Rosas Para Ti, em Angola, atribuído pelo Memorial António Agostinho Neto (2018). Curiosidade: o poema Casa Materna, que dá título ao livro (originalmente designado por Casa ambulante), foi distinguido com o 2º prémio de poesia internacional Conexão Literária (Câmara Municipal de Divinópolis/Brasil) quando a obra já se encontrava em processo de edição. OBRAS DA AUTORA: Contexturas (contos, baseados em quadros de Armanda Alves, coautora), Livros de Ontem, 2017; Março entre meridianos (poesia, 1º prémio “Um Bouquet de Rosas para Ti”), MAAN, 2018; Março entre meridianos (reedição), Livros de Ontem, 2019; A Fabulosa Galinha de Angola (infantojuvenil), Editorial Novembro, 2020; Sapataria e outros caminhos de pé posto (contos), Editorial Novembro, 2021; Burro, Sim Senhor! (infantojuvenil), Editorial Novembro, 2021; Casa Materna (poesia), Editorial Novembro, 2023; A Idade da Memória (infantojuvenil, contos inspirados na poesia de Agostinho Neto. Coautora: Domingas Monte; ilustrações: Júlio Pinto), Mayamba Editora, 2023; No País das Tropelias e Desventuras (Coleção Capitão/ infantojuvenil), Editorial Novembro, 2024.

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